A RUA DA MINHA INFÂNCIA
Freitas de Assis
Depois
de uma semana de muitos afazeres domésticos e resolução de problemas, que
graças ao bom Deus existem para que possamos solucioná-los, chega o domingo e o
começo bem cedo com uma boa caminhada onde sempre encontro velhos amigos de
longa estrada, como o professor Zé Parecido, de minha querida CNEC; o colega
dos tempos de vôlei Junior Martins e eventualmente um ou outro companheiro de
profissão que madrugam com a mesma intenção que a minha. Depois de chegar a
casa e ajudando a esposa nas corriqueiras tarefas domésticas, após o café da
manhã começo a ver meu material de trabalho já para a segunda-feira, pois as
merecidas férias estão dando um até breve. Uma olhada no cinto de guarnição, uma
escovada nos coturnos e demais aparatos do fardamento, companheiros de um
quarto de século de minha ingrata profissão, completam a prévia preparação da
jornada que se aproxima. Depois tento colocar a leitura em dia.
É
um domingo de março chuvoso e esperançoso depois de um longo e sofrido período
de seca, que só não foi pior por vivermos em tempos modernos, de estradas e
transportes relativamente disponíveis, que trazem mercadorias de rincões
distantes sem mencionar o assistencialismo paternal do benevolente governo
distribuindo água em carros-pipa, construindo cisternas, perfurando poços
profundos e distribuindo renda em programas sociais diversos. Neste domingo
tedioso, ainda organizando a bagunça de minha nova morada, depois de anos do
aluguel comendo no mesmo prato, tiro um cochilo após uma providencial galinha
caipira doada por dona Iracema, minha cunhada que veio nos visitar vinda da distante
e acolhedora Hidrolândia, terra de gente boa e amizade sincera e que me traz
boas lembranças dos tempos em que lá habitei.
Neste
chuvoso dia, observo a água que nos refresca e enche grotas e rios, abastece os
nossos açudes, mas é também um calmante natural. Sentado em uma cadeira de
balanço e observando a chuva, o pensamento flutua e devaneia, deixando a mente
livre, quase em Nirvana, e nos permite até a um cochilo sentado, pois o local
em que moro atualmente é muito tranquilo e de poucos vizinhos, por enquanto. As
ruas que ficam por trás são mais habitadas.
A modorra é quebrada eventualmente apenas pelo teste de famigerados paredões
de som em uma loja especializada que fica bem próximo, mas nada que incomode –
e domingo ela é fechada. Morando próximo, na mesma rua, apenas o comunicador Assis
Vieira e sua família, incluindo aí sua genitora, dona Maristela, irmã da espirituosa
e jovem octogenária dona Heloísa, matriarca da família de estimados e numerosos
amigos de tempos imemoriais.
E
por falar em vizinhança, da jovialidade de anciãos e lugares onde já morei,
como Santa Quitéria e Hidrolândia, não posso esquecer da rua Romeu Martins,
onde ainda mora minha querida mãe e duas irmãs com ela, além de três netos. É
bastante extensa a rua, mas o pequeno trecho onde tenho mais amigos e
conhecidos desde longa data é o compreendido entre as proximidades da casa do
Zé Carneiro, saudoso sapateiro, e da mercearia do seu Zé Bezerra. Mas entre
este dois tem a casa dos moradores mais antigos como a da dona “de Deus”, dona
Nita, seu Dino, seu Silveira, Dona Socorro, Maísa e Edmar; Luís Doca e dona
Hilda. Meu amigo seu Expedito, que Deus o tenha em sua Graça. Seu Cid, Dona Zeza e seu Augusto, também meu
saudoso amigo. E ainda meus inúmeros amigos policiais contemporâneos de
profissão. São tantos e todos os que citei... Os mais antigos beiram os setenta
anos; outros, como seu Dino e dona Zeza, já com mais de noventa. Foram anos
bons os que eu vivi por lá. Sempre que posso vou visitar minha mãe e comer alguns
quitutes com gosto de infância.
Mas
neste domingo chuvoso liguei para ela e não fui atendido. Consigo falar com
minha irmã e pergunto por ela. Estava na casa do seu Riba prestando solidariedade
para dona Bete, sua esposa. Que fez o mesmo por minha mãe quando meu pai foi ao
encontro do Criador. Seu Riba faleceu no fim desta tarde chuvosa. Fiquei triste
pela notícia. Como não ficar? Termino estas mal traçadas com os olhos
marejados. Minha rua ficou mais triste e vazia. Alguns dos meus amigos sentirão
mais a partida do velho comerciante. Gostavam de prosear com ele enquanto
degustavam alguma bebida. Quanto aos que não citei, desculpem, faltou espaço no
papel, mas não em meu coração.
__________
* Sargento PM, colaborador do Blog.
Nenhum comentário:
Postar um comentário