Canindé completa hoje 165 anos de emancipação política. Em homenagem, reproduzimos uma trilogia de sonetos do seu poeta maior, Cruz Filho.*
O RAPTO DE ANDRÔMEDA
Andrômeda, a lirial filha de Cassiopéia,
Encadeada ao rochedo, aguarda iníqua morte,
As garras do Dragão de gigantesco porte,
Que faz perder a cor à princesa ceféia.
Mas ocorre a Perseu a redentora idéia
De entre eles interpor a sua espada forte,
Para o golpe deter à inexorável Sorte
E ao monstro arrebatar a formosa ipoméia.
Asas de chamas, cascos de ouro, crinas flavas,
O Pégaso condu-lo, à flor das ondas brancas,
Para despedaçar a Andrômeda os grilhões.
E unidos, logo, os dois, num mútuo beijo infindo,
Sobre o alado corcel, que galopa, nitrindo,
Voam, nos céus boreais, entre as constelações...
SONETO DE UM ESTÓICO
Que venha agora, como o disse Ovídio,
Deter-me, enfim, os vacilantes passos,
Essa, que só do corpo alcança o excídio,
Hora feita de angústias e cansaços.
Dei ao culto do Bem franco subsídio,
Não me assombra o silêncio dos espaços
E ao Silvar-me, em redor, qual negro ofídio,
A iníqua Parca cingirei nos braços.
Direi aos deuses, na minha hora extrema,
Que alcei o ideal a um místico acropólio
E que só vãos remorsos me consomem.
Plantei uma árvore e compus um poema...
Não tive herdeiro, a quem legar o espólio
Deste grito de dor, que é a vida do homem!
OS CISNES
Ao longo do juncal, que os móveis caules trança,
Abrindo, à orla do bosque, amplo círculo, estende
O belo lago azul a superfície mansa,
Que, ao centro de um vergel, à luz solar, esplende.
Enrugando o cristal, que um raio oblíquo acende,
De um quadro de Dupré a avivar a lembrança,
De cisnes um casal a ígnea planura fende,
Ao longo do juncal que os móveis caules trança.
Alvos, nobres, lá vão ambos riçando as asas,
Sob o esplendor do céu, por um sulco de brasas,
A afagar um ao outro os arrufados flancos.
Param. Falam de amor... Quem nos dera, querida,
Que fôssemos também, pelo lago da vida,
Como aquele casal de ternos cisnes brancos...
Cruz Filho
O RAPTO DE ANDRÔMEDA
Andrômeda, a lirial filha de Cassiopéia,
Encadeada ao rochedo, aguarda iníqua morte,
As garras do Dragão de gigantesco porte,
Que faz perder a cor à princesa ceféia.
Mas ocorre a Perseu a redentora idéia
De entre eles interpor a sua espada forte,
Para o golpe deter à inexorável Sorte
E ao monstro arrebatar a formosa ipoméia.
Asas de chamas, cascos de ouro, crinas flavas,
O Pégaso condu-lo, à flor das ondas brancas,
Para despedaçar a Andrômeda os grilhões.
E unidos, logo, os dois, num mútuo beijo infindo,
Sobre o alado corcel, que galopa, nitrindo,
Voam, nos céus boreais, entre as constelações...
SONETO DE UM ESTÓICO
Que venha agora, como o disse Ovídio,
Deter-me, enfim, os vacilantes passos,
Essa, que só do corpo alcança o excídio,
Hora feita de angústias e cansaços.
Dei ao culto do Bem franco subsídio,
Não me assombra o silêncio dos espaços
E ao Silvar-me, em redor, qual negro ofídio,
A iníqua Parca cingirei nos braços.
Direi aos deuses, na minha hora extrema,
Que alcei o ideal a um místico acropólio
E que só vãos remorsos me consomem.
Plantei uma árvore e compus um poema...
Não tive herdeiro, a quem legar o espólio
Deste grito de dor, que é a vida do homem!
OS CISNES
Ao longo do juncal, que os móveis caules trança,
Abrindo, à orla do bosque, amplo círculo, estende
O belo lago azul a superfície mansa,
Que, ao centro de um vergel, à luz solar, esplende.
Enrugando o cristal, que um raio oblíquo acende,
De um quadro de Dupré a avivar a lembrança,
De cisnes um casal a ígnea planura fende,
Ao longo do juncal que os móveis caules trança.
Alvos, nobres, lá vão ambos riçando as asas,
Sob o esplendor do céu, por um sulco de brasas,
A afagar um ao outro os arrufados flancos.
Param. Falam de amor... Quem nos dera, querida,
Que fôssemos também, pelo lago da vida,
Como aquele casal de ternos cisnes brancos...
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José da Cruz Filho (16/10/1884 - 29/08/1974), nasceu em Canindé. Estudou as primeiras letras no Colégio Santo Antônio, fundado pelos frades capuchinhos. Muito jovem ainda, passou a interessar-se pelas letras. Fundou, em 1903, juntamente com Augusto Rocha e Gregoriano Cruz o primeiro jornal que circulou em sua terra natal, chamado “O Canindé”. Transferiu-se na segunda década do Século XX para Fortaleza, onde desenvolveu intensa atividade jornalística e poética. Foi eleito Príncipe do Poetas Cearenses e Membro da Academia Cearense de Letras. Principais obras: Poemas dos Belos Dias (1924), História do Ceará (1931), Poesia (1949), O Soneto (1961), Toda Musa (1965), Histórias-de-Trancoso (1971). Inéditos: Poemas dos Dias Idos, Palestras de Vário Matiz, Camaféus Rústicos, O Cisne de Leda.
Foi justa a forma como o blog homenageou nossa terra. Cruz Filho, como poeta clássico e autor de livros publicados(não de promessas), continua sendo nosso poeta maior, ainda hoje estudado nos principais centros do país. Seu vocabulário é raro e abundante, não se encontra comumente nos poetas do vernáculo ninguém comparável, chegando a ser quase rebarbativo. Não poderia deixar de falar de seu poema Aldeia Natal uma elaboradíssima ode polimétrica, que, causa estranheza não ter a divulgação devida em nossas escolas, para que as novas gerações entrem em contato com o filho maior, príncipe dos poetas, feito ainda agora inigualado.
ResponderExcluirOs versos de Cruz Filho revelam um notável conhecimento da mitologia grega e da cultura clássica em geral. O nosso canindeense mais ilustre buscou a inspiração para a sua poesia no que de melhor existe da cultura ocidental, evidenciando que o Renascimento do século XVI pode ser revivido em qualquer época por homens inspirados no Bem, na Verdade e no Belo. Embora raramente vejamos essa revivescência na nossa época, nada impede que novas gerações o façam. A evolução humana não é linear, mas em espiral, de modo que tudo se repete numa oitava mais alta, numa espira mais externa (essa a imagem visual não é difícil de entender com um pouco de esforço).
ResponderExcluirÉ louvável essa iniciativa do Pedro Paulo de nos mostrar a obra de Cruz Filho, da qual pela primeira vez tomei conhecimento através do Prof. Yehude Farias, quando me contou sobre o soneto que a Estrela Maior de Canindé fez para a estrela Arcturus. A propósito, foi encontrado há algum tempo um escrito arcaico que dizia: "Você é filho do Universo, irmão das estrelas..."
Flávio Henrique