O VALOROSO SARGENTO JOTAPÊ
Pedro Paulo Paulino
A cidade de
Canindé perde um personagem dos mais conhecidos de suas ruas. Morreu atropelado,
na manhã do último domingo, João Paulo de Sousa Medeiros, o caricato Sargento
Jotapê, que contava pouco mais de 30 anos de idade. Se é comprovado que a
vocação não escolhe criaturas, a vocação para as armas, em seu voo cego,
aterrissou de cheio na cabeça do Jotapê e dali nunca mais bateu asas. Pois se o
destino não lhe favoreceu seguir seu ideal segundo a razão, de outro modo ele o
fez.
Rigorosamente uniformizado,
era sempre assim que ele aparecia em diversos lugares, sem lhe importar que o
traje fosse velho e amarrotado ou que a boina ou o quepe excedesse em tamanho;
o importante era não abandonar a farda. O coturno surrado e rasgado também não
lhe diminuía a grandeza da sua vocação, expressa por ele com muita seriedade. Na
sua curta carreira militar, cumpriu uma hierarquia meio confusa, de acordo com os
fardamentos velhos que conseguia adquirir entre os amigos.
Personagem
perfeito e acabado, como aqueles da ilustre Casa Verde do Dr. Simão Bacamarte,
o Sargento Jotapê era um voluntário incondicional da Pátria, um miliciano
aguerrido, defensor da moral e dos bons costumes. Cultivava amizades e por isso
era querido de todos. Seu olhar melancólico talvez reclamasse a manifestação de
outros abnegados que como ele engrossassem as fileiras do seu exército fantasioso
e da sua militância filantrópica. Isto porque abraçou as armas tempos depois
que saiu de cena outro voluntarioso, por nome Valdemar Teixeira Lopes, o VTL,
que por conta própria resolveu também envergar uma farda e se fazer quixotescamente
guarda de trânsito da cidade, antes que esta tivesse um departamento dessa
ordem.
Nosso herói mais
recente, contudo, foi mais longe, e se é suposto que não logrou alcançar de
todo o oficialato, a culpa, em suma, não lhe cabe. O indubitável é que, em
tempos de tamanha conturbação e de insegurança pública, o valoroso Sargento
Jotapê não se rendia a crises nem fazia conta de outra coisa senão exercer o
seu ofício. Comparecia dessa forma nos mais variados pontos da cidade, dia e
noite, inspecionando cada esquina, detendo-se em cada vulto suspeito, observando
tudo e proclamando a ordem. Caminhava com passos regulares e sonoros, quase
numa marcha bélica. Para os mais próximos, batia continência e passava,
carregando nos ombros as insígnias do seu delírio e na
cabeça o seu mundo fantástico, um mundo paralelo ao do restante dos homens que
se julgam sãos.
Magnífico, Pedro Paulo.Com a sua sensibilidade você retratou com fidelidade um personagem que talvez passasse despercebido a muitos, Você conseguiu penetrar na alma do personagem e traduzir para nós a realidade da condição humana, a dele e a nossa, sendo esta última cega e mergulhada no egoísmo e interesse pessoal, ao ponto de não perceber a presença de pessoa tão singular.
ResponderExcluirFlávio Henrique