PROMESSAS
Freitas de Assis*
Não
estamos falando nenhuma mentira ao dizer que uma grave crise econômica atinge o
país já há algum tempo. Não é de hoje
que as dificuldades em pagar nossos compromissos e adquirir o básico para nos
mantermos vivos ou nos vestir com decência cada vez se torna mais difícil. E
nosso rico dinheirinho fica mais e mais empobrecido. Por conta desta famigerada
crise financeira que também a nós, canindeenses, não deixou passar incólumes, a
desesperança por dias melhores pairou momentos antes da festa de São Francisco
deste ano de 2015 que já caminha para seu final. Fatos como a causticante seca
que nos flagela e os números dos festejos de 2014 corroboraram para esta tenebrosa
expectativa.
Contudo,
a fé que nos move e motiva para lutarmos por dias melhores fez com que a
desesperança que pairava como negra nuvem sob nossas cabeças fosse varrida para
rincões distantes e dias melhores se descortinam em nosso horizonte. Veio então a Festa de São Francisco que, como
sempre, faz a cidade se metamorfosear do dia para a noite com a chegada de
pessoas de todos os lugares do Brasil e do mundo buscando conforto para seus
corações na Meca Franciscana.
Embora
nem todos venham orar e pedir graças a São Francisco, muitos vêm para comercializar,
e outros, para se aproveitarem de incautos romeiros para praticar fraudes e
furtos em meio à multidão. E os que comercializam são os que, efetivamente,
transformam a cidade com o colorido de suas barracas, com o odor perfumado de
seus saborosos quitutes, o brilho do alumínio e até mesmo a algazarra e os sons
produzidos para chamar a atenção de eventuais compradores, que muitas vezes
incomodam ouvidos mais sensíveis.
No
quesito segurança, como em outros anos, sem maiores percalços, com as equipes
de policiais locais auxiliados por policiais da Capital, como os do Batalhão de
Eventos e do grupamento Raio e da Cavalaria. Infelizmente, neste ano, a perda
de um policial devido a uma fatalidade num acide de trânsito nos enlutou.
Entretanto, fora o luto da corporação alencarina, tudo pareceu correr dentro de
parâmetros normais e uma ou outra ocorrência que chamasse mais a atenção das
crônicas policiais, como um afogamento e um homicídio, não foram relacionados
diretamente com os festejos.
Antes
dos festejos havia uma preocupação com a falta d’água, e esta ainda continua a tirar
o sono da população e do governo, pois segundo a edição do jornal Diário do
Nordeste de nove de outubro de 2015, apenas 15% é a capacidade atual em média
de nossos reservatórios – e em Canindé este número é praticamente zero, pois
nossa água vem do açude de General Sampaio através de uma adutora, e a situação
lá não é muito diferente, sendo que os açudes do Sousa e São Mateus já não têm
água há algum tempo.
Felizmente
para nós e os romeiros, a água não faltou no período, e o calor saariano
inclemente que nos fustiga nesta época do ano fez a alegria dos vendedores de
picolés, sorvetes e água mineral. Para quem nos visita em qualquer outro
período e vem durante os dias de festejos, é como se viesse para um lugar
diferente. A oferta de produtos inusitados, o marrom característico das
vestimentas de muita gente e os personagens ímpares, como um jovem senhor de
uns sessenta e poucos anos dançando alegremente um tradicional forró no meio da
rua com um chapéu de couro à moda Virgulino ou um cangaceiro prateado, ora
fazendo mímicas ora posando de estátua, e ainda um batalhão de cegos, aleijados
e pedintes a implorar o óbulo de fiéis mais afortunados, transforma Canindé,
aos olhos do visitante, em outra cidade, mais colorida, mais alegre e
acolhedora. Cosmopolita. E já com problemas de cidade grande, com ruas
engarrafadas, desrespeito ao trânsito e lixo nas ruas devido ao acréscimo da
população flutuante nestes dez dias de festa e fé.
E
no final da festa, um evento que é apreciado particularmente pelos
canindeenses, já que estes são a maioria durante o arriamento da bandeira,
quando a maioria dos turistas já partiu para casa. Ocorrido em cinco de outubro
– este ano em data normal, já que em ano de eleições a data é transferida, como
em 2016, que será de seis a 16 de outubro –, no arriamento vemos a festa em seu
apogeu. Os amigos se encontrando debaixo de sol causticante ao som dos sinos da
basílica e da música “Miscigenação” cantada por seu autor, o poeta Jota
Batista.
O
alvoroço em torno do mastro. O comerciante Japuara subindo e tirando a bandeira
e a avidez dos devotos e corajosos homens que em torno dele se empurram e se
esforçam em tocar a bandeira e manter a tradição, pedir graças e agradecer.
Sempre vou para o arriamento, de folga ou de serviço, e ali sempre encontrava a
figura do espirituoso e saudoso Zezinho
Camurça (este ano ele viu o evento de um lugar privilegiado). Costumo chegar um
pouco antes do horário, circular em redor da igreja e observar. Encontrar
amigos e conhecidos, confraternizar, trocar dois dedos de prosa e achar um bom
lugar para desfrutar o momento. Em certo
hora em que observava a fila para pegar os chapéus distribuídos e tentar pegar
um para mim, conversei alguns instantes com o colega de trabalho Ernilson, o
qual me relatou uma história inusitada, quase tétrica e surreal.
É
fato que para cá ocorrem milhares de pessoas em busca de cura e milagres e que
muitos fazem promessas ao nosso padroeiro por graças alcançadas. Pessoas que
deixam a barba crescer por anos a fio, um senhor de chapéu de couro gigantesco
da cidade de Pentecoste, muitos vêm para cá a pé ou de bicicleta. Este ano, por
conta da legislação de trânsito e após a polêmica do ano passado, foi
praticamente decretado o fim dos tradicionais, porém desconfortáveis, caminhões
paus-de-araras; e ainda há aqueles que sobem a avenida Chico Campos com uma
pedra na cabeça e outros entram de joelhos na basílica.
Contudo,
esta história parece ser bem original em se tratando de promessas. Estava de
serviço em torno da Basílica o soldado Erenilson. Fiel cumpridor de suas
obrigações e deveres, o polido militar estava impávido em seu posto, quando
percebe um pequeno cortejo fúnebre, umas seis pessoas conduzido uma urna
funerária e dentro, óbvio, um corpo inerte. O policial, então, pára o cortejo e, do alto
de sua autoridade, informa que não poderiam entrar com o caixão na igreja,
salvo se previamente tivessem combinado uma missa de corpo presente, o que
neste período seria impraticável devido ao afluxo de romeiros. Então, depois de
proferir seu argumento com ênfase e autoridade, o corajoso militar olhou de
relance para o rosto do “defunto”, no caso, defunta, a qual, para surpresa
deste olhava-o sorrindo. Sentindo o
sangue lhe gelar nas veias, ele pensou até em sair correndo, mas manteve o
controle e a calma e já foi ouvindo a explicação de que se tratava de uma
promessa de uma senhora, que estava bem viva, que havia escapado da morte.
Refeito do susto, o policial acompanhou o estranho cortejo de um defunto vivo
até o interior da igreja para que as pessoas concentradas ali no templo não
desmaiassem ou corressem quando vissem a defunta sair do caixão.
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* Cabo PM, colaborador do blog.
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