quinta-feira, 6 de março de 2014



LADRÕES DE GALINHA

Freitas de Assis*

Um entardecer de sol e clima amenos num final de fevereiro é convidativo para uma corrida leve em busca de melhorar o condicionamento físico e ludibriar os efeitos do tempo que já deixa suas marcas em minha velha carcaça. Após prévio aquecimento e alongamento em casa, sigo meu destino passando pela Praça Dr. Aramis até a imagem de São Francisco na entrada de Canindé. No retorno, uma estratégica parada na Praça São Francisco, chamada também de Praça da Melada, onde faço ainda alguns exercícios que complementam a corrida e observo um e outro conhecido e outras pessoas com o mesmo objetivo que o meu. Além de praticantes de futebol, vôlei e skatistas de plantão e pais com seus filhos, alguns idosos também se arriscam entre eventuais ciclistas no passeio de final de tarde. Quando seguia para a corrida, sou cumprimentado por dois policiais de moto cumprindo seu duro dever e talvez até acenem e cumprimentem outras pessoas desconhecidas deles, num gesto de cordialidade e civilidade, contudo, sem imaginar o que estas pessoas pensam sobre variados assuntos ou mesmo que pensamentos tecem acerca da polícia de um modo geral.
Alguns dias antes deste episódio, eu caminhava próximo da Igreja das Dores, no centro de Canindé e involuntariamente captei a conversa de dois homens. Um vendedor ambulante e um ilustre personagem de Canindé: Mister Sebastian Fox, ou simplesmente Bastião Raposa. Sentados defronte à igreja das Dores, sob a sombra de frondosa árvore, conversavam sobre futilidades e o Mister Fox ficava perplexo ante a afirmativa de seu compadre sobre a informação de que certo João ou Antonio já havia morrido; entretanto, ele ficou mesmo surpreso foi com a notícia de que um ex-prefeito de Caridade também já partira desta para melhor, exclamando um “ah! meu Deus”. Apesar de sua desinformação, admiro-o por não ser um cotumaz fofoqueiro de plantão, que se importa muito mais com a vida alheia do que com seus próprios botões. Talvez por isso, atrevi-me a supor que pensamentos possam ocupar sua cachola. Nosso Dândi aos avessos, como bem definiu o ilustre amigo Pedro Paulo Paulino, caminha com a desenvoltura de um soberano entre seus súditos, demonstra a tranquilidade de quem não tem pesadelos com as contas do mês ou boletos vencidos. Preocupando-se apenas, e isso talvez lhe tire o sono, com um eventual jogador de damas que porventura seja mais hábil do que nosso bravo heroi. Aparenta ter a felicidade dos que já conquistaram tudo na vida e nada lhe falta. Ocupando-se apenas com o observar do tempo fluindo entre seus dedos. Décadas atrás, recordo-me do Mister Sebastian Fox ostentando negra cabeleira e barba, hoje pintadas pelo tempo. Mas nem por isso apresenta sisudez ou seriedade em seu espírito e semblante, provando que feliz é o homem que envelhece, mas conserva em si a alma de infante menino. E deve ser mesmo um homem feliz o nosso ilustre personagem. Não sei com quem mora nem onde, mas à noite não deve se ocupar com fúteis novelas ou o famigerado BBB. Nem tampouco assiste aos telejornais e não toma conhecimento da corrupção na política, não vê a morosidade da justiça e muito menos a violência desenfreada e galopante de nossos dias, com ônibus incendiados em várias cidades do Brasil por diversos motivos; da falta d’água à violência policial, passando pelas enxurradas e inundações e a qualidade dos transportes públicos, abrangendo também a insegurança.
E tocando no assunto, nosso cosmopolita cidadão (há relatos e fotos dele na Índia e Inglaterra) não viu ou tomou conhecimento de um jovem delinqüente de 15 anos, usuário do famigerado crack e morador de rua, espancando por justiceiros, despido e amarrado a um poste com uma trava de bicicleta, parecendo uma tela de Debret retratando uma cena urbana do Brasil Colônia com nossos antepassados escravos; muito menos ficou estarrecido com o assassinato de um homem a sangue frio nas ruas de um bairro carioca e amplamente divulgado nas redes sociais. Mister Fox deve ter coisas mais importantes para fazer. Televisão é perda de tempo. Não tem a necessidade de saber o que pensam uns jovens de classe média, pseudo-intelectuais, que se vestem de preto em protestos de rua, usam máscaras, se intitulam Black Blocks e entre outras coisas, tumultuam as manifestações pacificas que ocorrem em nosso país nestes últimos tempos, importando-se, ao que tudo indica, apenas em promover a baderna e fomentar o caos. Sendo estes, acusados pela morte de um repórter cinematográfico atingido com um rojão, mas que a imprensa inicialmente culpou a polícia militar que supostamente teria jogado na infeliz vítima uma bomba de efeito moral. Felizmente a verdade veio á tona.
De volta da minha corrida, com o sol já descansando, ainda tenho tempo de parar por um minuto ou dois em um mercadinho próximo do colégio Paulo Sarasate e me refrescar com uma providencial água mineral oferecida pelo amigo Luizinho Vieira e sua característica simpatia com seu contagiante sorriso de orelha a orelha. No Centro, uma rápida prosa com os poetas Natam Marreiro e Gonzaga Vieira, de plantão na esquina da Casa Marreiro.

