domingo, 5 de junho de 2011

MOLEZA DOMINICAL


DO CONTO DO VIGÁRIO

Hélio Passos*

Num texto publicado no diário ‘Sol’, edição de 30 de outubro de 1926, em Lisboa, Fernando Pessoa (1888-1935) nos dá a origem do conto-do-vigário, que nada tem a ver com padre, sacerdote ou pároco. Tudo começa com um negociante de gado, chamado Manuel Peres Vigário, que para pagar dívidas comprou dinheiro falso, alguns contos de réis, passou-os adiante e logo tudo se espalhou em cima do “conto de réis” do Manuel Vigário, e daí o conto-do-vigário que corre mundo afora até hoje, raiz da vigarice, do vigarismo, do vigarista. Os golpes praticados por eles são inumeráveis e cada vez mais criativos. Conheço um, real, genial, antigo, ocorrido no Rio de Janeiro. Acharam na igreja uma carteira com dinheiro. Os bons frades avisaram que iam devolvê-la, desde que o dono provasse o que ela continha. Um vigarista soube do caso e pôs anúncio no jornal, dizendo ter encontrado uma carteira, pedindo ao dono que passasse por sua casa. Desconhecendo o aviso na igreja, o perdedor da carteira, depois de ler o anúncio, foi ao endereço citado e disse tudo o que a carteira continha, cédulas tais, documentos tais. O vigarista anotou... anotou... mas disse logo que nada conferia e mostrou-lhe uma carteira velha que tirou do bolso. Desapontado, o homem se conformou, e o vigarista correu à igreja, descreveu aos frades a carteira e o conteúdo e recebeu o dinheiro. A criatividade do golpe, de tão elogiada na imprensa, inspirou José de Alencar na comédia “Verso e reverso”, sucesso no teatro. Diz Machado de Assis que a mais antiga forma de ficção que se conhece é o conto-do-vigário, “um conto especial, tão célebre como os outros, e mais lucrativo que nenhum”. No Brasil, país de vigaristas de todas as cores e gravatas, o conto do vigário tem criadores e plagiários. Nos casos habituais dos bilhetes de loteria falsamente premiados, que um espertalhão impinge à ingenuidade alheia, deveriam ir para a cadeia o vendedor e o comprador. Este, por falta de malícia. Aquele, por falta de imaginação.

*Jornalista.

Um comentário:

  1. Notável mesmo nos dias atuais é o Conto do Baludo, que volta e meia ocorre, rotineiramente aplicado sempre com a mesma lorota. Sim, porque nos dias de Fernando Pessoa, vá lá, que se usasse anúncios classificados para aplicar golpe, mas hoje, com Web e tudo mais, como desconhecer essa manjadíssima variante do conto do Vigário?

    ResponderExcluir