quarta-feira, 28 de março de 2018

HÁ 27 ANOS, VILA CAMPOS VIROU PALCO DE GUERRA


Texto/fotos: Pedro Paulo Paulino

A hora “H” da grande luta aproxima-se. Desde cedo, ouvem-se os estampidos dos rifles de cangaceiros e soldados, que em confronto e montados em seus cavalos atravessam velozmente a pequena Soledade, situada no meio do sertão do Ceará. O regresso de Emerenciano, remanescente do bando de Lampião, deixa a cidade em polvorosa. O bandoleiro retorna com o propósito de fazer vingança, dez anos depois de ter sido humilhado, espancado e preso pela população.
28 de março de 1991.  Depois de duas semanas agitadas, uma equipe de produção da tevê Globo despede-se de Vila Campos, no interior de Canindé, onde aconteceram as filmagens do especial “Os homens querem paz”. Nesse período, o cotidiano da pacata vila, então transformada na Soledade dos anos 30 – palco de ataque do bando de Lampião –, viveu momentos de alvoroço.
Nada antes nem depois aconteceu na localidade, que se tornasse tão marcante na memória do seu povo, quanto a chegada da equipe televisiva, com seus caminhões carregados de apetrechos: câmeras, monitores, geradores, refletores, grua, trilhos etc. Dois ônibus leito transportavam técnicos, cenógrafos e o elenco que incluía Herson Capri, Roberto Bonfim, Cláudio Mamberti, Flávio Migliaccio, Regina Dourado, Haroldo Serra, Roberto Frota, Paulo Betti e a estreante Letícia Sabatella.
Além dos equipamentos que trazia, em Vila Campos a produção adquiriu 50 cavalos e cavaleiros, 50 cães e até uma coruja. Para que o lugarejo se transformasse na fictícia Soledade, foram removidos os postes de eletrificação, paredes foram envelhecidas e outros sinais de modernidade foram camuflados. Não demorou, também, para que seus habitantes tomassem parte nas gravações. E assim, muitos deles tiveram que abandonar temporariamente a roça – já que era inverno e o sertão estava banhado de chuvas – para participar das cenas. Desde já, figurantes trajavam triunfalmente seus uniformes de policiais da volante do sargento Romão (Roberto Bonfim) ou roupas de cangaceiro e ouviam as vozes de comando de Luiz Fernando Carvalho, diretor do filme.
No desenrolar das tomadas, o bucolismo característico do lugar desaparece. O pátio amplo da vila, até então movimentado uma vez por ano nos festejos do padroeiro, é sacudido estrondosamente pelo tropel de cavalos, tanto dos cangaceiros quanto dos soldados, numa atmosfera típica de guerra.
A casa de Antônio Paulino passa a ser a casa do promotor Dr. Olympio (Herson Capri). Ao lado da capela, a casa da professora Susana Viana vira o orfanato dirigido pelo padre Rolim (Claudio Mamberti). O casarão de seu Pedro Silva, patriarca do lugar, torna-se então a residência de Joca de Amália (Roberto Frota). O boteco da vila serve como a oficina do ferreiro (Haroldo Serra). O grupo escolar é agora a delegacia. E a prosaica bodega de seu Júlio Gomes transforma-se no armazém São Roque.
Sobre a calçada extensa da velha bodega, um número vistoso de curiosos, vindos de vários lugares, assiste aos trabalhos de filmagem, observa ao vivo a meticulosa e árdua tarefa cinematográfica, e nos intervalos, pedem autógrafos. Muitas cenas são gravadas e regravadas, até atingir a qualidade final.
Pesquisando entre os campesinos uma fisionomia parecida com a de Lampião, o olhar clínico da produção viu no rosto de um sertanejo pacífico, traços semelhantes aos do rosto do famigerado bandoleiro. Não deu outra. Em instantes, estava o Chico Manoel encarnando o Rei do Cangaço. A pequena Daniela Paulino fez o papel de Ritinha na infância, personagem da atriz Letícia Sabatella.

Ação! Na batida da claquete, de repente o pátio inteiro vê-se inundado da poeira gerada por uma máquina sobre um caminhão cheio de areia. Os figurantes correm atônitos para lá e para cá. O padre, o promotor, o delegado e demais autoridades articulam nervosamente um meio para expulsar o cangaceiro. E por aí vai se desdobrando a trama.
Soledade vive momentos de apreensão e terror. E Vila Campos vive seu momento de glória e de fama, com seu nome estampado em páginas de jornais e sua paisagem vista nacionalmente na tela da tevê. Clima de perfeito entrosamento entre produção, atores, figurantes e moradores. Soldados e cangaceiros, nos intervalos, discutem com festa a atuação deles.
Naquele último dia das gravações, que era uma quinta-feira santa, a chuva constante contribuiu para fermentar a lembrança nostálgica que ficaria em quem testemunhou aquele inverno diferente, cheio de novidades e de animação para a rotina monótona do lugar. Até parece que as cenas ficariam gravadas mais na memória dos nativos do que na película que foi ao ar no dia dois de abril daquele ano. É como se tivesse sido ontem. De forma que hoje, quando se comenta esse acontecimento em Vila Campos, não há quem não se interrogue, com espanto: já faz 27 anos?!




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