Mais adiante, próximo de onde dias antes invadi a privacidade pública de Mister Fox, observo em outro comércio um grupo de conhecidos discutindo um assunto qualquer e o anfitrião anuncia minha chegada destacando minha condição de policial, talvez para que o assunto em pauta fosse encerrado ou mudado. Contudo entre os presentes, havia um homem que eu não conhecia, com cabelos ralos e grisalhos, uns cinquenta e poucos anos e aspecto rude. Tinha o olhar sério e a testa franzida. Um homem que reconheci pela fisionomia ter dois irmãos que uma vez ou outra já caíram nas tenazes da justiça. Este parecia ser o centro das atenções e falava verborragicamente como alguém que pouca cultura possui ou sequer tenha conhecimento de causa. No momento da chegada eu resolvi partir, pois o assunto era insatisfação com instituições públicas e o ilustre desconhecido quando ouviu de seu anfitrião que chegara um policial, falou que no Brasil só existe prisão para ladrões de galinha, os políticos roubam o país e membros da justiça compactuam com estes e repartem o roubo com a polícia. Por me sentir intimamente ofendido e ainda assim quase concordar com as afirmativas não tão surreais de um homem com a revolta estampada na face, despedi-me dos presentes no momento da chegada, dizendo: com esta vou-me embora, pois eu só vivo do meu salário. Mas eu gostaria de saber o que ele diria se morasse em um país de primeiro como a Inglaterra, que há algum tempo teve entre seus condenados pela justiça, um jovem de onze anos acusado de homicídio, e agora dois assassinos de um fuzileiro naval britânico foram condenados à prisão perpétua e 45 anos respectivamente. Disseram agir em nome de Alá para vingar mulçumanos mortos pelo exército inglês. Talvez no Brasil a história fosse outra.
Mais sobre o Fox:
http://vilacamposonline.blogspot.com.br/2011/06/personagem.html
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*Cabo PM, colaborador do blog.

2 comentários:

  1. Freitas e sua peculiar ótica do contidiano Canindeense. Suas figuras folclóricas ou não em contexto interagindo com os principais assuntos do dia-a-dia no nosso mundo interligado, você Freitas, fielmente consegue retratar em suas crônicas( se eu não estiver errado). Gosto da narrativa, pois estando, eu, um pouco distante, mesmo assim ao me debruçar entrelinhas do amigo vejo-me facilmente na rotina de nossa cidade franciscana. Parabéns Freitas!

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  2. Bela crônica. Uma mistura harmoniosa de amenidades, como o Sebastian Fox, com temas sérios e atuais. Concordo com o Freitas quanto aos Black Blocks, que nada mais fazem do que descaracterizar os protestos sérios e justos e destruir o que custou muito trabalho humano.

    Flávio Henrique

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