sábado, 3 de setembro de 2011

cordel e folclore


POETAS NO CÉU E NO INFERNO

Pedro Paulo Paulino


Em determinada época, Arievaldo Viana e eu, influenciados pela obra do grande Zé Pacheco, autor de A chegada de Lampião no inferno e Grande debate de Lampião com São Pedro, resolvemos satirizar a obra do poeta paraibano, tornando-nos nós mesmos personagens dos cordéis. Ari fez A chegada de Peter Pan no Inferno, mas, infelizmente perdeu os originais, talvez porque na corte do capiroto a coisa seja mesmo desorganizada. O que restou do trabalho dele foram apenas essas quatro estrofes:

“O Pedro Paulo tomou
Um mingau de araruta
Caiu dentro duma gruta
Com o pifão que tomou
Depois, o gosto tirou
Com um taco de ananás
Danou-se então o rapaz
A chamar pelo ‘Tranjença’
E foi levado à presença
Do Marechal Satanás

Santanás disse: Poeta
Deie de estripulia
Pois não chegou o seu dia
Pode pegar sua reta
Sua vaga aqui é certa
Só depois que se lascar
Mas antes de expirar
O suspiro derradeiro
Deixe de ser presepeiro
E volte pro seu lugar

Quando o PP foi saindo
Rumo ao portão principal
Satanás fe um sinal
Depois lhe falou sorrindo
Antes de ires seguindo
Nessa longa estrada a pé
Prove o meu acarajé
E me forneça em seguida
Informações sobre a vida
Dos bardos do Canindé”

♦♦♦

Em seguida, fiz:

A CHEGADA DE ARIEVALDO NO CÉU

Arievaldo, outro dia,
Me disse Alberto Porfírio
Que ele sofreu um delírio
Durante uma letargia.
Bebeu muito e na folia
Não deu tempo pra rezar,
Capotou mesmo no bar
Em em sonho transcendental
À corte celestial
Foi sua onta prestar.

Recebeu um par de asas
Posto em suas laterais.
- Voa aos mundos siderais
Disse um anjo – e não e atrasas!
E sobrevoando as casas
Foi subindo, foi subindo…
Lá no paraíso lindo
Se pôs à porta a bater
E ouviu alguém dizer:
- Espere, que já vou indo!

São Pedro, nesse momento
Abriu do céu o portão,
Dado o cheiro de alcatrão
Quase teve um passamento.
Disse Ari: - Porteiro bento,
Eu não levo a vida ao léu,
Pro senhor tiro o chapéu,
Trilhei sempre um bom caminho,
Será que tem um cantinho
Para mim aqui no céu?!

São Pedro, tendo um tremor,
Disse: - Pensa que me engana?!
Com esse bafo de cana,
Queres ser merecedor?!
Lhe disse Ari: - Não, senhor,
Às vezes, bebo cerveja.
São Pedro disse: - Ora, veja,
Mesmo assim não tenho pena,
Aqui no céu se condena
Qualquer bebida que seja.

- Devia não ser pecado,
Disse Ari, quem bebe assim.
Não sendo cabra ruim
Que pratique nada errado!
Afinal, fui educado
Vendo o padre beber vinho…
- Porém, só bebe um poquinho
Em louvor do chefe meu,
E nesse caso até eu
Engulo sempre um golinho…

Porém, deixe isso pra lá
Que agora quero saber:
Por que antes de morrer
Tu subiste para cá?
Disse Ari: - Respondo já,
Eu ando meio caipora,
Não vejo chegar a hora
De vir morar por aqui,
Por isso que resolvi
Dar um passeio por fora.

Estou cansado da terra,
Da vida que lá se leva
No meio de tanta treva,
De desordem, peste e guerra.
A vida lá se encerra
Nas mais horrendas querelas.
Eu vivo em meio às procelas
Do tormento e da desgraça
E nunca gozei a graça
Dos carinhos das donzelas.

Daquele seu linguajar
São Pedro se admirou.
Muito calado escutou
Arievaldo falar.
Bem pertinho do altar
São Paulo tocava um banjo.
São Pedro disse pra um anjo:
- Traga a ficha desse irmão.
Ari, nessa ocasião
Quase sofre um desarranjo.

São Pedro disse: - Tu és
Então aquela pessoa
Que vivia a cantar loa
Nas portas dos cabarés?!
Arreda daqui os pés,
Oh, seguidor de Lusbel.
És um poeta infiel
De quem jamais serei fã,
Tu difamas Peter Pan
Nos teus versos de cordel!

