Em meados do século passado, quando o semi-árido cearense ainda não contava com os serviços de meteorologia, o canindeense Josa Magalhães escreveu esse texto, um autêntico apanhado das chamadas "experiências" sertanejas sobre inverno.
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PREVISÕES FOLCLÓRICAS DAS SECAS E DOS
INVERNOS NO NORDESTE BRASILEIRO
Josa Magalhães*
Ainda de todo
não termina o inverno e já o sertanejo se preocupa em fazer experiências que
possam algo revelar sobre o próximo ano. Assim, as primeiras experiências são
feitas em junho e se relacionam com São João e São Pedro. Diz-se que se no dia
23 ou 24 de junho, véspera ou dia de São João, cair um serenozinho ou pintar
chuva durante o dia, o inverno do ano seguinte será bom. Afirma-se, outrossim,
que se, à noite, cair chuva que apague a fogueira de São João, não faltará
inverno, igualmente, no próximo ano. Veríssimo de Melo (Chuva na tradição popular, março de 1951) anota esta experiência
colhida por mim da boca de um rurícola do município de Santa Quitéria.
Contou-me Abílio Pinheiro da Silva, morador na propriedade Riacho Verde, no
município de Itatira, que na véspera do dia de são João, no lugar em que for
feita a fogueira, previamente se enterra uma garrafa cheia de água.
Neste sítio, então, se levanta a fogueira. No dia seguinte, extinta a mesma, se a garrafa conservar-se ainda cheia, haverá bom inverno. Se estiver inteiramente vazia, será uma seca. Se nela existir bastante água, sinal é de inverno regular. Se, porém, houver muito pouca, conta-se com um inverno escasso. O dia de São Pedro também serve de experiência. Em fins de 1949 dizia-me Francisco Anastácio Costa, morador na fazenda Feijão, no município de Canindé, que, quando no dia 29 de junho, dia de São Pedro, pinta chuva, o inverno vindouro é de boas águas. Acrescentou-me, ainda, que, naquele ano, tal dia foi muito bonito, prometendo até rio cheio, por isso fez bons roçados e estava confiante que o ano de 1950 seria um ano de muito bom inverno. E foi.
Neste sítio, então, se levanta a fogueira. No dia seguinte, extinta a mesma, se a garrafa conservar-se ainda cheia, haverá bom inverno. Se estiver inteiramente vazia, será uma seca. Se nela existir bastante água, sinal é de inverno regular. Se, porém, houver muito pouca, conta-se com um inverno escasso. O dia de São Pedro também serve de experiência. Em fins de 1949 dizia-me Francisco Anastácio Costa, morador na fazenda Feijão, no município de Canindé, que, quando no dia 29 de junho, dia de São Pedro, pinta chuva, o inverno vindouro é de boas águas. Acrescentou-me, ainda, que, naquele ano, tal dia foi muito bonito, prometendo até rio cheio, por isso fez bons roçados e estava confiante que o ano de 1950 seria um ano de muito bom inverno. E foi.
A inconstância
das chuvas, o temor das secas e a ausência de órgão previsor do tempo geram,
pois, no espírito atribulado do sertanejo, grande inquietação, tanto maior
quanto mais se aproxima a época das precipitações pluviais. Nesta conjuntura, a
seu modo, entra o sertanejo a interpretar os fatos da natureza e a fazer
previsões empíricas do tempo.
Há um provérbio
que diz: “De chuva e eleição não se faz previsão”. Todavia, como afirma J. de Figueiredo
Filho: “Todo mundo é profeta no Ceará e no Nordeste. Como são muitos os
adivinhos, alguém há de acertar, assim como se tira dinheiro em jogo do bicho
ou na roleta do jaburu”. Aliás, os sertanejos mais antigos e aqueles que fazem
alguma leitura, emitem suas profecias arrimados em interpretações do Lunário
Perpétuo que, segundo Filipe Guerra, em Secas
contra a seca, “tem para muitos sertanejos ainda a força das Escrituras
Sagradas”.
As previsões
populares do tempo não são privativas do Nordeste brasileiro. Os hindus
acreditam que quando as cobras dançam vai chover. Conta Brewton Berry que ”Os
caçadores de Bornéu observam as Plêiades e determinam o tempo para preparar a
terra para a plantação”. Informa Georg Buschan que “O cuco passa por anunciar e
trazer a chuva, sobretudo quando seu canto é ouvido próximo das habitações”.
Franz Baur, por sua vez, narra que na Alemanha “O desejo de poder prever o
tempo é quase tão antigo como a própria humanidade, porque o tempo é para
muitos ramos da atividade humana, principalmente para os que cuidam da
alimentação do homem, de grande importância. Da observação do vento e das
nuvens, ou da orientação dos animais e da transmissão verbal de resultados de
observações, de geração para geração, formaram-se vagamente determinadas regras
de tempo que se conservam, em parte, até hoje”.
