HISTÓRIAS DE IDAS E VINDAS
Francisco de Assis de Freitas*
Beirando os
21 anos de profissão, posso falar que sou detentor de alguma experiência na
área em que trabalho, já tendo participado de muitas ocorrências, efetuado a
prisão de inúmeros infratores, assim como também consegui resolver diversas
pendengas em ocorrências simples, brigas de vizinhos e discussões por motivos
banais, que sem a intervenção de terceiros, possivelmente terminariam em
tragédias manchando de sangue as manchetes policiais – além de ter visto a
morte cara a cara.
Algumas
dessas ocorrências podem ser chamadas de cômicas e não fariam feio a qualquer
programa humorístico caso viessem a ser dramatizadas por atores. Algumas se
passaram em Canindé, umas em Hidrolândia e Santa Quitéria, e poucas em
Fortaleza, quando servia no Batalhão de Choque, onde havia figuras ímpares que
renderiam boas crônicas pelo inusitado de episódios de que foram protagonistas.
Outras, ao contrário, são episódios de extrema violência e falta de humanidade
por parte dos atores principais, além de infortúnios que deixaram sequelas
eternas em parentes de vítimas. Assaltos, homicídios, lesões, acidentes,
afogamentos e estupros... são diversas as ocorrências policiais; além do
tráfico de entorpecentes, um mundo à parte, que sempre traz histórias de
tristeza, por parte dos usuários e violência do lado dos traficantes, os quais
não permitem concorrência ou dívidas, sendo estas resolvidas com a morte de
desafetos e devedores.
E como eu
falei sobre episódios cômicos e tráfico de drogas, lembro-me de uma operação
policial aqui em Canindé em um bairro periférico, e da qual não participei
(apenas ouvi comentários sobre o resultado), com a clara intenção de cumprir
mandados de busca e apreensão, já que as investigações davam conta de que havia
uma grande incidência de tráfico na região. A operação contava com um bom
aparato logístico, várias viaturas, um efetivo razoável e até alguns cães
farejadores do canil da polícia militar vindos de nossa capital. Em uma das
casas visitadas pelos homens da lei, um conhecido infrator vendo os policiais
com o mandado em mãos, não teve opção senão permitir a entrada deles e
acompanhar a busca, no que dizia estar sem medo, pois nada devia. Ocorre que
cães são animais de faro apuradíssimo, chegando alguns especialistas a falarem
que eles enxergam com o nariz; os da polícia são animais treinados para farejar
drogas em locais mais inusitados, como em caixas com fundo falso e disfarçadas
com o odor de café. Ao penetrar na casa humilde do traficante, os policiais
levaram também um cão farejador e o animal ficou eufórico quando próximo de uma
parede. Os policiais desconfiados vasculharam a parede com mais afinco e
descobriram buracos camuflados onde havia certa quantidade de drogas escondida.
O traficante surpreso apenas olhou para o cachorro e disse com sua gíria
característica: “meu irmão, mas que cachorro cabueta”. Foi preso mais uma vez e
hoje, em liberdade, é um dos poucos exemplos de um criminoso que envelheceu.
Atualmente, depois de dezessete anos servindo
no 4º BPM, sirvo no Batalhão de Policiamento Comunitário, mais conhecido como
Ronda do Quarteirão, desde 2009, e hoje presto serviço em Santa Quitéria,
cidade que me deu acolhida desde 1993 e de onde tenho inúmeros amigos. O
trabalho lá não difere muito do que faço aqui em Canindé, uma vez que basicamente
nosso cotidiano profissional resume-se em fazer o policiamento ostensivo,
atribuição constitucional da Polícia Militar, na zona urbana de Santa Quitéria
em duas viaturas dotadas de câmeras de vídeo e GPS, rádio transceptor, de onde
recebemos informes de uma central de comunicações e um telefone para onde as
pessoas ligam quando necessitadas, além de fazer visitas comunitárias. O
trabalho começa ainda em Canindé, quando pego minha mochila de viagem e
desloco-me ao quartel do 4º BPM para pegar o armamento e então vou para a
estrada pegar carona – tanto na ida quanto na volta apelo para a solidariedade
de viajantes, já que a linha de ônibus que faz o trajeto sai por volta das dez
da manhã e o serviço requer que estejamos mais cedo na cidade, e nem sempre tem
vaga para irmos sentado. Por conta disso
é que a carona se torna conveniente e nos traz a oportunidade de conhecer
pessoas de vários níveis socioculturais; às vezes nos deparamos até com
estrangeiros que estão longe de suas pátrias e para cá vieram em busca de
oportunidades.
