LADRÕES DE GALINHA
Freitas de Assis*
Um entardecer de sol e clima amenos num final de
fevereiro é convidativo para uma corrida leve em busca de melhorar o
condicionamento físico e ludibriar os efeitos do tempo que já deixa suas marcas
em minha velha carcaça. Após prévio aquecimento e alongamento em casa, sigo meu
destino passando pela Praça Dr. Aramis até a imagem de São Francisco na entrada
de Canindé. No retorno, uma estratégica parada na Praça São Francisco, chamada
também de Praça da Melada, onde faço ainda alguns exercícios que complementam a
corrida e observo um e outro conhecido e outras pessoas com o mesmo objetivo
que o meu. Além de praticantes de futebol, vôlei e skatistas de plantão e pais
com seus filhos, alguns idosos também se arriscam entre eventuais ciclistas no
passeio de final de tarde. Quando seguia para a corrida, sou cumprimentado por dois
policiais de moto cumprindo seu duro dever e talvez até acenem e cumprimentem
outras pessoas desconhecidas deles, num gesto de cordialidade e civilidade, contudo,
sem imaginar o que estas pessoas pensam sobre variados assuntos ou mesmo que
pensamentos tecem acerca da polícia de um modo geral.
Alguns dias antes deste episódio, eu
caminhava próximo da Igreja das Dores, no centro de Canindé e involuntariamente
captei a conversa de dois homens. Um vendedor ambulante e um ilustre personagem
de Canindé: Mister Sebastian Fox, ou simplesmente Bastião Raposa. Sentados
defronte à igreja das Dores, sob a sombra de frondosa árvore, conversavam sobre
futilidades e o Mister Fox ficava perplexo ante a afirmativa de seu compadre
sobre a informação de que certo João ou Antonio já havia morrido; entretanto,
ele ficou mesmo surpreso foi com a notícia de que um ex-prefeito de Caridade também
já partira desta para melhor, exclamando um “ah! meu Deus”. Apesar de sua
desinformação, admiro-o por não ser um cotumaz fofoqueiro de plantão, que se
importa muito mais com a vida alheia do que com seus próprios botões. Talvez
por isso, atrevi-me a supor que pensamentos possam ocupar sua cachola. Nosso
Dândi aos avessos, como bem definiu o ilustre amigo Pedro Paulo Paulino,
caminha com a desenvoltura de um soberano entre seus súditos, demonstra a
tranquilidade de quem não tem pesadelos com as contas do mês ou boletos
vencidos. Preocupando-se apenas, e isso talvez lhe tire o sono, com um eventual
jogador de damas que porventura seja mais hábil do que nosso bravo heroi.
Aparenta ter a felicidade dos que já conquistaram tudo na vida e nada lhe falta.
Ocupando-se apenas com o observar do tempo fluindo entre seus dedos. Décadas
atrás, recordo-me do Mister Sebastian Fox ostentando negra cabeleira e barba,
hoje pintadas pelo tempo. Mas nem por isso apresenta sisudez ou seriedade em
seu espírito e semblante, provando que feliz é o homem que envelhece, mas
conserva em si a alma de infante menino. E deve ser mesmo um homem feliz o
nosso ilustre personagem. Não sei com quem mora nem onde, mas à noite não deve
se ocupar com fúteis novelas ou o famigerado BBB. Nem tampouco assiste aos
telejornais e não toma conhecimento da corrupção na política, não vê a
morosidade da justiça e muito menos a violência desenfreada e galopante de
nossos dias, com ônibus incendiados em várias cidades do Brasil por diversos
motivos; da falta d’água à violência policial, passando pelas enxurradas e
inundações e a qualidade dos transportes públicos, abrangendo também a
insegurança.
