sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Começa hoje em Quixadá o XVIII Encontro dos Profetas da Chuva. O evento reúne observadores da natureza de diversos recantos do Ceará e até de estados vizinhos. Estudantes, pesquisadores e artistas populares também participam do encontro que acontece tradicionalmente no segundo sábado de janeiro no entorno do açude Cedro. Sobre o assunto, vem a contento este cordel:

PROFETAS DO MEU SERTÃO


 Pedro Paulo Paulino

No nosso sertão ainda
É possível se saber
Pela voz da Natureza
A que tempo vai chover.
Nem a tecnologia
Derrubou essa magia,
Pois temos sempre o desejo,
Mesmo no mundo moderno,
De saber sobre o inverno
O que diz o sertanejo.

O sertanejo que vive
Em contato com a terra,
Que dialoga com aves
E com Sapo-boi que berra.
Esse matuto importante
Muita coisa nos garante
Pela sua experiência!
A Natureza é seu tema
E não tem nenhum problema
Se misturar com ciência.

Ele, observando, sabe
O que diz o passarinho
Que dependendo do ano
Vê como constrói o ninho:
Se a chuva tem garantia,
Faz a sua moradia
Com entrada pro poente,
Mas quando é seca que arrasa
João-de-barro faz a casa
Com entrada pro nascente.

Antes, quanto encantamento,
Quanta esperança e magia
Tem nas pedrinhas de sal
Vésp’ra de Santa Luzia.
Seis pedras representando
De janeiro a junho quando
Nosso inverno se sustenta,
A pedra que umedecer
Informa que vai chover
No mês que ela representa.

Pra saber se vai chover,
O sertanejo entrevista
Uma Rã no pé do pote
Que canta feito um artista.
Depois dessa sinfonia,
Ele encontra sintonia
Com o Pássaro Carão,
E, segundo a sua norma,
Através dele se informa
Se vai chover cedo ou não.

O sertanejo consulta
Também o Fura-barreira
Que, sentindo vir a chuva,
Antes canta a tarde inteira.
Por outro lado, a Acauã
Quando canta de manhã
Ou da tarde, no final,
Da maneira que eu entendo
Cantando ela está dizendo
Que não é um bom sinal.

O profeta do sertão
Também decifra a Cigarra,
E na manhã do Natal
Acorda pra ver a barra.
Se tem barra, inverno tem,
Se não tem barra, porém
O matuto desanima.
Pode parecer banal,
Mas a barra do Natal
Também faz parte do clima.

Jumento escaramuçando
Meio-dia no sol quente,
Pode esperar confiante
Que vem chuva pela frente.
Aranha caranguejeira
Desfilando bem faceira
Num calor que a terra treme,
A chuva está prometida,
Às vezes mais garantida
Que previsão da Funceme.

Também Gavião Vermelho
Com sua alegre chegada,
A Tatu fêmea buchuda,
Tetéu fazendo enxurrada.
E tem outra fonte amiga:
A ciência da Formiga,
Muito importante também.
Se no período de estio,
Formiga deixar o rio
É sinal que a chuva vem.

Depois que escuta os insetos,
Nosso sertanejo agora
Se volta para espiar
Ao redor de si a flora.
Por exemplo, o Cajueiro,
Se “fulorar” em janeiro,
Todo mundo fique alerta,
Porque sua floração
Fora da própria estação
Indica seca na certa.

A floração da Aroeira,
Que ocorre no fim do ano,
Se for no seu tempo certo,
Tem inverno, sem engano.
A Jurema, no verão,
Com a sua floração
Também bom inverno indica;
Se o Mandacaru florar
Na seca, pode botar
O pote embaixo da bica.

O sertanejo observa
A correnteza do vento
E a partir disso também
Faz previsão a contento.
Mas quando em cima do chão
Esgota-se a munição
E o tema se torna escasso,
Para adivinhar o clima
O profeta olha pra cima,
E consulta o grande espaço.

Repara se a estrela d’Alva
De tarde está para Oeste
Ou se nasce de manhã
Do lado oposto, no Leste.
Nessas observações,
Tira as suas conclusões,
Conforme seus rituais.
Prefere não comentar,
Se por acaso notar
Que não são bons os sinais.

Um lago ao redor da Lua
Também lhe traz esperança;
As estrelas cintilando
Transmitem mais confiança.
E tem ainda o Cruzeiro
Que no céu é mensageiro
Se chove na terra ou não.
Faz parte da experiência
E da sagrada ciência
Dos profetas do sertão.

É sabedoria pura
Que o homem trouxe da terra.
Porém pode errar porque
A própria Ciência erra.
Também é nosso folclore –
Onde quer que você more,
Preserve-o, não perca ensejo.
Viva a nossa poesia
E viva a sabedoria
Do profeta sertanejo!






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