GONZAGA VIEIRA
MESTRE DA CULTURA, SIM!
Pedro Paulo Paulino
Fotos: Silvio R. Santos
Cordelista Gonzaga Vieira |
"Canindé - da lenda à
realidade", "Assim era São Francisco" e "A verdadeira história do homem da cruz" são títulos de folhetos
de cordel que definem a temática central do poeta popular Gonzaga Vieira, o
Gonzaga de Canindé. A romaria franciscana à Meca nordestina inspira o poeta que
há cerca de 30 anos encontrou na literatura de cordel sua paixão inseparável.
Nesse período de atividade, ele já contabiliza mais de uma centena de trabalhos
escritos, incluindo romances, biografias, adaptações e o tradicional cordel
reportagem. Autodidata, Gonzaga admite que aprendeu a ler no balcão da veterana
Casa Marreiro, o ponto de maior referência do folclore e da cultura popular da
cidade de Canindé no Sertão Central cearense. Era ali também que, quando
menino, ele ficava encantado ouvindo a recitação de cordéis, inclusive os versos do
fundador da casa, o poeta e folclorista Raimundo Marreiro. "Todo esse
ambiente empolgante me deixava fascinado pela poesia", revela.
Mas foi só quando “engrossou o cangote” que
Gonzaga Vieira começou a rabiscar seus primeiros versos. Foi também nesse
período que o tema religiosidade contaminou-o definitivamente. Sobre o assunto,
escreveu logo o folheto "Canindé - da lenda a realidade", pintando em
versos os tópicos principais da história da fundação do município e os mitos
relacionados. O trabalho ganhou outras edições e até mesmo uma versão em
quadrinhos, tornando-se desde já citação indispensável em bibliografias.
Gonzaga Vieira destaca,
entretanto, como seu best-seller o cordel "A história da menina perdida" que numa só tarde vendeu mais de 300 exemplares. "Para mim foi um recorde de vendas em tão pouco tempo. Ainda hoje, esse é dos meus folhetos mais procurados, principalmente por turistas e romeiros", afirma.
entretanto, como seu best-seller o cordel "A história da menina perdida" que numa só tarde vendeu mais de 300 exemplares. "Para mim foi um recorde de vendas em tão pouco tempo. Ainda hoje, esse é dos meus folhetos mais procurados, principalmente por turistas e romeiros", afirma.
E esse é outro aspecto da vida do poeta, que o torna
mais autêntico dentre os cordelistas. Gonzaga, além de escritor, é folheteiro.
Faz tempo, ele mantém seu stand de venda de cordéis na avenida Francisco
Cordeiro Campos, bem próximo da igreja de Cristo Rei, no Alto do Monte, um dos
pontos turísticos de Canindé. "Exponho principalmente os cordéis de minha lavra,
mas também comercializo cordéis dos companheiros, com os quais geralmente
permuto os folhetos", explica, lembrando que os cordelistas famosos via de
regra foram também folheteiros, assegurando com essa prática o ganha-pão.
"Mesmo assim, gosto sempre de lembrar que faço cordel por amor, mesmo que
o fator financeiro seja adverso", diz Gonzaga. Embora aposentado por idade,
ele não esconde sua insatisfação quanto aos critérios para escolha de mestres da
cultura do Ceará. "Fiz três vezes minha inscrição e não fui escolhido por
culpa de injunções políticas", desabafa o poeta que, em compensação,
orgulha-se de ter sido agraciado pelo Ministério da Defesa e é hoje estudado na
cadeira de Semiótica da universidade francesa de Sorbone. Paralela à atividade
de cordelista, Gonzaga tem ainda passagem pela imprensa como repórter em
emissoras de rádio de Canindé e é filiado à Associação Cearense de Jornalistas
do Interior (Aceji).
