Texto/fotos: Pedro Paulo Paulino
A hora “H” da
grande luta aproxima-se. Desde cedo, ouvem-se os estampidos dos rifles de
cangaceiros e soldados, que em confronto e montados em seus cavalos atravessam velozmente
a pequena Soledade, situada no meio do sertão do Ceará. O regresso de Emerenciano,
remanescente do bando de Lampião, deixa a cidade em polvorosa. O bandoleiro
retorna com o propósito de fazer vingança, dez anos depois de ter sido
humilhado, espancado e preso pela população.
28 de março
de 1991. Depois de duas semanas agitadas,
uma equipe de produção da tevê Globo despede-se de Vila Campos, no interior de
Canindé, onde aconteceram as filmagens do especial “Os homens querem paz”.
Nesse período, o cotidiano da pacata vila, então transformada na Soledade dos
anos 30 – palco de ataque do bando de Lampião –, viveu momentos de alvoroço.
Nada antes
nem depois aconteceu na localidade, que se tornasse tão marcante na memória do
seu povo, quanto a chegada da equipe televisiva, com seus caminhões carregados
de apetrechos: câmeras, monitores, geradores, refletores, grua, trilhos etc.
Dois ônibus leito transportavam técnicos, cenógrafos e o elenco que incluía
Herson Capri, Roberto Bonfim, Cláudio Mamberti, Flávio Migliaccio, Regina
Dourado, Haroldo Serra, Roberto Frota, Paulo Betti e a estreante Letícia
Sabatella.
Além dos equipamentos
que trazia, em Vila Campos a produção adquiriu 50 cavalos e cavaleiros, 50 cães
e até uma coruja. Para que o lugarejo se transformasse na fictícia Soledade,
foram removidos os postes de eletrificação, paredes foram envelhecidas e outros
sinais de modernidade foram camuflados. Não demorou, também, para que seus
habitantes tomassem parte nas gravações. E assim, muitos deles tiveram que
abandonar temporariamente a roça – já que era inverno e o sertão estava banhado
de chuvas – para participar das cenas. Desde já, figurantes trajavam
triunfalmente seus uniformes de policiais da volante do sargento Romão (Roberto
Bonfim) ou roupas de cangaceiro e ouviam as vozes de comando de Luiz Fernando
Carvalho, diretor do filme.
No desenrolar
das tomadas, o bucolismo característico do lugar desaparece. O pátio amplo da
vila, até então movimentado uma vez por ano nos festejos do padroeiro, é
sacudido estrondosamente pelo tropel de cavalos, tanto dos cangaceiros quanto
dos soldados, numa atmosfera típica de guerra.
A casa de
Antônio Paulino passa a ser a casa do promotor Dr. Olympio (Herson Capri). Ao
lado da capela, a casa da professora Susana Viana vira o orfanato dirigido pelo
padre Rolim (Claudio Mamberti). O casarão de seu Pedro Silva, patriarca do
lugar, torna-se então a residência de Joca de Amália (Roberto Frota). O boteco
da vila serve como a oficina do ferreiro (Haroldo Serra). O grupo escolar é
agora a delegacia. E a prosaica bodega de seu Júlio Gomes transforma-se no
armazém São Roque.
Sobre a
calçada extensa da velha bodega, um número vistoso de curiosos, vindos de
vários lugares, assiste aos trabalhos de filmagem, observa ao vivo a meticulosa
e árdua tarefa cinematográfica, e nos intervalos, pedem autógrafos. Muitas
cenas são gravadas e regravadas, até atingir a qualidade final.
Pesquisando
entre os campesinos uma fisionomia parecida com a de Lampião, o olhar clínico
da produção viu no rosto de um sertanejo pacífico, traços semelhantes aos do
rosto do famigerado bandoleiro. Não deu outra. Em instantes, estava o Chico
Manoel encarnando o Rei do Cangaço. A pequena Daniela Paulino fez o papel de
Ritinha na infância, personagem da atriz Letícia Sabatella.
Ação! Na
batida da claquete, de repente o pátio inteiro vê-se inundado da poeira gerada
por uma máquina sobre um caminhão cheio de areia. Os figurantes correm atônitos
para lá e para cá. O padre, o promotor, o delegado e demais autoridades
articulam nervosamente um meio para expulsar o cangaceiro. E por aí vai se
desdobrando a trama.
Soledade vive
momentos de apreensão e terror. E Vila Campos vive seu momento de
glória e de fama, com seu nome estampado em páginas de jornais e sua paisagem
vista nacionalmente na tela da tevê. Clima de perfeito entrosamento entre
produção, atores, figurantes e moradores. Soldados e cangaceiros, nos intervalos,
discutem com festa a atuação deles.
Naquele último dia das gravações, que era uma quinta-feira santa, a chuva constante contribuiu para fermentar a lembrança nostálgica que ficaria em quem testemunhou aquele inverno diferente, cheio de novidades e de animação para a rotina monótona do lugar. Até parece que as cenas ficariam gravadas mais na memória dos nativos do que na película que foi ao ar no dia dois de abril daquele ano. É como se tivesse sido ontem. De forma que hoje, quando se comenta esse acontecimento em Vila Campos, não há quem não se interrogue, com espanto: já faz 27 anos?!
Naquele último dia das gravações, que era uma quinta-feira santa, a chuva constante contribuiu para fermentar a lembrança nostálgica que ficaria em quem testemunhou aquele inverno diferente, cheio de novidades e de animação para a rotina monótona do lugar. Até parece que as cenas ficariam gravadas mais na memória dos nativos do que na película que foi ao ar no dia dois de abril daquele ano. É como se tivesse sido ontem. De forma que hoje, quando se comenta esse acontecimento em Vila Campos, não há quem não se interrogue, com espanto: já faz 27 anos?!
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