RELEMBRANDO CANINDÉ
Erivaldo Façanha*
Podemos até reconhecer a idade das pessoas por suas
expressões idiomáticas ou mesmo pela gíria que usam. Hoje, as palavras que
corriqueiramente usamos sofrem muita influência da televisão. Antigamente,
quando ouvíamos um sulista falar, achávamos suas expressões diferentes das
nossas. Hoje, não, a televisão é pessoa de casa. Ela nos faz falar como
cariocas ou paulistas.
Mas há expressões que são somente nossas. Exemplos: “barriga
de soro azedo” (indivíduo barrigudo, meio moleirão), “seca do quinze”
(indivíduo magro, raquítico), “furão” (cara ruim no futebol), “furar a jogada”
(quando se erra o chute), “cabeleira de macaco” (camarada que usava o cabelo
todo para trás, na base da brilhantina), “Tarzan” (indivíduo musculoso,
forçudo). Havia também o apelido de “Hulk”, devido ao seriado de televisão.
Há muitas outras palavras que pertenciam à minha época de
criança e se perderam no tempo, saíram do linguajar do povo. Mas tem uma
palavra que é natural de Canindé, segundo o folclorista Filgueira Sampaio que
foi professor muitos anos no Colégio São Francisco. É “saboga”, sinônimo de
rapadura ruim. Saboga é o nome de um peixe comum nas costas brasileiras. Mas os
alunos do antigo Colégio São Francisco apelidaram de saboga a rapadura meio
salgada, não muito apetitosa, mas que, no lugar de outra melhor, servia de
sobremesa ou merenda. Rapadura desse tipo era só o que tinha originada dos
engenhos nas redondezas de Canindé.
“Amarelo empambado” se dizia pejorativamente do indivíduo e “barata
descascada” do sujeito muito alvo. “Tiro seguro” era o purgante, na base do
azeite de mamona que as mães abnegadas da minha época usavam para expulsar tudo
que era verme, no lugar dos vermífugos modernos mais eficientes. Ficava o
sujeito trancafiado num quarto, na boca o gosto ruim de óleo de rícino, todo
encolhido dentro de uma rede. Sempre tinha alguém que botava a cabeça na porta
e perguntava: “Já fez efeito?” Se não, tinha que tomar outra intragável dose. Mas
quando o efeito vinha, o cabra tinha que estar preparado para correr ou teria
de tomar um banho completo, mesmo purgado.
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*Odontólogo e escritor.
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