quarta-feira, 17 de agosto de 2011


UM TEXTO DE THOREAU* SOBRE O  LIVRO

“(...) Não admira que, em suas expedições, Alexandre levasse a Ilíada dentro de um  estojo precioso. Uma palavra escrita é a mais valiosa relíquia. É algo ao mesmo tempo mais íntimo e mais universal do que qualquer outra obra de arte. É a obra de arte mais próxima da própria vida. Pode ser traduzida para todas as línguas, e não só lida, mas  realmente soprada por todos os lábios humanos - representada não só na tela ou no mármore, mas esculpida no próprio sopro da vida. O símbolo do pensamento de um antigo se torna a fala de um moderno. Dois mil verões conferiram aos monumentos da literatura grega, como se fossem de mármore, apenas um tom dourado e outonal mais maduro, pois levaram sua atmosfera serena e celestial a todas as terras, para protegê-los contra a corrosão do tempo.  Os livros são o tesouro do mundo e a digna herança de gerações e nações. Livros, os melhores e mais antigos, podem ocupar, com todo o direito e naturalidade, as prateleiras de qualquer morada. Nada pleiteiam para si, mas, na medida em que esclarecem e sustentam o leitor, o  bom senso dele não os recusará. Seus autores são uma aristocracia natural e irresistível em toda sociedade, e exercem, mais do que reis ou imperadores, influência sobre toda a humanidade. Quando o comerciante iletrado e talvez desdenhoso conquista pelo trabalho e iniciativa própria seu cobiçado lazer e independência, e é admitido nos círculos da elegância e da riqueza, inevitavelmente acaba se voltando para aqueles círculos ainda mais altos do intelecto e do gênio, porém ainda inacessíveis, e é sensível apenas à imperfeição de sua cultura e à vaidade e insuficiência de todas as suas riquezas, e demonstra ainda mais seu bom senso preocupando-se em garantir  aos filhos aquela cultura intelectual de que sente tão aguda falta; e é assim que ele se torna o fundador de uma família.”
[THOREAU, Henry David. Walden ou A Vida nos Bosques. Tradução de Denise Bottmann. 1ª ed. Porto Alegre, L&PM, 2010 - p. 106]

*H. D. Thoreau (Concord, Massachusetts, EUA, 1817 – 1862), ensaísta, poeta, amante da natureza, foi um homem especial, autêntico, originalíssimo. Conquanto graduado em Harvard e tivesse uma inteligência e cultura notáveis, preferiu levar uma vida simples, trabalhando apenas para garantir as suas necessidades básicas,  como  agrimensor. O livro Walden é o relato das experiências vividas por Thoreau nos dois anos que passou em uma cabana nas margens do lago Walden,  juntamente com os seus livros, os animais e as plantas, sem deixar de manter  contatos ocasionais com agricultores que moravam perto de sua casa. Foi discípulo e amigo do grande filósofo transcendentalista Ralph Waldo Emerson (1803-1882), que, tal como Thoreau, era também ensaísta e poeta.


(Colaboração: Flávio Henrique M. F. Lima)

Um comentário:

  1. Em um brilhante ensaio Isaac Asimov decifra a diferença entre os dois tipos de leitores, aquele que sente prazer na leitura e o que absolutamente dispensa essa atividade como algo enfadonho. Conta a sua experiência em ter visto no metrô alguém lendo, com tamanho sacrifício, murmurando, com tanto custo, que entendeu exatamente o cerne da diferente entre os dois tipos de ledor, não se refere, claro, à dislexia, mas a quem não conseguiu aprender nos anos escolares básicos a ler por palavaras ou frases, mas apenas por sílabas, o que faz com que tenhamos maior compreensão dessa deficiência, e não se julgue menos inteligente quem foi menos assistido na idade em que necessitava.

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