Lembras quando tu fazias,
Com um outro de má fama,
Naquela rádio, um programa
Que era só de anarquias?
A todos tu denegrias
Com tua língua mordaz.
Daqui não venhas atrás,
Que não permite Jesus.
E disse, fazendo a cruz:
- Vai morar com Ferrabrás!

Aquela sentença ouvindo,
Ari ficou bem vermelho.
Então pôs-se de joelho
(Quase até ia caindo).
São Pedro, se prevenindo,
Puxou da porta uma tranca.
Disse: - A nossa lei é franca
E mesmo assim não concede
Penetrar na nossa sede
Cabra da barriga branca.

Ari, coberto de pranto
Ouvindo a justa sentença,
A Pedro pediu licença
E foi dizendo: - Meu santo,
Eu não sou tão mau, garanto,
Da poesia sou réu.
Mas, concertando o chapéu,
Pedro emendou de repente:
- Poeta tem sido o ente
Que mais perturba no céu.

- São Pedro, eu peço perdão
Pra minha alma de artista,
Eu também sou desenhista
Em qualquer ocasião.
Com pincel, pena ou carvão
Eu faço qualquer gravura.
E com muita compostura,
Ari, pra São Pedro olhando,
Num caderno foi riscando
A sua caricatura.

Aí, São Pedro engrossou
Quando viu o tal desenho,
Para o Ari cerrou o cenho,
Muito vermelho ficou.
São benedito chegou
Todo metido a gostoso
E disse a Pedro, raivoso:
- Colega, não dê falsete,
Pode meter o cacete
Nesse precoceituoso!

Foi aumentando o tumulto
No portão do Paraíso.
Disse São Pedro: - Eu preciso
Epulsar esse mau vulto.
Só veio causar insulto
Aqui na santa morada.
Benendo a boca sagrada
Soltou esse palavrório:
- Talve nem no Purgatório
Queiram alma embriagada…

São Pedro, nesse aperreio,
Sofreu uma dor de barriga,
Temendo até haver briga
Com tanto santo no meio.
São Francisco também veio
E falou com a voz perra:
- Pedro, veja se desterra
Daqui esse fariseu,
Que isso é o maior ateu
Que tem lá na minha terra.

Querendo fazer conquista,
Em busca de algum respaldo,
Foi dizendo Arievaldo:
- Eu só tenho amigo artista,
O Chico Walter, o Batista,
Que toca bem violão,
Celso Góis, Sebastião,
Mascote, Silvio Roberto,
Do Natan sempre estou perto
E do Pedro Paulo, então.

- Não quer Jesus que aqui
Se fale nem nesses nomes!
E vê também se te somes,
Que não tem lugar pra ti.
Apontando para o Ari,
São Pedro falaou bem seco:
- Vai procurar outro beco,
Que aqui na Santa Mansão,
Pra causar perturbação
Já nos basta Zé Pacheco!

São Pedro então já estava
Pra perder de ve a calma,
Mas nisto chega outra alma
Perguntando se entrava.
E vendo o que se passava,
Pra ganhar conceito ali,
Meteu  um soco em Ari,
De modo tão violento,
Que ele nesse momento
Acordou de novo aqui…

Obs.: Publicado originalmente no livro O Baú da Gaiatice, de Arievaldo Viana.

3 comentários:

  1. Poeta! aceite os cumprimentos do irmão mais velho pela passagem da data. Certa feita lhe enviei um soneto em que dizia que iríamos beber tantas cervejas quanto fossem as primaveras que eram completadas na época, hoje, sem mais inspiração,nem capacidade de sorver as loiras geladas, envio apenas os votos de que gozes ainda mais desta felicidade, com a qual são agraciados os que sabem apreciar as coisas simples com a humildade das almas complexas. E evoé, Baco.

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  2. Pedro Paulino é um rifle
    Fabricado no estrangeiro
    Calibre Quarenta e Quatro,
    Conforme li no roteiro
    Um boêmio perdulário
    Hoje é seu aniversário
    Parabéns, meu companheiro!

    ARIEVALDO VIANA

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  3. Muito humor, muita criatividade! E com uma arte refinada. Adorei esses versos:
    Estou cansado da terra,
    Da vida que lá se leva
    No meio de tanta treva,
    De desordem, peste e guerra.
    A vida lá se encerra
    Nas mais horrendas querelas.
    Eu vivo em meio às procelas
    Do tormento e da desgraça
    E nunca gozei a graça
    Dos carinhos das donzelas.
    Daquele seu linguajar
    São Pedro se admirou

    Flávio Henrique

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