terça-feira, 11 de outubro de 2011


A FOME FALANDO AO MUNDO

Poeta Zé Moura*


Todo mundo já conhece
Minha verdadeira origem
Deixo reflexo onde passo
De fraqueza e de vertigem
Eu mato qualquer robusto
E suporto a todo custo
Ofensas que me dirigem

O rico não  me conhece
O pobre não quer me ver
Quem se obriga a me aceitar
É certeza enfraquecer
Nunca hei de me acabar
Porque se alguém me matar
Torno a reaparecer

Sou pior que o remorso
Porque sou mais extensiva
Sou amarga, sou cruel
Sou péssima, sou agressiva
Sou sombra repudiada
Da criança abandonada
Que da miséria é cativa

Uns me chamam de infeliz
Outros me chamam maldita
Eu só não posso passar
Por onde burguês habita
Odeio a casa do nobre
Gosto da casa do pobre
Que lá me sinto infinita

Vivo mais na Etiópia
Parecendo maldição
Em cada menino magro
Que está caído no chão
Encostado à mãe doente
Eu estou ali presente
Causando desnutrição

Me enchem de sobrenome
Bem poucos me fazem teste
Neste país, o Brasil
Eu vivo mais no Nordeste
Lá, meu nome é mais lembrado
Lugar que o desventurado
Me chama fome da peste

Da casa que tem fartura
Eu passo me desviando
Na casa que nada tem
Eu estou sempre morando
Tem dia que sou enorme
Quem está comigo não dorme
Fica acordado pensando

Quem mais me valorizou
Foi um burguês avarento
Que tinha muito dinheiro
Mas não comprava alimento
Com ele eu me abracei
Só saí quando o deixei
Morto no seu aposento

Gosto da casa do povo
Que vive varrendo a rua
E da pobre mãe doente
Que mantém a filha sua
Lavando roupa sozinha
Pedindo a Deus que a filhinha
Sofra e não se prostitua

Demoro mais na favela
Na casa do operário
Onde mora uma família
Vivendo de um sallário
Comendo uma vez por dia
Nesta triste moradia
Eu estou em todo horário

Até mesmo o presidente
Quem mais dinheiro consome
Já prometeu me matar
A fim de mudar meu nome
Pode matar-me, eu mereço
Mas depois reapareço
Porque eu me chamo FOME

Doutor, se quiser saber
Do que é que eu sou capaz
Passe na periferia
Onde o senhor nada faz
Que me verá triunfando
Pais de família chorando
E os filhos chorando atrás

Vá na humilde choupana
Se não for muito empecilho
Para ver mãe de família
Triste, de olhar sem brilho
Coberta de aperreios
Sem ter leite nem nos seios
Para alimentar os filhos

Sou a fome e fui gerada
Pra definhar muita gente
Ando pelo mundo inteiro
Vou pra todo continente
Se quem governa quisesse
Eu, talvez, não estivesse
Matando tanto inocente

*Zé Moura é do Município da Prata, Paraíba.

NOSSA LÍNGUA

EMPRIQUITAR (-se) Irritar-se ao extremo, emputecer-se, romper as baetas: "Aí eu me empriquitei: perdido por um, perdido por mil." Grande enciclopédia internacional de piauiês, Paulo José Cunha. É de âmbito nacional o sentido de se aprontar, de se enfeitar com exagero, derivado de emperiquitar-se. Dicionário do Nordeste - Fred Navarro.

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