ZUMBI
E A ESCRAVIDÃO
Pedro
Paulo Paulino
O
dia 20 de julho é dedicado a Zumbi, o mais famoso herói do Quilombo dos
Palmares, morto em 1695. O quilombo, situado na região hoje pertencente ao
município de União dos Palmares, Alagoas, resistiu por quase um século e se
desfez em 1710. Dessa época até a abolição da escravatura ainda se passaram
quase dois séculos, pois o Brasil foi um dos últimos países a libertar os
cativos. Não há registro, na história humana, de genocídio maior do que o praticado
durante centenas de anos contra os negros traficados da África, principalmente para
as colônias imperiais nas Américas. Tratados como bichos – para usar uma
comparação grosseira, uma vez que os bichos também devem ser tratados com
dignidade – os escravos eram submetidos aos mais cruéis tratos, suplícios e
torturas. Eram trancafiados em senzalas, marcados a ferro em brasa e trabalhavam
brutalmente sem ganho.
O
escritor Laurentino Gomes, em seu excelente livro “1808”, dedicou um capítulo
ao tema. Os dados comovem e assustam. “Entre os séculos dezesseis e dezenove,
cerca de 10 milhões de escravos africanos foram vendidos para as Américas. O
Brasil, maior importador do continente, recebeu quase 40% desse total, algo
entre 3,6 milhões e 4 milhões de cativos”, escreve Laurentino. “Na África,
cerca de 40% dos negros escravizados morriam no percurso entre as zonas de
captura e o litoral. Outros 15% morreriam na travessia do Atlântico, devido às
péssimas condições sanitárias nos porões dos navios negreiros. Da costa
atlântica, uma viagem até o Brasil durava entre 33 e 43 dias. De cada cem
negros capturados na África, só 45 chegavam ao destino final. Significa que, de
dez milhões de escravos vendidos nas Américas, quase outro tanto teria morrido
no percurso, num dos maiores genocídios da história da humanidade”.
Um
lance dramático: “No dia 6 de setembro de 1781, o navio inglês Zong, de
Liverpool, saiu da África rumo à Jamaica com excesso de escravos a bordo. Em 29
de novembro, no meio do Atlântico, sessenta negros já haviam morrido por
doenças, falta de água e comida. ‘Acorrentados aos pares, perna direita com perna
esquerda e mão direita com mão esquerda, cada escravo tinha menos espaço do que
um homem dentro de um caixão’. Temendo perder toda a carga antes de chegar ao
destino, o capitão Luke Collingwood decidiu jogar ao mar todos os escravos
doentes ou desnutridos. Ao longo de três dias, 133 negros foram atirados da
amurada, vivos”.
Segundo
o autor, no Brasil “os museus coloniais estão repletos de instrumentos
pavorosos de punição e suplício dos escravos. A punição mais comum era o açoite,
nas costas ou nas nádegas, quando fugia, cometia algum crime ou alguma falta
grave no trabalho”. O escravo era amarrado no pelourinho, exposto em praça pública
e, conforme a infração cometida, levava de cem a trezentas chibatadas. Pior que
os açoites era, talvez, o tratamento aplicado depois. Em carne viva, as costas
dos negros punidos eram lavadas com sal e pimenta, para evitar infecção. A morte
do escravo, enfim, era prejuízo para o dono.
Tudo
isso aconteceu na história contemporânea, há pouco mais de um século e durante
os dois mil anos da cristandade. A Igreja Católica, por sinal, calou-se
friamente durante todo esse período a respeito da escravidão. Toda a
fraseologia e palavreado dos clérigos, pastores, guiadores espirituais dos povos
sequer tocou no assunto. Mesmo porque os religiosos também eram senhores de
escravos. Escravizar o semelhante foi, por centenas de anos, ou continua sendo,
a coisa mais natural do mundo para o homem dito civilizado.
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