A PREVISÃO DE DARCY RIBEIRO
QUANTO AO FUTURO DO BRASIL
Por: Flávio Henrique M. F. Lima*
Estamos na Semana da Pátria, e sempre no Dia da Independência os trabalhadores, estudantes e intelectuais fazem manifestações em todo o País, em que a tônica é a ideia de que o Brasil ainda não é de todo independente, tal a fragilidade da nossa economia e da nossa organização social. No entanto, percebe-se nos últimos anos uma nítida mudança de rumo nessa condição, tendo em vista uma revolução econômica que cada vez mais se torna evidente e leva a todos os brasileiros a esperança de dias melhores, com a promessa de uma elevação significativa do nível de vida da nossa população, em todas as suas classes sociais.
O Brasil foi e continua sendo um país dependente do capital e da tecnologia estrangeira. A pesquisa básica e aplicada empreendida em nossas universidades ainda carece do patrocínio de grandes empresas, tendo o governo de alocar para essa área investimentos que não têm um volume suficiente para que demos um salto tecnológico, acompanhando mais de perto os países afluentes. As grandes empresas aqui localizadas são em geral tentáculos de multinacionais com sede em outros países, com exceção da Petrobrás, da Embraer, da Vale do Rio Doce e de algumas do setor agropecuário. E essas empresas de outros países têm muitas reservas no que diz respeito à transferência de tecnologia de ponta para o Brasil. Os equipamentos de alta tecnologia que são utilizados nas indústrias brasileiras são via de regra importados da Europa, do Japão ou dos EUA, visto que não temos conhecimento tecnológico de última geração.
Não obstante esse quadro, há uma nítida revolução econômica levada a cabo pelo governo e a iniciativa privada nos últimos anos, com um crescimento considerável do mercado interno, uma melhor distribuição de renda e a pujança das exportações de produtos agrícolas e minérios. O Brasil vem galgando posições no ranking das maiores economias do planeta, tendo atualmente o sétimo Produto Interno Bruto (PIB) do mundo. Tudo indica que o País está finalmente começando a harmonizar crescimento com desenvolvimento econômico. Foram criadas novas instituições federais de ensino superior em diversos estados, o nível de emprego e os salários cresceram consideravelmente, a classe média se expandiu e a miséria tem diminuído com os programas sociais de redistribuição de renda. O caminho do desenvolvimento a ser trilhado ainda é longo, mas há um otimismo claro por parte da população e do governo no sentido de que, finalmente, o Brasil irá alinhar-se entre as maiores economias do planeta. Para isto, é urgente diminuir o índice assustador de criminalidade, a corrupção na esfera pública e privada e levar ao povo, sobretudo aos mais pobres, uma educação e um sistema de saúde públicos que respeitem a dignidade do ser humano, que sejam fraternos, humanos e solidários, tal como está posto nos artigos iniciais da nossa Constituição. Precisamos educar melhor nossas crianças para que tenhamos no médio e no longo prazo melhores técnicos, cientistas, professores, servidores públicos e empresários, de modo que o País incremente a qualidade dos serviços e dos produtos que vem crescentemente exportando para todas as nações do mundo, proporcionando um superávit crescente do balanço de pagamentos, o que já nos permitiu solucionar o antigo problema da dívida externa.
Enfim, esperamos que haja no Brasil, tal como nos países europeus, na Austrália e no Canadá, uma síntese mais harmoniosa do capitalismo e do socialismo, uma verdadeira social-democracia em que a dimensão social do ser humano seja priorizada, diminuindo na medida do possível a hegemonia das classes que vêm dominando o Brasil desde o período colonial, de certa forma consorciadas com os interesses econômicos de nações do Primeiro Mundo.
Darcy Ribeiro (1922-1997), no epílogo do seu livro O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil (2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995 – pp. 454-5), foi singularmente profético quanto ao futuro do Brasil. Neste livro, o autor, como antropólogo e cientista social, se propunha responder questões que resumiu em uma simples frase: “por que o Brasil ainda não deu certo?” Eis um trecho memorável da última obra desse grande pensador, que foi considerado por Anísio Teixeira (jurista, escritor e educador brasileiro) a inteligência do Terceiro Mundo mais autônoma de que tomou conhecimento:
“Nações há no Novo Mundo - Estados Unidos, Canadá, Austrália - que são meros transplantes da Europa para amplos espaços de além-mar. Não apresentam novidade alguma neste mundo. São excedentes que não cabiam mais no Velho Mundo e aqui vieram repetir a Europa, reconstituindo suas paisagens natais para viverem com mais folga e liberdade, sentindo-se em casa. É certo que às vezes se fazem criativos, reinventando a república e a eleição grega. Raramente. São, a rigor, o oposto de nós.
Nosso destino é nos unificarmos com todos os latino-americanos por nossa oposição comum ao mesmo antagonista, que é a América anglo-saxônica, para fundarmos, tal como ocorre na comunidade europeia, a Nação Latino-Americana sonhada por Bolívar. Hoje, somos 500 milhões, amanhã seremos 1 bilhão. Vale dizer, um contingente humano com magnitude suficiente para encarnar a latinidade em face dos blocos chineses [o autor pretendia referir-se também aos japoneses e coreanos], eslavos, árabes e neobritânicos na humanidade futura.
Somos povos novos ainda na luta para nos fazermos a nós mesmos como um gênero humano novo que nunca existiu antes. Tarefa muito mais difícil e penosa, mas também muito mais bela e desafiante.
Na verdade das coisas, o que somos é a nova Roma. Uma Roma tardia e tropical. O Brasil é já a maior das nações neolatinas, pela magnitude populacional, e começa a sê-lo também por sua criatividade artística e cultural. Precisa agora sê-lo no domínio da tecnologia da futura civilização, para se fazer uma potência econômica, de progresso autossustentado. Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra.”
Em visita a nações Européias, percebe-se o quanto aqueles povos apostam em sua competência, capacidade de planejamento e capacidade criativa. As nações mais desenvolvidas, em todos os sentidos, são aquelas que focalizam a justiça social como farol a dissipar a escuridão gerada pela miséria da falta de esclarecimento, da falta de consciência - a única e verdadeira miséria. Parabéns, Flávio, por seu texto tão oportuno.
ResponderExcluir