segunda-feira, 12 de outubro de 2015

CRÔNICA


PROMESSAS

Freitas de Assis*

Não estamos falando nenhuma mentira ao dizer que uma grave crise econômica atinge o país já há algum tempo.  Não é de hoje que as dificuldades em pagar nossos compromissos e adquirir o básico para nos mantermos vivos ou nos vestir com decência cada vez se torna mais difícil. E nosso rico dinheirinho fica mais e mais empobrecido. Por conta desta famigerada crise financeira que também a nós, canindeenses, não deixou passar incólumes, a desesperança por dias melhores pairou momentos antes da festa de São Francisco deste ano de 2015 que já caminha para seu final. Fatos como a causticante seca que nos flagela e os números dos festejos de 2014 corroboraram para esta tenebrosa expectativa.
Contudo, a fé que nos move e motiva para lutarmos por dias melhores fez com que a desesperança que pairava como negra nuvem sob nossas cabeças fosse varrida para rincões distantes e dias melhores se descortinam em nosso horizonte.  Veio então a Festa de São Francisco que, como sempre, faz a cidade se metamorfosear do dia para a noite com a chegada de pessoas de todos os lugares do Brasil e do mundo buscando conforto para seus corações na Meca Franciscana.
Embora nem todos venham orar e pedir graças a São Francisco, muitos vêm para comercializar, e outros, para se aproveitarem de incautos romeiros para praticar fraudes e furtos em meio à multidão. E os que comercializam são os que, efetivamente, transformam a cidade com o colorido de suas barracas, com o odor perfumado de seus saborosos quitutes, o brilho do alumínio e até mesmo a algazarra e os sons produzidos para chamar a atenção de eventuais compradores, que muitas vezes incomodam ouvidos mais sensíveis.
No quesito segurança, como em outros anos, sem maiores percalços, com as equipes de policiais locais auxiliados por policiais da Capital, como os do Batalhão de Eventos e do grupamento Raio e da Cavalaria. Infelizmente, neste ano, a perda de um policial devido a uma fatalidade num acide de trânsito nos enlutou. Entretanto, fora o luto da corporação alencarina, tudo pareceu correr dentro de parâmetros normais e uma ou outra ocorrência que chamasse mais a atenção das crônicas policiais, como um afogamento e um homicídio, não foram relacionados diretamente com os festejos.
Antes dos festejos havia uma preocupação com a falta d’água, e esta ainda continua a tirar o sono da população e do governo, pois segundo a edição do jornal Diário do Nordeste de nove de outubro de 2015, apenas 15% é a capacidade atual em média de nossos reservatórios – e em Canindé este número é praticamente zero, pois nossa água vem do açude de General Sampaio através de uma adutora, e a situação lá não é muito diferente, sendo que os açudes do Sousa e São Mateus já não têm água há algum tempo.
Felizmente para nós e os romeiros, a água não faltou no período, e o calor saariano inclemente que nos fustiga nesta época do ano fez a alegria dos vendedores de picolés, sorvetes e água mineral. Para quem nos visita em qualquer outro período e vem durante os dias de festejos, é como se viesse para um lugar diferente. A oferta de produtos inusitados, o marrom característico das vestimentas de muita gente e os personagens ímpares, como um jovem senhor de uns sessenta e poucos anos dançando alegremente um tradicional forró no meio da rua com um chapéu de couro à moda Virgulino ou um cangaceiro prateado, ora fazendo mímicas ora posando de estátua, e ainda um batalhão de cegos, aleijados e pedintes a implorar o óbulo de fiéis mais afortunados, transforma Canindé, aos olhos do visitante, em outra cidade, mais colorida, mais alegre e acolhedora. Cosmopolita. E já com problemas de cidade grande, com ruas engarrafadas, desrespeito ao trânsito e lixo nas ruas devido ao acréscimo da população flutuante nestes dez dias de festa e fé.
E no final da festa, um evento que é apreciado particularmente pelos canindeenses, já que estes são a maioria durante o arriamento da bandeira, quando a maioria dos turistas já partiu para casa. Ocorrido em cinco de outubro – este ano em data normal, já que em ano de eleições a data é transferida, como em 2016, que será de seis a 16 de outubro –, no arriamento vemos a festa em seu apogeu. Os amigos se encontrando debaixo de sol causticante ao som dos sinos da basílica e da música “Miscigenação” cantada por seu autor, o poeta Jota Batista.
O alvoroço em torno do mastro. O comerciante Japuara subindo e tirando a bandeira e a avidez dos devotos e corajosos homens que em torno dele se empurram e se esforçam em tocar a bandeira e manter a tradição, pedir graças e agradecer. Sempre vou para o arriamento, de folga ou de serviço, e ali sempre encontrava a figura do espirituoso e  saudoso Zezinho Camurça (este ano ele viu o evento de um lugar privilegiado). Costumo chegar um pouco antes do horário, circular em redor da igreja e observar. Encontrar amigos e conhecidos, confraternizar, trocar dois dedos de prosa e achar um bom lugar para desfrutar o momento.  Em certo hora em que observava a fila para pegar os chapéus distribuídos e tentar pegar um para mim, conversei alguns instantes com o colega de trabalho Ernilson, o qual me relatou uma história inusitada, quase tétrica e surreal.
É fato que para cá ocorrem milhares de pessoas em busca de cura e milagres e que muitos fazem promessas ao nosso padroeiro por graças alcançadas. Pessoas que deixam a barba crescer por anos a fio, um senhor de chapéu de couro gigantesco da cidade de Pentecoste, muitos vêm para cá a pé ou de bicicleta. Este ano, por conta da legislação de trânsito e após a polêmica do ano passado, foi praticamente decretado o fim dos tradicionais, porém desconfortáveis, caminhões paus-de-araras; e ainda há aqueles que sobem a avenida Chico Campos com uma pedra na cabeça e outros entram de joelhos na basílica.

Contudo, esta história parece ser bem original em se tratando de promessas. Estava de serviço em torno da Basílica o soldado Erenilson. Fiel cumpridor de suas obrigações e deveres, o polido militar estava impávido em seu posto, quando percebe um pequeno cortejo fúnebre, umas seis pessoas conduzido uma urna funerária e dentro, óbvio, um corpo inerte.  O policial, então, pára o cortejo e, do alto de sua autoridade, informa que não poderiam entrar com o caixão na igreja, salvo se previamente tivessem combinado uma missa de corpo presente, o que neste período seria impraticável devido ao afluxo de romeiros. Então, depois de proferir seu argumento com ênfase e autoridade, o corajoso militar olhou de relance para o rosto do “defunto”, no caso, defunta, a qual, para surpresa deste olhava-o sorrindo.  Sentindo o sangue lhe gelar nas veias, ele pensou até em sair correndo, mas manteve o controle e a calma e já foi ouvindo a explicação de que se tratava de uma promessa de uma senhora, que estava bem viva, que havia escapado da morte. Refeito do susto, o policial acompanhou o estranho cortejo de um defunto vivo até o interior da igreja para que as pessoas concentradas ali no templo não desmaiassem ou corressem quando vissem a defunta sair do caixão.

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* Cabo PM, colaborador do blog.

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