Refere Yves
D’Evreux que, entre os testes a que se submetia um índio a fim de ser guindado
à categoria de pajé, figurava curar os doentes com sopro e prenunciar chuva.
O nordestino,
mercê do insulamento do meio físico em que vive e por força da natureza de sua
personalidade anímica, “tão mestiça quanto a sua constituição física”, como
preceitua Alcântara Machado em Vida e
morte do bandeirante, não podia menos que tomar o mesmo rumo. Daí a sua postura
perscrutadora em face do tempo e das coisas. Observa a posição das
constelações, o movimento dos astros, o círculo da lua, a forma das nuvens e
não deixa de reparar nas condições do acaso nem nas circunstâncias
personalíssimas em que nasce o sol em determinados dias. O canto dos pássaros,
a atitude dos insetos, a conduta dos animais e o comportamento
das árvores, outros tantos elementos são de que se socorrem os sertanejos para
tirar conclusões sobre se, no próximo ano, haverá seca ou inverno. E tudo isto
além de enriquecer o nosso variado folclore, constitui um corpo de doutrina, um
código de sabedoria popular com que se procura deitar luz sobre o futuro.
Ademar Vidal,
percuciente conhecedor da alma sertaneja, animado, talvez, do conceito de
Brewton Berry de que “A natureza tem por esporte anunciar, generosamente, as
suas intenções”, empresta excepcional valor às previsões populares do tempo, ao
afirmar que “o sertanejo é mestre no assunto, não erra, não se equivoca — fala
de certeza”.
E, na verdade, para
os sertanejos tais experiências valem mais que toda a ciência experimental dos doutores,
porque são tradições orais que vêm de outras eras, legadas por seus maiores,
homens bem experimentados neste mister. Daí a fé inviscerada que nelas
depositam e que lhes mantém o tônus da esperança cheio de vitalidade. Quando
alguém, em base científica, se aventura a predizer se o ano futuro é seco ou
molhado, o caboclo sertanejo costuma ironizá-lo dizendo que “Profecia de doutor
não vale pra nada: quando diz que vem chuva é seca e quando pensa em seca o que
aparece é inverno grande”. No entender dos sertanejos, ninguém melhor do que
eles conhece os problemas de sua região porque nela vivem e observam.
Alguns desses
profetas, adivinhadores da seca e inverno, são discretos e reservados nas suas
afirmações. Outros, porém, apresentam-se jactanciosos e não perdem oportunidade
de fazer praça de suas previsões. Destes, o povo não perdoa os erros. A
propósito, conta Luís Vieira que certo indivíduo assegurara que em tal ano as
terras do Nordeste seriam assoladas de terrível seca. Como se não verificara
tal previsão, o impostor quase fora linchado pelo povo. Conheço outro caso de
certo profeta que, havendo vaticinado seca para 1950 e se não tendo vingado a
sua predição, pois 1950 foi ano de bom inverno, algumas pessoas pretenderam
dar-lhe um banho na corrente tumultuosa de um rio transbordante, “Pra não sê
besta, pois, só Deus sabe quando vem chuva”, diziam.
Revela notar,
entretanto, que, incontestavelmente, muitas pessoas possuem aguçada
sensibilidade de observação e se algumas destas observações ou experiências são
destituídas de fundamento e bom senso, outras, todavia, não deixam de basear-se
em razões que farte plausíveis. “Indivíduos incultos”, comenta Felix Renault, “testemunham,
às vezes, espírito de observação que muitas vezes os sábios não possuem.”
Muitas pessoas
do município de Canindé informam que quando o ano é bom gosta de pintar chuva,
antecipadamente, do dia 3 para o dia 4 de outubro, dia de São Francisco. Mas
esta observação não é exclusiva de Canindé. É igualmente feita em Mombaça.
Assim é que Serafim Pedrosa de Lima afirma que quando há manifestação de chuva
no dia 3 de outubro é bom sinal de inverno. Relâmpagos nos dias 7 e 8 de
dezembro, véspera e dia da Conceição, significam ótimo prenúncio de bom e
próximo inverno. Os sertanejos observam muito este sinal, que Filipe Guerra
colheu no Rio Grande do Norte e consignou em Secas contra a seca. O dia 13 de dezembro não se passa sem se fazer
a experiência de Santa Luzia. Sobre uma superfície lisa qualquer, exposta ao
sereno da noite, depõem-se seis pequenas pedras de sal que representam,
designadamente, os seis primeiros meses do ano. Na manhã seguinte o maior ou
menor grau de umidade de cada pedra responde à maior ou menor intensidade de
chuva no mês que ela representa. A este respeito registra Filipe Guerra um fato
cômico. “Contam que um gaiato, vendo uma velha colocar as pedrinhas em certo
lugar, foi, às ocultas, e deitou uma gota d’água em cada pedra. Pela madrugada a
velha ficou aterrorizada e alarmada ante a perspectiva de seis meses de
inundações.” Às seis horas da manhã do dia dois de fevereiro, dia de Nossa
Senhora das Candeias, costuma-se fazer uma pequena fogueira com fragmentos de
madeira, a qual se não deixa enchamejar. Se a fumaça subir verticalmente, é
inverno ruim. Se, ao contrário, a fumaça espalhar-se rasteira, muito baixa,
preconício é de bom inverno. A barra de nuvens com que se apresenta o amanhecer
dos dias de Natal e Ano Bom traz, muita vez, indícios de inverno promissor.
