quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

CRÔNICA

O TEMPO E SEUS PARADOXOS

Freitas Diassis*

Na medida em que o tempo escoa por entre nossos dedos e suas marcas vão se evidenciando em nosso corpo, mais e mais percebemos que este inexorável senhor nos é cada vez mais escasso. É como se sua velocidade fosse inversamente proporcional à idade que temos. Já foram comuns para mim, em tempos idos, as horas de marasmo e tédio, sem ter muito que fazer. Acontece que a vida passa. Hoje os tempos são diferentes e surgiram outras atribuições domésticas e familiares, alheias ao trabalho; este mesmo, de certa forma ficou mais complicado. E se o termo complicado não é a palavra correta, diria então que no trabalho surgiram mais cobranças e algumas mudanças.
A secular corporação a que pertenço sofreu perceptíveis metamorfoses de pouco tempo para cá. Óbvio que se fosse possível a você perguntar para um senhor de 160 anos como era na sua juventude, ele diria que era muito diferente da de hoje e que a sociedade em que vivemos mudou muito. Mudou mas não evoluiu. Na verdade “involuiu”, diria nosso hipotético Matusalém. E seriam necessárias muitas páginas deste periódico para dissecar item por item as razões desta involução.
Dentre os motivos principais da percepção de retrocesso social está a escalada desenfreada da violência debatida diariamente em botequins, centros acadêmicos, rádios e telejornais por este Brasil enorme de meu Deus. A própria violência em si tem outros inúmeros fatores que a fomentam. Entre tais, a corrupção que aflora todos os dias, como a “Operação Lava-jato” e os desmandos da Petrobras, uma pequena ponta do iceberg, e a impunidade, com os criminosos sendo condenados e não cumprindo a pena, e quando a cumprem, é apenas uma proporção do tempo previsto.
Vivemos, na realidade, um tempo paradoxal. Antigamente existia o respeito aos mais velhos, o respeito às instituições e também o medo e a vergonha de ser exposto caso alguém viesse a infringir alguma lei. Mas parece que os valores estão mudando. Ter alguma mácula na ficha policial virou em certos casos, sinal de status. No domingo 07 de dezembro de 2014, no programa Fantástico da TV Globo, uma reportagem sobre crime organizado mostrava a gravação de uma conversa ao telefone de dois criminosos em cadeias distantes, onde um destes era candidato a membro de certa organização criminosa. Na conversa, entre advertências e ameaças de uma parte, indagaram ao calouro quais as três últimas faculdades que ele frequentara. Faculdade era um eufemismo para prisão usado pelos bandidos. E parece que é isso o que a maioria da sociedade pensa sobre nossas cadeias. São instituições que não ressocializam ninguém. Na verdade, pensa a sociedade, são escolas de pós-graduação em outros tipos de crime. O cara entra traficando e aprende a roubar e extorquir. São reduzidas as cadeias e prisões que têm algum programa de inclusão social ou de profissionalização. A maioria dos infratores, quando sai, ou reincide no crime ou é marginalizado pela sociedade. E como exemplo de marginalização de ex-detentos, outro dia passando pela área do “pré-sal”, como uns e outros que conheço se referem com certa ironia e sarcasmo ao centro de Canindé por razões que desconheço totalmente, vi sentado na calçada da Casa Campos um mendigo novo no “pedaço”. Seu rosto me era familiar e iniciamos um diálogo:
– Eu te conheço de algum lugar.
– E, aí Freitão, tá lembrado não? Sou o Cigano lá de Santa Quitéria.
– O que houve contigo?
– Ora, puxei minha cadeia, respondia por tráfico, né? Mas a mulher me deixou, não arrumei emprego e resolvi pedir esmolas para não morrer de fome. Pra cadeia não quero mais voltar não. “Me arruma” uma moeda aí pelos velhos tempos?
Vasculhei nos bolsos e lhe dei um real. Desejei boa sorte e segui meu destino. Pela convivência com o detento na cadeia, devido ao nosso trabalho e sua dinâmica, algumas vezes, involuntariamente é verdade, o policial cria com alguns poucos infratores um laço de afinidade, de intimidade, não uma relação de amizade, mas de respeito. Outro fato que chama a atenção nos últimos tempos vividos por nós é o aumento de crimes relacionados ao tráfico de drogas. Este sem dúvida, o grande incentivador da violência. Os viciados cometem inúmeros crimes motivados pelo efeito das drogas ou porque querem usá-la. E ainda existem aquelas pessoas que se dizem honestos cidadãos pagadores de impostos, críticos vorazes da ação policial, mas aos fins de semana e durante seus momentos de diversão mundana, fornecem combustível e alimentam o poder financeiro dos traficantes quando compram e usam apenas por “esporte”, uma dose, uma pedra ou um baseadinho pra digestão, como outro dia foi flagrado um funcionário de conceituada instituição financeira em nosso município. E relacionado ao aumento da violência, além do tráfico e da sensação de impunidade, está o grande número de menores enveredando pelo mundo do crime, apoiados pelas frágeis leis do nosso CPB e ECA. Hoje em dia com a informação na velocidade da luz e na ponta dos dedos, existe a gritante necessidade do policial usar de técnica, perícia, bom senso e muito cuidado no atendimento de ocorrências, haja vista inúmeros “Especialistas em Segurança Pública” tecerem ferozes comentários relacionados à ação policial nesta ou naquela ocorrência.
Agora em fins de novembro, eu e o soldado Hildo fomos solicitados para o bairro Campinas, onde uma jovem senhora teve sua motocicleta apedrejada com uma “baladeira” por um menor de uns quinze anos, seu enteado. No local, por volta de treze horas sob o sol saariano, ouvindo o choro da vítima e de sua jovem criança, tomamos conhecimento da verdade dos fatos. Após arrolarmos testemunhas e providenciar que a própria vítima colhesse provas do delito tirando fotografias dos danos, fomos com ela até a casa do suposto autor, onde este estava despreocupadamente deitado em uma rede na sala da casa ao lado de sua mãe e outra senhora. Por estarmos em flagrante e a porta encontrar-se aberta, adentramos o recinto, informando sobre a situação e o que ocorreria em seguida. Inutilmente um jovem franzino tenta reagir à condução e se desvencilhar de dois policiais de grande força física e muito mais fortes que ele, tendo os milicianos que lutar também com as parentas do acusado, quando sua mãe foi convidada para acompanhar a situação até a delegacia. Tudo isso em meio a uma pequena discussão entre nós e as partes envolvidas. Dias depois, em uma famigerada rede social, alguém publica inverdades e comentários relacionados com nossa ação. Bobagens, nada que valha a pena comentar ou que mereça maior preocupação. E na delegacia, após a confecção de competente Boletim de Ocorrência Circunstanciado, o infrator, com um sarcástico sorriso de impunidade estampado na face, saiu bem antes de nós e da vítima. Resta então a esperança de 2015, com novos governantes e legisladores eleitos, que mudem um pouco as leis, que deem ao povo sofrido resposta aos seus clamores de tempos melhores.

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*Cabo PM, colaborador do Blog.


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