quarta-feira, 12 de outubro de 2011

VILA CAMPOS NO CINEMA

Pedro Paulo Paulino

Casarão: cenário das filmagens
Recebo das mãos do meu amigo Itami de Morais, uma cópia do filme “Incelença da Perseguida”, que foi rodado na região de Canindé em julho de 2007. O curta-metragem, com duração de 14 minutos, foi produzido e dirigido por Silvio Gurjão, que também é responsável pelo roteiro. Desde que foi lançado em 2009, o curta já ganhou várias premiações no Ceará, Bahia, Maranhão e também no Norte e no Sudeste do País. No papel principal, estão as atrizes Erotilde Honório e Mirela Roza, além do ator Raffael Barroso.
As gravações na região de Canindé somaram um total de cinco dias e a maior parte foi feita na Vila Campos. O antigo casarão de Pedro Paulino Ferreira abriu suas portas para a equipe e em seu interior foi feita boa parte das tomadas . Já a capela de S. Roque e cercanias da Vila foram os locais escolhidos para o set das filmagens externas. Depois de 16 anos da presença de uma equipe da Rede Globo nesta povoação, onde em 1991 foi gravado o filme “Os Homens Querem Paz”, populares voltaram a atuar como figurantes. Mas o destaque mesmo foi para os atores canindeenses que participaram do filme “Incelença da Perseguida”.
Produção
Celso Góis Almeida, que já acumula experiência no teatro, atuou no papel do coronel. Nelsinho Lourenço estreou na sétima arte encarnando a figura de um venerando padre. Também o papel de um religioso coube a Itami de Morais, que tem uma longa história nas artes cênicas e hoje trabalha como diretor e produtor de teatro em Fortaleza. Ainda no elenco, o canindeense Osamilca de Abreu (Baru). O curta-metragem “Incelença da Perseguida” teve apoio da Secretaria Estadual da Cultura, baseado em lei aprovada em 2006.

COMENTÁRIO – A fotografia do curta-metragem é pura arte. Já o enredo do filme é do tipo decifra-me ou devoro-te. Mas nosso colaborador Silvio R. Santos resolveu mergulhar na intimidade dessa história, e por isto nos envia uma interpretação feita por ele:

AMBIGUIDADES DO SERTÃO EM
INCELENÇA DA PERSEGUIDA

Silvio R. Santos
                                                                                             
Nunca se saberá se não fosse devido à presença de vários não-atores canindeenses (no dizer do diretor Silvio Gurjão) e o fato de ter sido gravado em apenas cinco dias na Vila Campos, em 2007, o curta-metragem Incelença da Perseguida causaria o interesse que na verdade provoca.  Diz a resenha oficial posta na capa do DVD: “Num sertão de desmandos, a injustiça encontra na inocência sensual de Maria das Graças, vida que custa a morte da mãe e a dor do pai, a cura para o machismo, homens-genitália eternamente na linha da perseguida. Sua paixão santa pelo maior pecador arrebata-o sexualmente, convertendo-o a uma vida de sagrado prazer”. Donde destacam-se óbvios sentimentos opostos: inocência sensual, paixão santa e sagrado prazer, que vão dominar a história no decorrer dos seus 14 minutos. Provinda de antigas tradições ibéricas do sincretismo católico-mourisco, a incelença ou incelência seria um canto utilizado nas cerimônias fúnebres do Nordeste brasileiro. No filme a personagem central vivida pela bailarina Mirela Roza e interpretada na velhice por Erotilde Honório entoa, o que seria a “incelença da perseguida”, num rito de pesar pela sacrificada inocência de meninas violadas por um “rabo-de-burro”, indivíduo tarado, estuprador, no antigo linguajar sertanejo, tema que para ser tratado de forma adequada, se fez necessário seu deslocamento para o passado, devido à, supõe-se, justa severidade com que é punido tal crime no presente. Inocência que não pode ser redimida pelas 30 moedas do personagem interpretado pelo poeta Celso Gois Almeida, sob a sanção dos olhares da religião instituída (Itami de Morais) e garantia de não rebelião das vítimas pela força policial.  Uma hipótese técnica para a narrativa quase sem falas, em que se explora o poder de comunicação das imagens, razão de ser da arte cinematográfica, seria a utilização de amadores (termo aqui não citado de forma depreciativa, mas apenas para diferenciação dos atores profissionais), além dos dois canindeenses já citados, Antonio Osamilca de Abreu, Manoel Leandro Lourenço (Nelzinho), Salvino Lobo e mais algum outro, outra suposição seria a de simples economia de tempo.  Para não entrar em detalhes em que a linguagem do filme contamina a sua própria narrativa, talvez a questão, quase herética, ali proposta fosse: pode um pecador ser libertado por um ato não sagrado, antes pecaminoso? Pode um amor puro ser ofertado de forma pecaminosa? Resposta talvez contida no personagem de Raffael Barroso, que parte para o seminário logo após uma noite de epifania com Maria das Graças (Mirela Roza).  Não teria sido o mesmo castrado ainda nessa noite com a ajuda do louco (Silvio Gurjão)? Mas não há sangue nesta cena crucial. Há um simbolismo definitivo no crucifixo que é usado pelo pecador já padre. Essa esfinge ainda espera pelo seu próximo espectador. Mas há certa evocação em versos de Balada de Santa Maria Egipcíaca, de Manuel Bandeira:

“E fêz um gesto. E a santa sorriu,
Na graça divina, ao gesto que ele fez.

Santa Maria Egipcíaca despiu
O manto, e entregou ao barqueiro
a santidade da sua nudez”.

Queira-se ver:        
http://pt.wikipedia.org/wiki/Incelen%C3%A7a

Veja algumas cenas do filme:


Fotos dos bastidores:

Atriz Mirela Roza
Cineasta Silvio Gurjão
Celso Góis e Itami de Morais
Ator Raffael Barroso e PPP
Carro antigo utilizado nas gravações
Nelsinho Lourenço

NOSSA LÍNGUA

INCELENÇA / INCELÊNCIA / INSELÊNCIA Canto religioso, composto de doze versos rituais, sem acompanhamento musical, frequente durante as últimas horas de um moribundo ou nos velórios. Câmara Cascudo, no Dicionário do folclore brasileiro, cita Aluísio Alves (Angicos): "'Acreditava-se que a inselência tinha o poder de despertar no moribundo o horror ao pecado, incitando-o ao arrependimento'. (...) Aluísio Alves informa que não são unicamente cantadas aos doentes e aos defuntos, mas pertencem às rogativas contra o perigo da peste e tempestade." Dicionário do Nordeste - Fred Navarro.

Um comentário:

  1. Confesso que não tinha conhecimento da produção desse curta “Incelença da Perseguida” em nosso município, na qual pelo trailler mostrado parece tratar-se de uma obra de altíssima qualidade, típico de uma produção, sem exagero, global no que se refere à edição, som, imagens, interpretações perfeitas, fotografia de qualidade... Uma bela produção. Estou vendo PPP que Vila Campos está se transformando em uma “holiuude” tupiniquim.

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