Não posso
negar que certo receio paira quando o assunto é viajar com pessoas
desconhecidas, pois corro o risco de me deparar com elementos de índole
criminosa ou mesmo uma quadrilha que esteja planejando alguma ação delituosa.
Entretanto, sempre trago Deus no coração e peço que ele me leve e traga em paz
e segurança para o seio da família e nunca me ocorreu em tantos anos que viajo
algum incidente ou infortúnio na estrada; apenas uma vez fiquei no meio do nada
por conta do motorista ter se descuidado no tocante ao abastecimento e outra
vez um caminhão quase pega fogo devido a um curto-circuito, mas o motorista foi
rápido e conseguiu debelar o incêndio. Geralmente as caronas que pego são de
motoristas solitários, em sua maioria vendedores, que algumas vezes viajam em
dupla, outras são casais e famílias pequenas, e momentaneamente invadimos sua
privacidade. Em algumas ocasiões é possível que se estabeleça um bom diálogo
entre motorista e passageiro; muitas vezes a vida de um policial parece um
mundo distante para estes viajantes e eles começam a nos questionar sobre a
rotina, o que pensa um policial, e às vezes se surpreendem com a resposta.
Algumas vezes, eles também têm uma opinião formada sobre a legislação vigente,
achando que a punição aos infratores é muito branda e que os grupos defensores
dos direitos humanos apenas defendem bandidos, ficando o cidadão idôneo e o
policial militar e sua família, que ocasionalmente são vítimas de atos de
violência, abandonados à própria sorte; chegando alguns a ter uma opinião
dividida sobre o assunto, achando que os grupos de direitos humanos deveriam
defender apenas os “humanos direitos”.
Nos últimos
dias após a Festa de São Francisco de 2012, algumas das caronas que peguei me
chamaram mais a atenção por conta da origem dos motoristas. Indo para meu
destino outro dia, dois homens de uns trinta anos aproximadamente me deram
carona e disseram estar indo para a cidade de Crateús, onde lecionam em uma
escola particular. Um brasileiro e um americano, lecionando espanhol e inglês
respectivamente. O americano surpreendeu-se com a paisagem ressequida de nosso
sertão e ouvia as explicações em português que seu amigo dava sobre algum
assunto que viesse à tona, como política ou geografia, e este vez por outra
fazia comparações de seu país com o nosso. Viajei também com um médico cubano,
doutor Noel, bastante espirituoso e simpático, que presta serviços em Canindé e
Santa Quitéria. Conversamos durante toda a viajem, e ele me relatou o quanto é
difícil ser cubano devido às consequências que o bloqueio econômico imposto
pelos Estados Unidos deixou em seu país desde a década de 1960; as dificuldades
de um compatriota seu conseguir tirar um visto de entrada para qualquer país
legalmente, mas enalteceu as conquistas da revolução de 1959, como saúde e
educação para todos, saneamento básico, dentre outros, apesar da repressão,
salientando que se sente triste por seu povo não ser livre para ir e vir para
onde quiser, como nós brasileiros, e seu país, pobre em recursos naturais, não
conseguir obter todos os produtos que necessita para desenvolver-se, como o
aço, por exemplo, precisando importar quase tudo e encontrando gigantesca
dificuldade para suprir suas necessidades; para ele, os cubanos literalmente, usando
uma expressão nossa, ‘’se viram nos trinta”.
Outra carona
que peguei foi com um espirituoso ancião, advogado bem sucedido, fã de Luiz
Gonzaga, com seus 70 anos bem vividos, tendo morado na cidade maravilhosa por
muitos anos, aonde chegou analfabeto e trabalhou em diversas profissões, como
porteiro e zelador, e ter trabalhado, com muito orgulho, com bem enfatizou,
antes de ir embora durante a histórica seca de 1958, na construção da estrada
de Santa Quitéria a Varjota carregando carro-de-mão cheio de barro. No Rio de
Janeiro conseguiu terminar o ensino médio e depois se formou em direito e
retornou há poucos anos para cá. Uma história de superação. São histórias como
esta de idas e vindas, que nos deixa o claro exemplo de que para o
desenvolvimento pleno de um povo, a educação é pedra fundamental da construção
do futuro de qualquer nação.
*PM, colaborador do blog.
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