DEPOIS DA FESTA
Pedro Paulo Paulino
Durante a alta estação
da romaria em Canindé, há um clichê tão repetido, que é como se fosse um
comando gravado no cérebro e acionado automaticamente. Trata-se do “depois da
festa” – uma frase curta, mas de enorme efeito, que implicitamente e de caráter
recíproco é acatada e compreendida por todos.
Aquele
compromisso, aquele projeto, aquela incumbência antes impreterível, aquela promessa
de algo, ficam agora reservados para... depois da festa. O passeio fora da
cidade, a compra de um objeto, o filme inédito, o encontro rotineiro que põe em
dia a fofoca da rua, tudo agora fica para... depois da festa.
Isto
porque a festa de São Francisco absorve de corpo e alma a maioria dos
habitantes da cidade, dedicados neste momento a ocupações extras, licenciados de
seus afazeres costumeiros e voltados exclusivamente para os dez felizes dias de
agitação. É aí que entram em campo, com todo o seu poder de convencimento, com
todo o seu conteúdo profundo e significativo, essas três palavrinhas mágicas: “depois
da festa”.
E
não existe quem, sendo nativo, contraponha-se ao “depois da festa”, uma vez que
todos compartilham essa espécie de senha temporária no convívio social. É um
recurso indispensável na agenda coletiva. É quase um patrimônio linguístico da
cidade. Por isso, a frase tem aquele peso de uma fórmula e reduz em si um amplo
conceito psicológico, talvez. É traduzida instantaneamente no inconsciente de
quem a ouve. “Depois da festa” encerra ideia de tolerância, transigência,
complacência etc.
“Depois
da festa, eu falo contigo”, por sua vez, é tão-somente um desdobramento suave da
sentença por demais utilizado. Pode-se também, mesmo a distância, fazer aquele
gesto positivo com o polegar, e dizer alto a um conhecido: “Depois da festa,
viu?!”. Neste gesto e palavras aparentemente vagos impera um incrível consenso
íntimo, um entendimento tácito organicamente captado pelo ouvido. Por convenção,
até dívidas ficam proteladas para... depois da festa. Mesmo porque, a festa de
São Francisco, apesar de seu valor espiritual, torna-se ainda, para muita
gente, aquela chance periódica de engordar a burra ou, noutro dizer bem nosso,
“limpar o cabelo”. Assim sendo, diletos credores, até... depois da festa.
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