domingo, 9 de outubro de 2011


A FESTA DE SÃO FRANCISCO E

O ARRIAMENTO DA BANDEIRA


Francisco de Assis de Freitas Silva*

Desde que nós canindeenses nos entendemos como pessoa e ser pensante, temos a expectativa de mais uma festa de São Francisco, religiosamente realizada sempre no período de 24 de setembro a 4 de outubro, porém, de certo tempo prá cá, essa data deixou de ser respeitada por conta da alteração do período das eleições para cargos eletivos, que era no 15 de outubro, quer seja no âmbito municipal, estadual ou federal; estas são realizadas a cada dois anos e por conta das datas coincidirem com a época dos festejos ou serem muito próximas, fica impraticável às autoridades civis, militares e eclesiásticas organizarem a festa na data tradicional como assim será no próximo ano. Os festejos deste ano transcorreram para mim de maneira um pouco diferente das demais pessoas. Como moro bem no centro de Canindé, coloco já há três anos consecutivos, uma banca com produtos que costumamos vender na loja de minha esposa, como lingeries e roupas de um modo geral, procurando por produtos mais baratos, porque romeiro gosta mesmo é de pechinchar, e se algo custar somente um real, ele ainda pede que deixe por 50 centavos. Aproveitando o clima saariano que o final do ano sempre nos reserva, investi também em água mineral e água de coco, para aplacar a sede e repor também as energias dos mais afoitos notívagos que porventura tenham se exaltado nas jornadas etílicas que a noite de Canindé pudesse oferecer.
O dia começava para nós às seis da manhã com a montagem da barraca e colocação das mercadorias, assim como das caixas de isopor com as bebidas; felizmente minha cunhada veio para ajudar na manutenção da ordem do lar e fazer nossa comida, pois do contrário e com a correria do período não daríamos conta. Os dias vão passando e as pessoas vão chegando dos mais variados destinos, notadamente dos estados de Piauí e Maranhão, deixando a cidade com a superlotação característica, sendo que ocasionalmente vemos um ou outro conhecido de nossa cidade e outros de rincões distantes que conhecemos de festejos passados.
A transformação que a cidade sofre nestes, não dez, mais 12 dias ou mais é como uma metamorfose que começa, e depois de pronta regride ao estado inicial; no início e no final dos festejos o característico cheiro do carro Fumacê da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, se fez presente, deixando a todos agradecidos por nos livrar da grande maioria dos mosquitos e muriçocas que vem se banquetear de nosso rubro líquido vital nas horas em que o corpo pede descanso. Esta metamorfose vem aos nossos sentidos com os odores que o período traz consigo como o agradável perfume dos abacaxis que ficam próximos do Mercado Novo, das inúmeras bancas de comidas, com seus churrascos e outros tipos de guloseimas, além de cheiros menos queridos como o que fica próximo dos banheiros químicos instalados em diversos pontos da cidade e dos que são desprendidos das montanhas de lixo que ficam momentaneamente espalhadas pelas ruas centrais após o retorno dos camelôs para seus locais de origem; além do colorido que chega aos nossos olhos vindos de diversos produtos, ouvimos também o chamativo e criativo apelo dos vendedores para seus produtos, passando das redes, calçados e roupas, até mesmo um pequeno dispositivo que é colocado na boca e imita a voz de um gato em desespero dentro de um saco, com o vendedor espancando o saco e fingindo existir lá um bichano sob forte tortura digna dos anos de chumbo.
Passada a euforia vem a despedida com o arreamento da bandeira, concorrido evento, que além de uma demonstração de resistência física é um grande ato de fé, como eu pude aferir de perto.  No dia 05 de outubro desloquei-me para a Basílica de São Francisco munido de câmera fotográfica para registrar o evento como fiz no ano passado, quando fiquei no patamar da igreja e concretizei meu intento, porém este ano cheguei já bem em cima da hora e o turbilhão de pessoas não permitiu que eu subisse ao patamar, entretanto fiquei de perto e consegui registrar o evento com certa facilidade aproveitando-me de minha estatura um pouco acima da média. Consegui até mesmo jogar dinheiro na bandeira e agradecer ao nosso padroeiro pela paz e tranqüilidade que foram os festejos e também pelas boas vendas alcançadas. Acompanhei o corre corre  das pessoas até nas imediações da rua João Pinto Damasceno e retornei para a igreja e em seguida já me dirigia para meu lar quando o meu amigo Zezinho Camurça me chamou e perguntou se eu esperaria a chegada da bandeira no salão dos ex-votos, respondi que nunca tinha ido ao evento, mas que me sentiria honrado com a sua companhia. Na galeria onde são realizadas as confissões já se formava uma pequena fila que aos poucos ia crescendo. Fiquei de pé esperando a oportunidade de entrar, porém antes um pouco de entrar a bandeira, um segurança da paróquia me reconheceu e colocou-me, juntamente meu amigo Camurça, para dentro por uma porta dos fundos; esperei só alguns poucos segundos e eis que entra o cultuado objeto, rodeado de homens comuns e de todas as classes sociais e profissões, como comerciantes e garçons; todos tinham o semblante cansado, estavam molhados de suor pelo esforço hercúleo que desprenderam, mas tinham a felicidade no semblante de quem cumpre a sua missão com amor, dedicação e acima de tudo fé. Aproximei-me então e consegui tocar na bandeira, também molhada pela água que as pessoas jogam no cortejo para aplacar o calor das pessoas que seguem na tentativa de tocá-la. A sensação que tive é difícil de descrever, foi como ter a sensação do dever cumprido, tive vontade de rir e de chorar, fiquei muito emocionado. Saí do local e ainda ouvia os fiéis cantando Raia Aurora, despedindo-se de mais uma festa de São Francisco, felizes e com o coração tocado por uma paz e serenidade que só quem consegue tocar na bandeira de São Francisco e tem Deus no coração pode descrever.
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*Cabo PM, colaborador do blog.

NOSSA LÍNGUA

CHIBÉ - No MA é um refresco ou pirão feito com água, farinha, açúcar ou mel, e de vez em quando um pouco de cachaça; tem o nome de gonguinha em PE e de sereba no resto do Nordeste. Dicionário do Nordeste - Fred Navarro.

Um comentário:

  1. Parabéns ao Blog e ao Cabo Freitas, autor do texto, pela perfeita apresentação dos momentos mais marcantes da nossa Festa religiosa. A frase "agradável perfume dos abacaxis", nos traz com nititez os momentos reais da grande romaria. Valeu!
    (Celso Gois)

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