ARTE - "O cordel sobrevive por estar inserido
noutras artes." É o diagnóstico feito pelo poeta Gonzaga Vieira. Em seu
entender, a literatura de cordel em particular não tem fôlego para se
sustentar. "O cordel ganhou evidência em nossos dias, porque é bem
aproveitado por diversos segmentos artísticos, como o teatro, a música, as
artes plásticas e também pela mídia, inclusive a televisão e a internet."
Nesse cenário de modernização do cordel, Gonzaga Vieira aderiu à moda e mantém
uma página eletrônica onde publica também seus trabalhos. Gonzaga critica ainda
a pluralidade de autores atuais. “Como o cordel virou modismo, surgiram por aí
muitos pseudo-cordelistas, mas o verdadeiro autor é reconhecido por quem
entende do riscado”, lembra.
Em essência, não é só a romaria que inspira o poeta
Gonzaga Vieira. Outros temas, regionais ou mais abrangentes, influenciam sua
verve: o metrô, o camelô, o vaqueiro, o algodão, a vitória do presidente Lula,
a vida de Alan Kardec, além da fábula e temas de gracejo, ilustram sua
bibliografia. A adaptação de clássicos da literatura, um filão muito em voga no
cordel, também é tema para Gonzaga Vieira. Exemplo é o seu cordel "Inocência
- martírios de uma sertaneja (ou a borboleta de asas dilaceradas)", que tem
como base o romance "Inocência", do escritor Visconde de Taunay
(1843-1889). Neste cordel e em muitos outros, Gonzaga abre a narrativa sempre com
uma evocação, bem ao estilo dos menestréis do passado:
"Eu conclamo ao Cupido
Para seu meu fiador,
Com sua flecha certeira
Que abateu o condor,
Me inspire nesse
instante
Para falar de
amor".
Em "As peripécias da
vaqueira Rosadina", o poeta faz essa evocação:
"Peço a luz dos
pirilampos
Que iluminem a campina,
A música das cachoeiras
De água potável fina,
Pra narrar as
peripécias
Da vaqueira Rosadina".
Em seus trabalhos,
Gonzaga Vieira resgata ainda uma tradição quase apagada nos dias de hoje, o
almanaque popular, como o que publicou há quatro anos: "Previsões para 2008
ou a face do poder divino", que começa com essa evocação:
"Jesus, meu mestre
divino,
Eu Vos peço a
inspiração
Para que eu possa
traçar
A minha revelação,
E que o prezado leitor
Faça-me esse favor
De me prestar
atenção".
Como se nota, a maioria
dos seus folhetos obedece ao formato típico do cordel de oito páginas com 32
estrofes de sete versos, os quais escreve e comercializa, reclamando nessa
atividade a falta absoluta de incentivo do setor público. "Posso dizer
que, heroicamente, tenho sobrevivido do cordel por conta própria", garante
o poeta, debaixo do seu extravagante chapéu de palha e com o dedo em
riste. Autodidata, cordelista, autor de almanaques, folheteiro e repórter nas
horas vagas, Gonzaga Vieira é um gigante canindeense da literatura do povo - e,
queira ou não, um mestre por excelência da nossa cultura.
Gonzaga quase foi o autor do hino de um município vizinho, por onde desenrolou boa parte de sua passagem pela imprensa. Chegou a elaborar os versos:
ResponderExcluir"Serra da Samanbaia
Lembrança gloriosa
És o marco da terra querida
Apontam espigões comuna ditosa
Que audazes portugueses deram-lhe vida
.......................................
Com seus heróis poetas e comboeiros
desbravadores da serra e sertão
És acolhedora de clima és rica
Aguerrido e forte torrão
Sabedor do poema, Laurismundo Marreiro parodiou: "Terra querida, que produzes e dás banana para o mundo!" Quanto à partitura até que foi feita, mas perdeu-se nos meandros morosos da burocracia kafkiana do engenhoso aparato dos (des)governos municipais.
De forma que deve haver algo bem prosaico no lugar desse clássico preterido...
Por essa época, Láuris tb fez a versão para o portunhol, da letra de uma certa música que ainda hoje é sucesso nas serestas canindeenses.
