terça-feira, 16 de agosto de 2011

poesia


RAUL DE LEONI: “LUZ MEDITERRÂNEA”

Tenho em mãos uma rara edição do livro Luz Mediterrânea, do poeta Raul de Leoni. A primeira edição publicada em vida pelo autor, é de 1922, o mesmo ano da Semana de Arte Moderna. Mas Leoni era parnasianista e seu trabalho poético vem cifrado nos moldes clássicos da métrica rigorosa e da rima. “Para o título geral da collectanea se conservou o da obra capital, Luz Mediterranea, nome caro ao poeta e tão expressivo de sua clara e agil sensibilidade”, adverte uma pequena nota introdutória.

“O seu ritmo peculiar e admirável de versificação, o conjunto de ideias sublimes de suas palavras, são os aspectos mais fortes que envolvem a magnífica harmonia da unidade de pensamento que existe em toda sua obra. Raul de Leoni é poeta de grandeza solitária, unindo a uma filosofia panteística um espírito helênico de poesia ligada ao canto e a música. Apesar de apontarem em seus versos Pascal e Platão, sua poesia nada tem de filosófica. É espontânea, colorida, sensual. Sua estética à maneira platônica leva-o a uma vizinhança extraordinária com o Simbolismo, sendo, tanto quanto Guimarães Passos um grande poeta de transição.
A sua poesia, embora contenha formas antigas e clássicas, é caracterizada por um imperecível espírito de modernidade, o que lhe assegura compreensão ilimitada e aperiódica, e o introduz na seleta plêiade dos poetas imortais.”

Raul de Leoni nasceu em Petrópolis, em 31 de outubro de 1895. Concluiu os cursos primário e secundário no Rio de Janeiro, viajando ainda adolescente pela Europa. Tornou-se diplomata em 1917. Com Ode a um poeta morto, 1919, conquistou fama nos meios literários. Pouco depois de eleito deputado fluminense, retirou-se para Itaipava, onde pretendia curar-se da tuberculose que o vitimou. Antes, publicou Luz Mediterrânea, 1922.
“Expirou serenamente, na sua casa de Itaipava, aos 21 de novembro de 1926. Tinha 31 anos e deixava uma das obras mais consideraveis da nossa poesia, pela unidade de pensamento e pela formosura dos rythmos”, informa Rodrigo M. F. de Andrade, no prefácio do livro. (Mantida a ortografia da época.)
Tenho diante de mim, na tela do computador, um pouco da biobibliografia de Raul de Leoni na Wikipédia. No entanto, é um prazer sem comparação ler os versos do grande poeta numa publicação tão rara quanto esta. A última página do livro informa que foi “COMPOSTO E IMPRESSO NA TYPOGRAPHIA DO ANNUARIO DO BRASIL. R. D. Manoel, 62 – Rio de Janeiro. EM JUNHO DE 1928”. Portanto, há 83 anos. O volume de páginas amareladas está em perfeito estado e chegou até a mim através do meu amigo o poeta e jornalista Wanderley Pereira. Sobre a mesa do meu computador, o livro octogenário de Raul de Leoni e a tela de cristal líquido tratando do mesmo assunto formam um conjunto singular. E essa simbiose faz lembrar que não importa muito o meio que comunica: o importante mesmo é o conteúdo que ambos os meios de comunicação – livro e internet – oferecem.
Dois dos sonetos bastante conhecidos de Raul de Leoni estão transcritos abaixo:

“IGRATIDÃO

Nunca mais me esqueci!... Eu era criança
E em meu velho quintal, ao sol-nascente,
Plantei, com minha mão ingênua e mansa,
Uma linda amendoeira adolescente.

Era a mais rútila e íntima esperança…
Cresceu… cresceu… e, aos poucos, suavemente,
Pendeu os ramos sobre um muro em frente
E foi frutificar na vizinhança.

Daí por diante, pela vida inteira,
Todas as grandes árvores que em minhas
Terras, num sonho esplêndido semeio,

Como aquela magnífica amendoeira,
Eflorescem nas chácaras vizinhas
E vão dar frutos no pomar alheio…”

“HISTÓRIA ANTIGA

No meu grande otimismo de inocente,
Eu nunca soube por que foi... um dia,
Ela me olhou indiferentemente,
Perguntei-lhe por que era... Não sabia...

Desde então, transformou-se de repente
A nossa intimidade correntia
Em saudações de simples cortesia
E a vida foi andando para frente...

Nunca mais nos falamos... vai distante...
Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
Em que seu mudo olhar no meu repousa,

E eu sinto, sem no entanto compreendê-la,
Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
Mas que é tarde demais para dizê-la...”





Um comentário:

  1. Sem dúvida, poeta, a Internet não significou o fim do livro, pelo contrário, potencializou o acesso, como já foi ampla e brilhantemente afirmado de Asimov a Umberto Eco. Livros que jamais veria perante os olhos hoje estão cá na estante, somente devido ao comércio eletrônico, com destaque para o de livros usados.Veteranos como nós (permita-me) na verdade apreciam a textura, literalmente, do livro, seu design, seu cheiro, e o cristal líquido ainda não nos contentou inteiramente. Por isto entendo quando escreve estar com o volume em mãos. Raul de Leoni teve vida e obra breves, NON MULTA SED MULTUM, que, apesar de todas as vanguardas (semana de 22) não perdeu a razão de existir, que é o prazer da leitura, continuada. Venceu o tempo, o poeta de Luz Mediterrânea.

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