No Dia Mundial da Ecologia e do Meio Ambiente,
repriso a publicação desse cordel do poeta Wanderley Pereira.
QUEIXA DE UMA ÁRVORE EM EXTINÇÃO
AO AUTOR DA NATUREZA
Wanderley Pereira*
Eu
vou contar uma história
Que
precisa ser ouvida
Por
adultos, por crianças,
Por
pessoa esclarecida,
Por
quem queira refletir
Aqui
na nossa floresta,
Das espécies
de primeira,
Tinha
uma delas famosa
Que
se chamava aroeira;
De
tanto ser desmatada,
Sumiu
da mata costeira.
Foi
para nós planta nobre
Por
ter grande utilidade
Para
os homens do sertão,
Para
os homens da cidade,
Os
mesmos que decretaram
Seu
fim sem necessidade.
Uma
dessas que escaparam
Do
desmatamento humano,
Foi
levada por um Anjo
Ante
o Todo Soberano,
Para
pedir providências
Contra
esse furor tirano!
Aproveitando
essa festa
Das
árvores – que beleza!
Vou
relatar aos leitores,
Transtornado
de tristeza,
A
queixa de uma aroeira
Ao
Autor da Natureza:
Eu
já sofri no Planeta
Tamanha
perseguição,
Que
os homens me utilizaram
Para
fabricar caixão,
Para
cepo de moinho,
Pra
fazer mão-de-pilão.
Eu
já fui pau-de-porteira,
Também
mourão-de-curral,
Estaca
nas construções,
Já
fui cerca de quintal,
Caixão
de guardar farinha,
Tábua
pra fazer portal.
Fui
móvel de casa rica,
Fui
linha na cumeeira,
Fui
galamarte na roça,
Já
fui pau-de-bulandeira,
Fui
forquilha de barraca,
Lenha
pra fazer fogueira.
Onde
houvesse uma aroeira,
Tinha
um machado certeiro,
Estava
na preferência
De
qualquer um fazendeiro
Pra
fazer canga de boi
E
até banco de terreiro.
Eu
tinha que estar presente
Na
mais humilde fazenda,
Nos
engenhos de madeira
Eu
servia de moenda,
E na
casa da rendeira
Fui
bilro de fazer renda!
Fui
Cantareira de pote
E
cancela de cercado;
Servi
de cunha de enxada
E de
cabo de machado,
Fui
também tábua de sótão,
Fui
estrado de sobrado.
Fui
prateleira em bodega,
Fui
tablado de armazém,
Onde
se lotavam sacos
Desembarcado
do trem,
Até
poleiro em quintal
De
mim fizeram também!
Como
cruz de cemitério
Eu
fui usada à vontade,
Duro
era gravar em mim
Data
e a palavra saudade;
Servi
também de cruzeiro
Nas
entradas de cidade.
Também
em torres de igreja
Estive
sempre sozinha,
Nunca
assisti a uma missa,
Pois
sempre foi sorte minha
Servir
de pouso a coruja
E à
sempre alegre andorinha!
Fizeram
de mim porrete
Para
bater e matar,
Também
grades de cadeia
Para
o preso não quebrar;
Gamela
pra botar mel,
Mesa
em sala de jantar.
Fui
trava em carro-de-boi,
Fui ferrolho de portão,
Torno
de pendurar sela,
Fui
cepo de caminhão,
Tramela
em porta de igreja,
Pau
dentro de cacimbão.
Já
fui também tecelagem
Para
fios de algodão,
Tronco
para amarrar bichos,
Dia
de feira no sertão,
Muleta
para aleijado,
Tora
pra fazer pião.
Fui
também colher-de-pau,
Fui
tamborete e cadeira,
Fui
armário de cozinha
E
fui espreguiçadeira,
Fui
litro de medir milho,
Farinha
e feijão na feira.
Muitas
vezes me cortaram,
Quando
em plena floração,
Só
para fazer cangalha,
Ou
me queimar pra carvão,
Pra
ser torno de armador
Ou
madeira pra balcão.
Vivi
sempre de servir
A
todo ser, a toda hora,
Tive
mil utilidades;
Para
quem não me ignora,
Servi
também de remédio
De
medicina da flora.
Até
meu fruto vermelho
Também
se prestava à cura
De
doenças que levavam
Muita
gente à sepultura;
Era
empregada também
Pelos
índios na tintura.
A
minha casca era usada
Em
tratamentos com banho,
Em
infusões para cura
De
mal de todo tamanho,
Sobretudo
inflamações
De
algum ferimento estranho.
O
mel da minha florada
Curava
tosse e bronquite,
E o
chá para inalação
Era
bom pra sinusite,
Como
também a infusão
Curava
tumor, gastrite!
O
poder cicatrizante
Que
a minha seiva detinha
Era
igual ao do mastruz
Que
emenda pé-de-galinha;
Só
que o mastruz tem efeitos
Que
a minha seiva não tinha.
Um
condimento de folhas
Aplicado
em animal,
Era
igual a um laxativo
Pra
limpeza estomacal,
E o
bicho no mesmo instante
Se
libertava do mal!
Meu
miolo era tão duro
Que
havia fazendeiro
Que
não tendo perto um banco,
Contratava
um carpinteiro
Que
de mim fazia um cofre
Para
guardar seu dinheiro.
Assim,
nunca tive paz,
Era
sempre procurada,
Mesmo
sem necessidade,
Na
mata eu era cortada
E
levada pra fazenda,
Ficando
lá encostada.
Com
a chegada do progresso,
Eu
fui poste de energia,
Antes,
transportei os fios
Da
velha telegrafia;
Servi
de lastro pra pontes,
Fui
base de ferrovia!
Tive
tanta serventia
Que
muitas delas nem sei,
Só
sei que fui perseguida
Como
madeira-de-lei,
E
outras da minha família
Se
tem, não mais encontrei!
Entre
as espécies extintas
Eu
sei que estou na fileira,
Porque
não fui replantada
Nem
poupada na fogueira,
Sou
conhecida hoje em dia
Só
pelo nome: aroeira!
*Poeta e jornalista.
Pedro, adorei o seu cordel! Muito rico em informações e poesia. Parabéns!
ResponderExcluirCreusa meira
Só lembrando que esse cordel não é de minha autoria, mas de Wanderley Pereira. Também acho que é muito rico de informações. Abçs.
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