ExcluirO que me impressionou sobremaneira é que, além de autodidata, Gonzaga Vieira não escolhe temas vulgares, pelo que se pode deduzir de suas adaptações de clássicos da literatura e a sua tendência para o misticismo.
ResponderExcluirGonzaga demonstra também uma sintonia poética com a natureza nos seguintes versos: Peço a luz dos pirilampos/Que iluminem a campina,/
A música das cachoeiras/De água potável fina.
Se ele é tema de estudos de uma cadeira de Semiótica da Sorbonne é porque seus versos não são superficiais, mas têm essência e bem representam a nossa cultura popular.
Flávio Henrique
Flávio, de certo modo vejo esse departamento da Sorbone como uma casa de ex-votos da cultura popular de todo o mundo. Vale a pena para o currículo do GV, p. ex. Porém, bem mais interessante seria ele tornar-se reconhecido pelo Estado dentre os mestres da cultura. Pelo menos, ser-lhe-ia assegurada uma pensão mensal vitalícia. Infelizmente, o recurso vocal do Gonzaga é pífio - ele jamais será aboiador.
ExcluirNo dia 03/12/2012, assisti através da TV Senado uma grande homenagem aos cem anos de nascimento de Luiz Gonzada, o Rei do Baião e aquele que vendeu mais de 200 milhões de LPs(hoje cd e dvd) com músicas homenageando a cultura do nordeste . Esta homenagem foi feita no plenário do Senado pelos Senadores , vários artistas e pessoas ligadas a cultura. Todos enalteceram não só suas qualidades como artista, mas um exemplo de vida que o mesmo foi.
ResponderExcluirOs discursos lembrando as passagens da vida daquele que tirou o nordeste do Brasil do esquecimento me emocinaram bastante, mas o que mais me emocionou foi quando o FAGNER cantou ESTRADA DE CANINDÉ(ressalto que um Senador pediu outra música) com Chambinho do Acordeon,Sanfoneiro que interpretou Luiz Gonzaga no filme que estão exibindo sobre a vida deste grande brasileiro.
O dia 13/12/2012 que é a data do centenário de Luiz Gonzaga está se aproximando e não estou vendo nenhuma homenagem ao grande mestre Lula. O senhor Pedro Paulo Paulino, como um dos maiores incentivadores da cultura popular no sertão de canindé, poderia liderear uma homenagem para o Rei do Baião. Talvez uma missa de vaqueiros onde se cantaria a música ESTRADA DE CANINDÉ. Acredito que será uma grande midia para Canindé.
A ideia é válida. A cidade de Canindé, porém, atravessa um período de absoluta paralisação em tudo. O município está sem comando. Concordo plenamente que Canindé continua em débito com Luiz Gonzaga, que consagrou esta terra pelo menos em dois grandes sucessos: "Estrada de Canindé" e "São Francisco de Canindé". O Rei do Baião, ainda em duas ocasiões, participou da Missa do Vaqueiro nesta cidade que lhe devia homenagear com, no mínimo, um logradouro público: a "Praça Luiz Gonzaga". Quanto à missa, a Associação dos Vaqueiros de Canindé bem que poderia tomar essa iniciativa. Inclusive, a entidade é representada pela Sra. Dina, Rainha dos Vaqueiros e Mestra da Cultura do Ceará. Dina, aliás, aboiou ao lado de Luiz Gonzaga, quando este participou da primeira Missa do Vaqueiro em Canindé.
ExcluirMeto a colher para comentar que o filme sobre Gonzaga é de obrigação para para todo cabra que é chegado a um piqui, como diria o inoxidável Broca da Silveira, mas também procura se inteirar da história da música legítima dessas queimadas. Chambinho, não conheço como músico, mas como ator e sósia do Gonzagão foi um achado. Mas achado mesmo foi o Gonzaga (Vieira)aboiador.
ResponderExcluirsabe fazer um cordel de Inocência ?
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