SANTO ANTONIO NO
FOLCLORE BRASILEIRO
Por: Marisa Lira
Via blog Acorda Cordel: http://acordacordel.blogspot.com.br/
Não há exagero
na quadrinha popular que diz:
São João a
vinte e quatro
São Pedro a
vinte e nove
E Santo Antônio
a treze
Por ser o santo
mais nobre
Na realidade
Fernando Bulhões nasceu do casal Marins-Bulhões Taveira, da nobreza de
Portugal. Mas o que ficou dessa nobreza, para os fiéis foram as graças
sobrenaturais que frei Antônio espalhou pelo caminho terreno e que o fez galgar
a glória celeste sob a invocação de Santo Antônio.
A sua
intercessão miraculosa é reclamada sob inúmeros aspectos. O maior de seus
milagres foi, sem dúvida o que se deu quando, já famoso orador, pregava em
Pádua (Itália). Avisado durante um sermão de que, em Portugal, o seu pai,
condenado, caminhava para a forca, pousou por momentos a mão sobre a fronte e,
milagrosamente desdobrou-se, foi à Lisboa e salvou-o.
Nem os ouvintes
de Pádua perceberam que, durante aquela rápida parada em que o pregador parecia
coordenar um pensamento, em pensamento havia realizado o até hoje discutido
milagre do desdobramento da personalidade! Daí, a dupla invocação do seu nome
Santo Antônio de Lisboa, para aquele que nasceu em Lisboa em 1195, e Santo Antônio
de Pádua, porque aí faleceu em 1232.
O prestígio do
milagre de Santo Antônio alcançou as Índias, chegou ao Brasil e a todos os
pontos onde existe um católico. Santo Antônio, porém, sempre foi o santo do
lar, dos nichos e barraquinhas. Adorado com fervor é
o orago das
povoações, dos soldados, o santo familiar, o desvendador de perdidos, o
protetor dos casamentos que o sincretismo das religiões populares levou aos
candomblés da Bahia, confundindo com Ogum, santo guerreiro dos negros. É
festejado a treze de junho, dia de preceito em toda a América por determinação
da bula de 1722, do papa Inocêncio XVIII.
Por muito tempo
foi esse dia feriado no Brasil. O milagroso santo desde os tempos coloniais que
vem estendendo suas bençãos às nossas batalhas, garantindo vitória aos
brasileiros. A libertação de Pernambuco é atribuída à sua milagrosa
intervenção. Santo que os fiéis pernambucanos proclamam:
Milagroso Santo
Antônio
Nosso padroeiro
Enche de
alegria
Pernambuco
inteiro
A defesa da
colônia do Sacramento, ao Sul, esteve também entregue à milagrosa intervenção
de Santo Antônio, que após a vitória recebeu um custoso bastão do governador
Veiga Cabral. Durante a invasão de Duclerc e Duguay-Trouin, no Rio de Janeiro,
em 1710, o governador Castro Morais pediu a proteção de Santo Antônio. O
provincial do convento de Santo Antônio, no largo da Carioca, enviou o rico
bastão do santo ao governador, que apenas tocou a cabeça dele para iluminá-la,
pedindo também que colocasse a imagem na muralha do convento, com uma lâmpada
votiva acesa. Travou-se a batalha. Os franceses foram derrotados.
Desde então, na
frente do convento, em um nicho, fica a imagem de Santo Antônio e há sempre uma
lamparina acesa. O povo carioca tem grande fé nessa imagem, que chama Santo
Antônio do Relento. Por essas e outras vitórias alcançadas no norte e sul do
Brasil, Santo Antônio atingiu altos postos militares, sendo condecorado pelo
próprio dom João VI, que também lhe conferiu o posto de tenente coronel do
Exército Brasileiro.
Com a
proclamação da República e a conseqüente separação da igreja do estado, Santo
Antônio perdeu o soldo que até então era pago ao superior do convento. A ordem
de Santo Antônio, porém, a cada novo governo que sucedia, reiterava
requerimentos sem resultado. Foi o ministro da Guerra, general Dantas Barreto
que num curioso despacho deferiu o pedido, com uma cláusula explícita:
"que o pagamento fosse próprio ou ao seu procurador…"
Os devotos de
Santo Antônio pintam sua figura em objetos de barro, de louça, de madeira,
trazem-no em bentinhos e breves e antigamente até por cepilhos da sela. Daí o
aviso ao meu cavaleiro: "Segura-te no Santo Antônio!"
Também era em
uso tempos idos colocar-se nas cartas as iniciais, S.A.t.g. (Santo Antônio te
guie), hábito motivado por um milagre do santo realizado nas Astúrias, em 1729.
Mas ninguém desconhece a proteção de Santo Antônio para achar coisas perdidas,
que surgem mal reza o responso:
Quem milagres
quer achar
Contra os males
e o demônio
Busque logo o
Santo Antônio
Que aí o há de
encontrar
A confiança em
Santo Antônio é ilimitada.
Mas o seu maior
prestígio é entre as moças que querem casar. A filosofia popular retrata esses
anseios na quadrinha pitoresca:
Santo Antônio
me case já
Enquanto sou
moça e viva
Porque o milho
colhido tarde
Não dá palha
nem espiga
A crendice
aconselha às pretendentes ao matrimônio, como meio infalível, o furto do menino
de Santo Antônio, tanto que a rima popular afirma:
Não quero Santo
Antônio grande
Dentro do meu
oratório
Eu quero é o
meu pequenino
Que ouve o meu
peditório
Às vezes o
candidato tarda, ou é recalcitrante, e então vem o recurso extremo: penduram a
imagem de cabeça para baixo e surram-na a valer!
Minha avó tem
lá em casa
Um Santo
Antônio velhinho
Em os moços não
me querendo
Dou pancadas no
santinho
Alucinadas,
chegam a tirar o resplendor da imagem e sobre a tonsura pregam, com cera, uma
moeda qualquer, que só sairá dali e será convertida em velas, no dia do
casamento.
Chegam até a
mergulhar a imagem dentro d’água!
Conta-se que
certa solteirona amarrou a imagem numa corda e jogou-a num poço.
Correu o tempo.
O barro da imagem dissolveu-se e o noivo não apareceu.
Na época da
escravidão, mau grado os milagres e as virtudes do santo, os negros
confessavam: "Escravos, nem de Santo Antônio", e diziam meio
incrédulos:
Santo Antônio
foi bom santo
Pois livrou seu
pai da morte
Mas, não livrou
pai João
Das penas de
calabrote
E chegavam a
fazer promessas irreverentes:
Me peguei com
Santo Antônio
Pra casá com
uma criôla
As almas ganha
uma saia
Santo Antônio
uma ceroula
A tradição
popular guarda sempre a malícia mais que tudo e por isso repete-se por aí:
Fui ao mato
cortar lenha
Santo Antônio
me chamou
Quando o santo
chama a gente
Que fará os
pecadô
As virtudes do
taumaturgo, porém, estão registradas no populário brasileiro, em rimas simples
mas expressivas como esta:
Santo Antônio
foi tentado
Quando pelo
mundo andou
Não resistiu do
pecado
Morreu, foi ao
céu e gozou
.......................
(Marisa Lira. "Folclore carioca; Santo Antônio no folclore brasileiro" - Correio da Manhã,
18/08/1950. Extraído do Boletim Trimestral da Comissão Catarinense de Folclore
(IBECC), Florianópolis, Ano II, junho de 1951, nº 8. In APOCALYPSE, Mary.
Estórias e lendas e Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário