sexta-feira, 5 de junho de 2015

CORDEL

No Dia Mundial da Ecologia e do Meio Ambiente,
repriso a publicação desse cordel do poeta Wanderley Pereira.

QUEIXA DE UMA ÁRVORE EM EXTINÇÃO
AO AUTOR DA NATUREZA


 Wanderley Pereira*

Eu vou contar uma história
Que precisa ser ouvida
Por adultos, por crianças,
Por pessoa esclarecida,
Por quem queira refletir
Sobre a beleza da vida.

Aqui na nossa floresta,
Das espécies de primeira,
Tinha uma delas famosa
Que se chamava aroeira;
De tanto ser desmatada,
Sumiu da mata costeira.

Foi para nós planta nobre
Por ter grande utilidade
Para os homens do sertão,
Para os homens da cidade,
Os mesmos que decretaram
Seu fim sem necessidade.

Uma dessas que escaparam
Do desmatamento humano,
Foi levada por um Anjo
Ante o Todo Soberano,
Para pedir providências
Contra esse furor tirano!

Aproveitando essa festa
Das árvores – que beleza!
Vou relatar aos leitores,
Transtornado de tristeza,
A queixa de uma aroeira
Ao Autor da Natureza:

Eu já sofri no Planeta
Tamanha perseguição,
Que os homens me utilizaram
Para fabricar caixão,
Para cepo de moinho,
Pra fazer mão-de-pilão.

Eu já fui pau-de-porteira,
Também mourão-de-curral,
Estaca nas construções,
Já fui cerca de quintal,
Caixão de guardar farinha,
Tábua pra fazer portal.

Fui móvel de casa rica,
Fui linha na cumeeira,
Fui galamarte na roça,
Já fui pau-de-bulandeira,
Fui forquilha de barraca,
Lenha pra fazer fogueira.

Onde houvesse uma aroeira,
Tinha um machado certeiro,
Estava na preferência
De qualquer um fazendeiro
Pra fazer canga de boi
E até banco de terreiro.

Eu tinha que estar presente
Na mais humilde fazenda,
Nos engenhos de madeira
Eu servia de moenda,
E na casa da rendeira
Fui bilro de fazer renda!

Fui Cantareira de pote
E cancela de cercado;
Servi de cunha de enxada
E de cabo de machado,
Fui também tábua de sótão,
Fui estrado de sobrado.

Fui prateleira em bodega,
Fui tablado de armazém,
Onde se lotavam sacos
Desembarcado do trem,
Até poleiro em quintal
De mim fizeram também!

Como cruz de cemitério
Eu fui usada à vontade,
Duro era gravar em mim
Data e a palavra saudade;
Servi também de cruzeiro
Nas entradas de cidade.

Também em torres de igreja
Estive sempre sozinha,
Nunca assisti a uma missa,
Pois sempre foi sorte minha
Servir de pouso a coruja
E à sempre alegre andorinha!

Fizeram de mim porrete
Para bater e matar,
Também grades de cadeia
Para o preso não quebrar;
Gamela pra botar mel,
Mesa em sala de jantar.

Fui trava em carro-de-boi,
Fui  ferrolho de portão,
Torno de pendurar sela,
Fui cepo de caminhão,
Tramela em porta de igreja,
Pau dentro de cacimbão.

Já fui também tecelagem
Para fios de algodão,
Tronco para amarrar bichos,
Dia de feira no sertão,
Muleta para aleijado,
Tora pra fazer pião.

Fui também colher-de-pau,
Fui tamborete e cadeira,
Fui armário de cozinha
E fui espreguiçadeira,
Fui litro de medir milho,
Farinha e feijão na feira.

Muitas vezes me cortaram,
Quando em plena floração,
Só para fazer cangalha,
Ou me queimar pra carvão,
Pra ser torno de armador
Ou madeira pra balcão.

Vivi sempre de servir
A todo ser, a toda hora,
Tive mil utilidades;
Para quem não me ignora,
Servi também de remédio
De medicina da flora.

Até meu fruto vermelho
Também se prestava à cura
De doenças que levavam
Muita gente à sepultura;
Era empregada também
Pelos índios na tintura.

A minha casca era usada
Em tratamentos com banho,
Em infusões para cura
De mal de todo tamanho,
Sobretudo inflamações
De algum ferimento estranho.

O mel da minha florada
Curava tosse e bronquite,
E o chá para inalação
Era bom pra sinusite,
Como também a infusão
Curava tumor, gastrite!

O poder cicatrizante
Que a minha seiva detinha
Era igual ao do mastruz
Que emenda pé-de-galinha;
Só que o mastruz tem efeitos
Que a minha seiva não tinha.

Um condimento de folhas
Aplicado em animal,
Era igual a um laxativo
Pra limpeza estomacal,
E o bicho no mesmo instante
Se libertava do mal!

Meu miolo era tão duro
Que havia fazendeiro
Que não tendo perto um banco,
Contratava um carpinteiro
Que de mim fazia um cofre
Para guardar seu dinheiro.

Assim, nunca tive paz,
Era sempre procurada,
Mesmo sem necessidade,
Na mata eu era cortada
E levada pra fazenda,
Ficando lá encostada.

Com a chegada do progresso,
Eu fui poste de energia,
Antes, transportei os fios
Da velha telegrafia;
Servi de lastro pra pontes,
Fui base de ferrovia!

Tive tanta serventia
Que muitas delas nem sei,
Só sei que fui perseguida
Como madeira-de-lei,
E outras da minha família
Se tem, não mais encontrei!

Entre as espécies extintas
Eu sei que estou na fileira,
Porque não fui replantada
Nem poupada na fogueira,
Sou conhecida hoje em dia
Só pelo nome: aroeira!

*Poeta e jornalista.

2 comentários:

  1. Pedro, adorei o seu cordel! Muito rico em informações e poesia. Parabéns!
    Creusa meira

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    1. Só lembrando que esse cordel não é de minha autoria, mas de Wanderley Pereira. Também acho que é muito rico de informações. Abçs.

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