sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

CRÔNICA


UMA FÊNIX QUE DESCANSA

Pedro Paulo Paulino

A última vez que ele me visitou em minha morada foi numa tarde de maio de 2013. O sertão, ainda verde, respirava o ar fresco próprio desse período do ano, e o meu fabuloso amigo chegou dando mostras de força e alento no seu espírito absolutamente livre. Espichou-se tranquilamente na rede armada no alpendre, mirou a paisagem em volta, molhou a palavra, sorriu e dissertou sobre a natureza, o clima, as aves, o solo, a vida no campo e um sem-número de outros assuntos passados em revista pelo seu olhar agudo. Vinha de mais uma das muitas batalhas que nos últimos anos travou contra a indesejada. E sobre o tema, pormenorizou os desafios, as lutas, vitórias, erros e acertos, com a grandeza de conhecimento que lhe era habitual.
Embora o corpo não escondesse os estigmas do cansaço da guerra contra a doença que o fragilizava, nada, no entanto, diminuía-lhe o brilho da mente que, mais do que nunca, faiscava cheia de ideias – e estas se exteriorizavam através dos olhos claros como dois fachos de luz focando longe, enxergando muito além do que pode alcançar o mortal comum.
O entusiasmo, o sabor da vida, a razão da existência batiam-lhe no peito enfermo com um fervor de fazer inveja ao mais saudável coração.
Naquela sua euforia de passarinho liberto, de inteligência em ebulição, de alegria transparente, previu metas de trabalho que pretendia alcançar, iluminado pela criatividade maravilhosa. Apenas com isto estava ele fazendo jus ao Uiaretê que conheci no correr dos anos oitenta e que era ainda funcionário do Banco do Brasil e, pouco tempo depois, tornou-se o projetista agrícola com uma lista de incontáveis trabalhos aprovados pelo Banco do Nordeste. Pois este era o seu lado forte: projetar, idealizar, criar alternativas, apontar caminhos diferentes.
Embora o homem de pensamento grande não fosse também o homem pragmático, isto pouco lhe importava, visto que ele era um laboratório de ideias em constante agitação. Diluindo-se entre a teoria e a prática, via-se nele uma inteligência fulgurante, acompanhada de espírito avançado e de índole adorável que congregavam numa só pessoa o tipo de cientista maluco e o de boêmio irreverente ou, para melhor dizer, alguma coisa entre ficção e realidade.
Ricardo Uiaretê de Oliveira Paiva, o Tetê da família, o “Doido” querido do seu círculo abrangente de amizade ou, em particular, o “Imorrível” da sua ala especial de admiradores, abre em Canindé uma daquelas lacunas jamais preenchidas antes nem depois. No ringue em que vida e morte se enfrentam, ele participou heroicamente de diversos rounds, como espectador umas vezes, noutras vezes como juiz da luta. E toda vez que a vida lhe foi nocauteada, ele reagiu, reergueu-se, recompôs-se, bateu a cinza e encarou nova competição. Neste último round, o guerreiro dorme. Porque, convenhamos, Fênix precisa, algum dia, também descansar.

2 comentários:

  1. Conhecia pouco a quase mitológica figura do Uiaretê. Porém um dia, indo para Fortaleza de carona com ele e o Jessé Bianor, tivemos alguns instantes de conversa e percebi o quanto ele tinha o olhar aguçado e as idéias em ebulição: a índole irriquieta, um corpo já consumido pelo inexorável tempo, mas com a alma de infante menino. Uma bela homenagem Pedro Paulo, uma cronica muito bem escrita, como tudo que sai de sua criativa mente. Freitas.

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  2. Efeméride. Essa é a palavra que encontro para expressar a beleza dessa amizade sincera, traçada com carinho por aquele que deixou transparecer em seu discurso o mais singelo ato de gratidão.

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