sábado, 26 de novembro de 2011


CORDEL COMO ARMA DE DEFESA
Poeta Raimundo Marreiro
 Entre a poesia e o judiciário há também folclore. Uma das peças mais conhecidas no Brasil é a petição em versos feita pelo poeta e ex-senador paraibano Ronaldo Cunha Lima solicitando ao juiz a liberação de um violão apreendido numa seresta. Em Canindé, no ano de 1965, aconteceu um episódio parecido. O poeta e folclorista Raimundo Marreiro foi convocado para defender um réu (nesse tempo era comum um cidadão da sociedade advogar mesmo sem diploma – o chamado rábula). O cordel é intitulado “DEFESA DO NÓ DE CANA”, que era o apelido do réu. Trancrevemos os versos do site Kanindé Cultural, incluindo esta apresentação:

Peça jurídica, autêntica, de defesa, foi a que fez em versos o improvisador popular Raimundo Rodrigues Marreiro, pequeno comerciante de mercado, que, com a permissão do Juiz da Comarca de Canindé, no Ceará, doutor José Palácio de Queiroz, defendeu o réu Oscar de Tal, vulgo Nó de Cana, em 1965. Nos seus versos, que nos chegaram às mãos por diligência do senhor José do Egito Bastos Macambira, a mensagem do poeta serve objetivamente para livrar das grades o acusado, comprovando a importância da poesia popular sertaneja, a sua ilimitada utilização nos acontecimentos comunitários.
Raimundo Rodrigues Marreiro, pela peça que elaborou, vê-se que é poeta de ocasião, bem inspirado, sabendo manejar o verso com bastante propriedade. A defesa do réu perante o júri, que afinal o absolveu, não vale só por eventual curiosidade poética, mas pela justeza da sua fatura, em que se nota a aplicação do autor, legítima, em favor de uma causa nobre.
Ei-la, na íntegra, como foi escrita e proferida por ocasião da sessão do júri, em Canindé, no ano de 1965:


‘Meretríssimo doutor Magistrado
Nobre e ilustre promotor,
Digno Conselho de Jurados,
Nesta tribuna aqui estou,
Não venho em súplica profana,
Em nome do réu Nó de Cana
Pedir algo a seu favor;

Alguém julga que eu quiz
Aqui me salientar
Mas foi o ilustre juiz
Que me mandou convocar,
Sem pretensões ou cobiça,
Obediente à Justiça,
É que venho auxiliar;

Todos sabem que o acusado
Por miserável que for,
Não poderá ser julgado
Sem que tenha um defensor;
Esta é a justa razão
Da minha convocação
Pelo magistrado doutor.

Não sou togado doutor
Sou do povo simplesmente,
Rogo ao ilustre promotor
Ser um tanto complacente,
Não debater contra mim
Acusando este "nozim"
Tão impiedosamente.

Disse Jesus nesta terra
Verdades essenciais
Castigai aos que erra,
E para o mundo ter paz
Morreu nas mãos dos judeus,
Dizendo, perdoa-lhes, meu Deus!
- porque não sabem o que fazem!

O Conselho de Jurado
Tem muita dignidade
Para refletir que o acusado
Teve esta infelicidade
Por capricho do azar
De um crime praticar
Ainda em menor idade.

Às vezes o pai de família
Despreocupadameflte
Tem um filho, uma filha,
De menor e inocente,
Por descuido ou vadiagem
Fazem cada traquinagem
Que nos pesa amargamente.

O crime foi uma ação,
De uma violência brutal,
Por falta de uma educação
Ou seja: no caso um anormal,
Mais o principal agente
Foi a terrível aguardente
Grande causa deste mal.

É uma mágoa dorida
Naquele a quem recai
São tristes fatos na vida
Que mais distante vai,
Abatendo ou provocando,
E sempre martirizando
O coração de um pai.

Observo as posições
Dos dois pais angustiados
Cada qual, em conclusão,
É um desventurado
Que não encontra conforto;
Aquele tem um filho morto
E este, um encarcerado.

Aquele, que o filho morreu,
Foi grande a dor. É verdade.
Do que o crime cometeu
Vive na infelicidade
O pai deste acusado
Que luta desesperado,
Pela sua liberdade.’”


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