sábado, 30 de julho de 2011

crônica


TONICO E SEUS AMIGOS

Pedro Paulo Paulino

Afirma-se, e creio que isto faz sentido, que os melhores momentos acontecem por acaso, quando não se programa. Comigo ficou mais uma vez comprovada essa teoria. O fato é que esta semana recebi por aqui meu amigo Tonico Marreiro. De uma hora para outra, ele pegou a mão da sua mulher Patrícia e das três filhas, as “Três Poderosas”,  arrumou os trens, enfiou tudo no seu fusca côr-de-rosa e rumou para a Vila Campos. Há muito eu o insultava para vir por cá. Mas, verdadeiramente, o momento certo foi este. E eu, como modesto anfitrião, não tive contratempo em acomodar o Tonico e sua trupe. Tanto ele quanto elas amoldam-se sem qualquer embaraço onde estão, como deixaram provado pela espontaneidade em tudo.
Aqui, quem não o reconheceu em pessoa o reconheceu pela voz, uma voz que há quase quatro décadas atravessa esses ares pelas ondas do rádio, pois a história do Tonico e a história da nossa radiofonia se enroscam. Proseando com ele, tive a sensação recorrente de que estava ouvindo o seu programa radiofônico, tal a naturalidade com que seu espírito se manifesta, tanto aqui quanto lá. Tonico, sem dúvida, é um homem típico do sertão. Nada aqui lhe pareceu avesso à sua convivência com sertanejos simples, seus costumes e maneira de bater um bom papo sem pressa.
Mas devo lembrar que o Tonico trouxe muito mais gente consigo, muito mais. Trouxe essa gente e sua bagagem também. À noite, ele abriu um baú de causos que não tem mais fim. Formamos uma roda perto dele, ao ar livre, como nos velhos tempos. E ele foi desfiando um rosário de acontecidos jocosos, principalmente do Canindé boêmio do seu tempo. (Tonico participa de uma roda boêmia, como se ainda reverenciasse o deus Baco, coisa que não faz há quase trinta anos.) Pois bem, do seu baú de anedotas, ele nos apresentou o Toinho da Gunda, personagem ímpar do Canindé de outrora; o Mário Pessoa com suas traquinagens; o velho Bunaco, com suas tiradas geniais; o multifacetado barbeiro Isaías; o mágico Nogueira e seu ilusionismo mambembe; o irreverente João Vieira; o "impossível" Antonio Walberto... O elenco é vasto e muitos deles já se foram. Claro que Tonico não esqueceu suas presepadas junto com o Homerim, que àquela altura devia estar com as orelhas fervendo.
Tonico não é uma enciclopédia – ele é uma espécie de Google da história, da cultura e do folclore de Canindé. Mal pronunciamos o nome de alguém, e ele abre um leque de historietas engraçadas e interessantes, gerando vários links em sua prosa, num autêntico contexto de coisas e situações. Com ele passeamos pelo Canindé dos anos 60 e visitamos locais hoje extintos, como a Mansão dos Inocentes, o reduto da rapaziada boêmia da cidade. Segundo ele, a turma lá era assistida pelo Toinho da Gunda, ao qual chamavam de mordomo. Certa feita, diz o Tonico, Homerim resolveu dar uma promoção ao da Gunda, pelo seu serviço impecável na Mansão, e o promoveu a “pederasta-mor”. Sem saber do que se tratava, o da Gunda saía ufano pela cidade, alegando o título.
Um momento grandioso da visita do Tonico por aqui, foi o encontro com o Grilo, um tipo sacramentado do folclore da Vila. A prosa do Tonico é avivada pelos gestos e por um tom de voz admirável. Ele sozinho é um teatro. E de todos os causos que nos contou, um me parece de uma pureza e graça impagável. O barbeiro Isaías, disse o Tonico, em Canindé fazia a vez de tudo: de profeta, de poeta, de médico… e era barbeiro. Certa feita, fazia a barba de um cliente, um romeiro, e enquanto isso conversava e conversava com os demais no seu pequeno salão. A navalha, jamais afiada, corria solta. A brancura da espuma na cara do cliente revelava filetes de sangue. Terminado o serviço, o freguês pagou e, meio atônito, disse:
- Mestre Isaías, me dê um copo dágua.
O barbeiro apontou para um pote detrás da porta, de onde o seu cliente retirou um caneco dágua, entornou na boca e segurou o líquido enchendo as bochechas. Já meio encolerizado, Mestre Isaías pergunta:
- Por que você tá fazendo isso? O cliente, cuspindo a água, responde:
- Mestre Isaías, é pra saber onde tá vazando…
Tonico Marreiro, aonde vai, leva esse presente para seus amigos: boa prosa e alegria. E nem falei aqui na verve poética do Tonico. Mas, como ele assegurou, outra visita está prometida. Então, fica para a próxima.

Tonico, Patrícia, Grilo e Raimunda (sentada)

PPP e Tonico

Tonico e d. Maria (mãe do PPP)

As "Três Poderosas"

Patrícia

Fusca do Tonico em frente à casa do PPP


6 comentários:

  1. Tonico Marreiro, como você mesmo diz é um monumento vivo do nosso Canindé. Não há diferença de nível entre o radialista e o homem, exemplo de vigor. Sou um admirador sênior desse nosso amigo. Depois da partida de nosso historiador-mor, o Tonico é o fiel depositário da época de ouro de nossa história. Resta ao mesmo arregaçar as mangas e organizar seu vasto conhecimento pessoal e documental e nos trazer, senão uma história regular de nossa cidade, um livro que registre todos episódios jocosos, que ele os sabe muitos, para o deleite de nossa leitura.

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  2. Não conheço mais apaixonado por este Canindé. Sentar com meu pai para conversar é tocar em um assunto e o mesmo ligar a uma figura histórica, um mito popular ou uma situação vivida nos tempos de boemia. O Canindé já me roubou inúmeros momentos com meu pai. Quando moravamos em Fortaleza sua boca, sua comida, suas lembranças, eram sempre da terra natal, ou seja: sempre o Canindé me eprovocou ciúmes. Hoje, o corpo na Caridade, a cabeça no Canindé.

    O Poeta Pedro Paulo cativa seus hospedes de tal maneira que, uma vez sentados em seu terreiro olhamos para dentro da casa pensando se não cabe uma rede....kkkkkkkkkkkk.

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  3. RAPAZ, POSSO IMAGINAR A ALEGRIA QUE REINOU EM SUA CASA COM AS PROZAS DO TONICO, MINHAS ORELHAS ESTAVAM QUENTISSIMAS. ALTAY PEREIRA

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  4. Gostaria de ressaltar apenas que o fusca do TONICO é da cor SALMÃO, como ele próprio faz questão de afirmar.

    ARIEVALDO VIANA

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  5. "Diversidade" cromática fundamental, caro Cancão de Fogo, concordo plenamente....kkk

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  6. Só não me conformo é que ele tenha resolvido fazer essa visita quando nós não estamos por Canindé. Perdi a oportunidade de presenciar esse bate-papo Tonico x PPP!

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