Se, ao serem
partidas as hóstias, nas missas do Galo e Ano-Bom, dão elas um estalido
crepitante, conclui-se em desfavor do ano; se, ao contrário, emitem som surdo,
significa sinal de bom inverno. Disse-me um velho sertanejo, residente no
município de Patos, que nunca deixa de assistir às missas do Galo e Ano-Bom e
ajoelha-se sempre perto do padre, a fim de escutar o estalo da hóstia
consagrada. Acrescenta que é uma experiência dos seus avós que não falha. Um
jovem português, residente em Fortaleza, informou-me que, nas zonas rurais de
Portugal, os camponeses têm muito em conta esta experiência em certas previsões
do tempo e se baseiam no estado higrométrico do ar. Se o estalo da hóstia é
surdo é porque o tempo está úmido e prenuncia chuva. Se, ao revés, é
crepitante, significa secura do ar, por conseguinte, falta de chuva. Abelardo
Parreiras, a respeito desta experiência, faz, em Sertanejos e cangaceiros, o seguinte comentário: “A experiência
mater é sem dúvida esta. Consiste no seguinte: geralmente, nas capelas
distanciadas do sertão, costumam os camponeses muito se esforçarem pela
celebração desta solenidade. Da vizinhança de muitas capelas, existentes no
interior dos lugarejos, acorre uma verdadeira multidão que se espraia ao longo das
pequenas praças fronteiriças às capelinhas do sertão. Precisamente à meia-noite
o sacerdote inicia a missa. Sucede que, às vezes, ou a temperatura ambiente é
de calor sufocante, ou se torna amenizada pela aproximação dos ventos alísios,
portadores de chuvas. Se, na primeira hipótese (calor), a fração da partícula
no altar dá um pequeno estalido e logo os circunstantes, apreensivos,
retiram-se na convicção de seca; se, porém, na segunda hipótese (ventos
alísios), a fração litúrgica não produz estalido, imediatamente, inundam-se os
ânimos de alvissareiras esperanças de abundantes chuvas”.
Contava o velho
José de Barros, morador no sítio Petrópolis, próximo a Mulungu, na Serra de
Baturité, que, se durante a festa de São Sebastião, celebrada naquela vila, de
10 a 20 de janeiro, os balões soltados à noite, depois da novena, se dirigiam
para o lado do poente ou sertão, o inverno seria escasso. Se, porém, rumavam
para o lado do nascente, podia-se contar com bom inverno.
Para o dia de São
José, 19 de março, que é sempre precedido de novenário e promessas, já meio
desconfiados, convergem os sertanejos as suas últimas esperanças sobre o
inverno do ano corrente. Se não chover até este dia, está decretada a seca. O
dia 19 de março, naturalmente, pode apresentar modificações atmosféricas com
indícios de chuva, mercê da influência equinocial. Mas o sertanejo, que isto
ignora, crê tão-somente no poder de São José. Em Ao som da viola diz Gustavo Barroso que “Tal crença é dos povos do
Oriente europeu e, através da Península Ibérica, modificada pelos ambientes e
pelas devoções especiais, veio localizar-se no Centro-Norte do Brasil”, Luís da
Câmara Cascudo, em Anubis e outros
ensaios, reafirma ter vindo de Portugal esta tradição. Todavia, cita um
trabalho do professor J. A. Pires de Lima que julga ter esta crença popular
origem muçulmana.
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Texto de Josa
Magalhães publicado em Antologia do
Folclore Cearense, Florival Seraine (org.), Edições UFC, Fortaleza, 1983,
excertos pp.135-140.
*Josa Magalhães era primogênito do Cel. Joaquim Cordeiro de Magalhães, que empresta o nome à rua Joaquim Magalhães, em Canindé. Josa nasceu do dia 8 de janeiro de 1896, formou-se em medicina na Bahia em 1924, casou com uma irmã do empresário Cesar Campos, D.Áurea Campos de Magalhães. Faleceu em 31 de outubro de 1983, depois do seu filho Luciano Magalhães, do seu irmão Joaquim Magalhães e do seu cunhado Chico Campos. Respeitável cidadão, foi um dos fundadores da faculdade de medicina do Ceará. (Informações biográficas fornecidas pelo historiador Augusto Cesar Magalhães Pinto, autor de Viagem pela História de Canindé e Histórias de nossa terra e de nossa gente.)
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