E tocando no assunto, nosso cosmopolita cidadão (há
relatos e fotos dele na Índia e Inglaterra) não viu ou tomou conhecimento de um
jovem delinqüente de 15 anos, usuário do famigerado crack e morador de rua,
espancando por justiceiros, despido e amarrado a um poste com uma trava de
bicicleta, parecendo uma tela de Debret retratando uma cena urbana do Brasil Colônia
com nossos antepassados escravos; muito menos ficou estarrecido com o
assassinato de um homem a sangue frio nas ruas de um bairro carioca e
amplamente divulgado nas redes sociais. Mister Fox deve ter coisas mais
importantes para fazer. Televisão é perda de tempo. Não tem a necessidade de
saber o que pensam uns jovens de classe média, pseudo-intelectuais, que se
vestem de preto em protestos de rua, usam máscaras, se intitulam Black Blocks e
entre outras coisas, tumultuam as manifestações pacificas que ocorrem em nosso
país nestes últimos tempos, importando-se, ao que tudo indica, apenas em
promover a baderna e fomentar o caos. Sendo estes, acusados pela morte de um
repórter cinematográfico atingido com um rojão, mas que a imprensa inicialmente
culpou a polícia militar que supostamente teria jogado na infeliz vítima uma
bomba de efeito moral. Felizmente a verdade veio á tona.
De volta da minha corrida, com o sol já descansando,
ainda tenho tempo de parar por um minuto ou dois em um mercadinho próximo do colégio
Paulo Sarasate e me refrescar com uma providencial água mineral oferecida pelo
amigo Luizinho Vieira e sua característica simpatia com seu contagiante sorriso
de orelha a orelha. No Centro, uma rápida prosa com os poetas Natam Marreiro e
Gonzaga Vieira, de plantão na esquina da Casa Marreiro.
Mais adiante, próximo de onde dias antes invadi a
privacidade pública de Mister Fox, observo em outro comércio um grupo de
conhecidos discutindo um assunto qualquer e o anfitrião anuncia minha chegada
destacando minha condição de policial, talvez para que o assunto em pauta fosse
encerrado ou mudado. Contudo entre os presentes, havia um homem que eu não
conhecia, com cabelos ralos e grisalhos, uns cinquenta e poucos anos e aspecto rude.
Tinha o olhar sério e a testa franzida. Um homem que reconheci pela fisionomia ter
dois irmãos que uma vez ou outra já caíram nas tenazes da justiça. Este parecia
ser o centro das atenções e falava verborragicamente como alguém que pouca
cultura possui ou sequer tenha conhecimento de causa. No momento da chegada eu
resolvi partir, pois o assunto era insatisfação com instituições públicas e o
ilustre desconhecido quando ouviu de seu anfitrião que chegara um policial, falou
que no Brasil só existe prisão para ladrões de galinha, os políticos roubam o
país e membros da justiça compactuam com estes e repartem o roubo com a
polícia. Por me sentir intimamente ofendido e ainda assim quase concordar com
as afirmativas não tão surreais de um homem com a revolta estampada na face,
despedi-me dos presentes no momento da chegada, dizendo: com esta vou-me
embora, pois eu só vivo do meu salário. Mas eu gostaria de saber o que ele diria
se morasse em um país de primeiro como a Inglaterra, que há algum tempo teve entre
seus condenados pela justiça, um jovem de onze anos acusado de homicídio, e
agora dois assassinos de um fuzileiro naval britânico foram condenados à prisão
perpétua e 45 anos respectivamente. Disseram agir em nome de Alá para vingar
mulçumanos mortos pelo exército inglês. Talvez no Brasil a história fosse
outra.
Mais sobre o Fox:
http://vilacamposonline.blogspot.com.br/2011/06/personagem.html
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*Cabo PM, colaborador do blog.
Freitas e sua peculiar ótica do contidiano Canindeense. Suas figuras folclóricas ou não em contexto interagindo com os principais assuntos do dia-a-dia no nosso mundo interligado, você Freitas, fielmente consegue retratar em suas crônicas( se eu não estiver errado). Gosto da narrativa, pois estando, eu, um pouco distante, mesmo assim ao me debruçar entrelinhas do amigo vejo-me facilmente na rotina de nossa cidade franciscana. Parabéns Freitas!
ResponderExcluirBela crônica. Uma mistura harmoniosa de amenidades, como o Sebastian Fox, com temas sérios e atuais. Concordo com o Freitas quanto aos Black Blocks, que nada mais fazem do que descaracterizar os protestos sérios e justos e destruir o que custou muito trabalho humano.
ResponderExcluirFlávio Henrique