segunda-feira, 9 de maio de 2016

CRÔNICA


MEU BOM AMIGO HOMERIM

Pedro Paulo Paulino

Na manhã de ontem, domingo, compareci ao enterro de um amigo. De um grande amigo. A cidade onde ele nasceu e viveu sua juventude representou-se no velório e no sepultamento, por meio de seus filhos mais estimados, senhores e senhoras, amigos e parentes. Homero Martins Filho, o Homerim tão popular, foi embarcado na carruagem da morte encerrando aos 78 anos uma existência bem aproveitada. Canindé, seu chão, fica mais vazio em seu gracejo, em sua molequice sadia, em seu bairrismo, em sua festa de S. Francisco e em sua legião dos homens bons.
Quem adentrasse o salão mortuário não seria contaminado por aquela atmosfera grave e lúgubre própria dessas ocasiões. Isto porque, o espírito e a memória do Homerim jamais permitiriam que, mesmo em face de sua morte, reinassem em torno dele a tristeza e o pranto. Em vez disso, um ar de alegria, leve e tocante, dominou o recinto. E em volta do caixão, nem choro dramático, nem soluços de profundo pesar, pois o que se ouviu mesmo foi o toque dolente do violão do Chico Walter seguindo a voz da Mirna Uchoa que entoou uma velha canção bem ao gosto do extinto boêmio, um dos derradeiros inquilinos da antiga “Mansão dos Inocentes”, a confraria ilustrada dos moços de sua época.
Enquanto isso, lá fora ouviam-se também historietas bem-humoradas, puxadas uma a uma pelos amigos mais próximos do saudoso amigo. Homerim era a crônica ambulante em carne e alma da cidade de Canindé, a caricatura das boas tradições locais. Especialmente, do Canindé dos anos sessenta, das serestas em noites de lua, das barracas do rio na festa do padroeiro e daquela convivência ainda provinciana, saborosa e pacífica.
Boêmio no sentido mais salutar e puro do termo, nosso bom amigo soube, como ninguém, preservar suas amizades, enquanto construía outras tantas, regadas sempre pelo seu bom-humor, pela sua prosa particular, suas pilhérias sem ofensa, sua lealdade e seu jeitão completo de ser. Tinha o dom de motejar sem ferir, de cativar à primeira vista e de colecionar amizades, tal como colecionava bonés. Seus amigos eram de todas as cores e idades, sem distinção.
Tinha ele a mais o dom de botar apelidos, nas coisas e nas pessoas. Em troco, ganhou da corriola à qual pertencia, como membro decano e egrégio, vários epítetos. Era o “Vermelho”, para uns; o “Elemento”, para outros; o “Meliante”, para outros mais; e, para os mais recatados, o “Mons. Martins”, dado o seu fenótipo alemoado, rubro, de boa estatura e cabeleira branca. Dele, o radialista e escritor Tonico Marreiro conta as mais engraçadas histórias, colhidas ao longo da parceria entre ambos nos idos tempos de boêmia. Anedotas que, por sua vez e para proveito da cultura local, já estão imortalizadas em páginas de livros, como bem o comprovam o escritor Augusto Cesar Magalhães Pinto e o próprio Tonico.
Na manhã ensolarada deste último domingo, dedicado às mães, um cortejo de amigos acompanhou o féretro do Homerim, cujo corpo foi devolvido à Mãe Terra, em algum recanto do cemitério S. Miguel de Canindé. Entre o riso e a saudade, leva-o a morte em sua carruagem sem freio e sem destino. Na cidade e nas pessoas do seu convívio, ficam seu emblema e sua lembrança tão marcante quanto adorável. Em mim, particularmente e acima de tudo, fica dele a grata e fiel amizade – que nem a morte leva.

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