FAMOSOS
SEM SEPULTURA
Pedro
Paulo Paulino
No
dia consagrado aos mortos, vem-me à reflexão aqueles que se foram e não tiveram o
abrigo digno de uma sepultura. Isto vale tanto para os anônimos quanto para as
celebridades. No primeiro grupo, existe uma numerosa quantidade de pessoas,
incluindo as vítimas de epidemias, acidentes aéreos de grande proporção e os
mortos na guerra, por exemplo. No grupo das pessoas famosas, dentre outros, pelos
menos dois grandes vultos universais não deixaram seu endereço final.
De
Camões, lê-se que: “Entre 1579 e 1581 grassa em Lisboa, mais uma vez, violenta
peste. A morte sobrevém em quatro ou cinco dias. No meio do caos reinante, com
a acumulação de cadáveres para ser inumados, o corpo de Camões é apenas
envolvido numa mortalha e lançado, com os de outras numerosas vítimas da
epidemia, na cripta da Igreja de Santa Ana. Um terremoto em 1755 destrói o
templo e mistura ainda mais as ossadas que sob ele jazem. Em 1880 todos os
despojos que ali se encontram são levados para o Panteão dos Jerônimos, onde
ficam sepultados, na esperança de que entre eles estivessem os restos do maior
poeta português”. No dia da morte do autor de Os Lusíadas, 10 de junho de 1580,
O historiador Diogo do Couto limitou-se a esse necrológio: “Em Portugal morreu
este excelente poeta em pura pobreza”.
Wolfgang
Amadeus Mozart, morto aos 35 anos, também foi enterrado numa vala comum no
Cemitério São Marx em Viena. O túmulo do músico genial é apenas um cenotáfio – monumento
erigido à memória do morto, sem conter seus restos mortais. Sua morte, pelo que
se sabe, também não foi motivo de comoção coletiva. O rival Salieri e apenas
mais quatro pessoas acompanharam o cortejo fúnebre de Mozart, mas voltaram da
porta do cemitério devido ao mau tempo.
Já
Albert Einstein, que conviveu com a imortalidade do seu nome, pediu para que seu
corpo fosse cremado e as cinzas jogadas em lugar ignorado. O gênio da
Relatividade temia que seu túmulo virasse lugar de peregrinação.
Um
caso diferente foi o do político e intelectual Thomas Paine, tido como um dos “pais
fundadores dos Estados Unidos da América”. Paine morreu em 1809, aos 72 anos, e
seu corpo foi enterrado em Nova York. Tempos depois, seus restos mortais foram para
sempre perdidos durante traslado para a Inglaterra, seu país de origem. O mais
recente caso de uma celebridade mundial nessa categoria dos sem-túmulo é o
terrorista Osama Bin Laden, que teve o mar como sepultura – pelo que dizem.
No
Brasil, também, personalidades da história não tiveram a honra de ser
enterrados dignamente. Deles, o mais contemporâneo nosso, Ulisses Guimarães,
nome de relevo na luta pela redemocratização nacional, morreu num acidente
aéreo e seu corpo perdeu-se no mar. Lampião foi morto, decepado e sua cabeça
exposta ao público na calçada duma igreja. Antes dele, Antônio Conselheiro, o
quase invencível líder sertanejo, desapareceu nos últimos dias de Canudos. Um
corpo tido como o dele foi desenterrado dias depois e o crânio examinado pelo
professor Nina Rodrigues.
Transitar
da vida para a morte sem deixar vestígios do próprio corpo parece ter um charme
especial. Por outro lado, o defunto célebre deixa de oferecer a oportunidade de
muita gente visitar seu túmulo, sabendo que ali estariam os despojos físicos de
um vulto imortal.
Nas
grandes cidades do mundo, os cemitérios são verdadeiros pontos turísticos, a
exemplo do cemitério Père Lachaise, em Paris, onde estão sepultados, no meio de
mais de 70 mil túmulos, os escritores Molière, Balzac, Oscar Wilde, o músico
Chopin e Alan Kardec. Aqui mais perto de nós, o túmulo do Padre Cícero, em
Juazeiro do Norte, atrai milhares de pessoas no dia de Finados, numa calorosa
romaria ao santo nordestino.
Nas
necrópoles, desenvolveu-se até um outro tipo de arte, a arte tumular, que
transforma o cenário pesaroso dos cemitérios em locais atrativos aos olhos. São
monumentos e esculturas em grande estilo ornamentando as lápides e embelezando
a cidade dos mortos. Além das artes plásticas, os cemitérios das grandes
cidades guardam ainda outro tipo de cultura: os epitáfios.
Em
essência, o epitáfio é a última palavra de quem se foi. Deve ser lacônico como
a vida e feito para sempre como a morte. Há dois epitáfios famosos que, a meu
ver, são os mais belos. O primeiro é o do poeta Álvares de Azevedo, em cujo
túmulo está escrito: “Foi poeta, sonhou e amou na vida”. O segundo é o do
escritor Fernando Sabino, composto por ele mesmo: “Aqui jaz Fernando Sabino.
Nasceu homem, morreu menino”. Brás Cubas, personagem fictício de Machado de
Assis, faz uma dedicatória em tom de epitáfio: “Ao verme que primeiro roeu as
frias carnes do meu cadáver dedico, como saudosa lembrança, estas memórias
póstumas”. Enfim, quem não escreve seu epitáfio, cala-se mais.
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