quinta-feira, 10 de maio de 2012


MEMÓRIAS DE UM GATINHO DE MALÍCIAS


Ray Silveira*

Meu nome é Menino. Sou um gato persa. Nunca entendi o porquê deste meu nome. Se eu fosse um menino humano ficaria mais estranho ainda. Seria a mesma coisa que me chamarem de gato. Onde já se viu um gato se chamar gato? Esses humanos inventam cada uma! Tantos nomes apropriados para um gato persa como eu... Poderiam me chamar de Chéri, por exemplo, pois é um lindo e carinhoso nome francês. Podiam me chamar, por exemplo, de Ted, Bob, Rick ou de qualquer outro apelido que põem nestes americanos metidos a besta. Mas agora não tem mais jeito, sou Menino e pronto! Desconfio que eles puseram este nome em mim porque jamais tiveram algum filho homem. Fazer o quê? Deixa pra lá.
Outra mania deles: querer interferir na minha vida particular. Quando decidi escrever estas memórias, nunca pretendi usar esse título que está aí acima. Foram eles que escolheram para ficar parecido com o livro de um escritor famoso de quem nunca ouvi falar. Quéqueu tenho a ver com livro de escritor famoso se eu não leio nem o rótulo das embalagens das minhas rações? Além disto, qual é a minha malícia? Só por que uma vez ou outra procuro atazanar a vida deles? Há dias, por exemplo, que, só de mau, não como a comida que eles compraram pra mim. Não como e pronto! Daí, eles têm de voltar ao supermercado e trocar pela que eu gosto. Eles sabem qual é! Pra que entendem de trocar a minha ração a que já estou acostumado, por uma que jamais provei antes? Pensam que sou igual a eles: todo dia querem comer uma comida diferente.
Dizem, também, que tenho muita mordomia nesta casa. Isso eu não sei, porque ainda não estive noutra pra comparar. Os meus donos me têm como filho. Pelo menos quando falam comigo dizem que são meu pai e minha mãe.
Outra esquisitice dos humanos. Onde já se viu gente ser pai e mãe de gato? Isto não me perturba nem um pouco. Num tô nem aí. Pelo contrário: eu me aproveito disto e faço o que quero com eles e eles só fazem o que eu quero. Há noites, por exemplo, em que não deixo o meu “pai” dormir uma hora seguida. Se estiver fora do quarto, bato na porta até que ele venha abrir. Mesmo que esteja caindo de sono. Quando entro e vejo que já está dormindo outra vez, não sossego enquanto ele não acorda e abre a porta pra eu sair. Há noites em que passo o tempo inteiro assim. Por que não deixam ela aberta todo tempo? Não sei pra que esta porta fechada...
Suspeito também que esta tal malícia que querem me atribuir corre por conta de um capricho meu do qual não abro mão nem a pau. Por falar em pau, um dia chegaram aqui umas crianças querendo brincar comigo. Mas cantavam uma cantiga da qual não gostei nem um pouco. Dizia assim: “Atirei o pau no ga t-o to / Mas o ga t-o to não morreu.” No começo fiquei com muito medo, mas depois entendi que só queriam mesmo brincar. Brincadeirinha de mau gosto, sô! Mas como eu dizia, há um capricho do qual não abro mão. É que sou louco por um afago. Meu “pai” se acostumou a me afagar, por isso agora que agüente.
Como gosta muito de escrever – praticamente é só o que ele faz, embora não ganhe nada com isto; nem sei como sustenta a casa -, fico aporrinhando ele na hora que tá escrevendo naquele tal de computador que ele não larga nem pra ir comer. Não sei como ainda se levanta para ir ao banheiro.
A única coisa que faz com que interrompa as suas escrevinhações é quando bato com a minha pata na perna dele. Aí ele se derrete todo. Sempre pára de escrever quando faço isto. Tem de me afagar! Pra que inventou de me criar? Se isto for ser malicioso, aí sim, têm toda razão de terem escolhido o título destas memórias. Mas ele tem também uma mania chata: só por que eu peço que me acaricie, entende de me pôr no ombro, ou no colo e me abraçar. Detesto isto! Se eu gostasse de abraço saía atrás de uma gata, não de um homem. Ora, malicioso! Não tenho nada de malícia. Se quiserem me chamar de egoísta, vá lá. Pois mando e desmando mesmo dentro desta casa. Mais do que qualquer pessoa.

*Da SOBRAMES (Sociedade Brasileira de Médicos Escritores).

Nenhum comentário:

Postar um comentário