quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

ELA TEM 109 ANOS...

Viúva e mãe de sete filhos. Trabalhadora rural. Conhece a seca e o sofrimento da gente da roça. Enfrentou o desafio de criar a família. Sempre foi zelosa dona de casa. Como guerreira incansável, jamais deixou o seu chão. Sua história é parecida com a história de muitas mulheres sertanejas de mão calejada. Mas num detalhe, a história de Dona Maria é bastante particular: ela tem 109 anos.

Pedro Paulo Paulino

Para essa guerreira, viver
além de um século faz parte dos desafios
Morada Nova, onde reside Dona Maria dos Santos, é uma das pequenas localidades nas vizinhanças de Vila Campos, zona rural de Canindé. O caminho até lá é uma estrada de chão ladeada pela caatinga. A habitante mais velha do lugar guarda lembranças vivas da mocidade. Dentre elas, recorda com saudade as festas puxadas a oito baixos na fazenda Canjari, distrito de Targinos. “Naquele tempo era muito diferente. As moças só iam pra festa na companhia de pessoas da confiança dos pais”, explica comparando com a liberdade de hoje. Enquanto conversa, aproveita também para relembrar pessoas do seu conhecimento. Muitos, é claro, já se foram. Mas ela garante nunca se sentir sozinha. “Aqui não falta gente pra conversar comigo. Tem o povo da casa e os que vêm me ver.”
Maria dos Santos nasceu na noite de Natal de 1904, no sítio Jatobá, às margens do riacho que cruza o povoado de Campos. Foi uma das primeiras pessoas batizadas na capela de S. Roque, construída em 1905. Quando ela nasceu, o município de Canindé tinha apenas 58 anos de emancipação. O Brasil era governado pelo presidente Rodrigues Alves. E na grande seca do 15 ela já contava 11 anos de idade.
Desde então, a sua caminhada, em tudo, tem a marca da mulher sertaneja resistente: nos relevos da pele tostada de sol, no modo franco de contar histórias e, principalmente, na hospitalidade característica do povo simples. Viúva há 20 anos, passou a morar com um dos filhos, o José, uma espécie de esteio da família. Com o José mora também o João, de 79 anos, filho mais velho de Dona Maria. Nos arredores moram outros filhos. Por isso, ela está sempre cercada dos seus descendentes. Os netos, são mais de 40. Os bisnetos, perdeu-se a conta.
A família vive praticamente da agricultura, com uma renda adicional na base dos programas assistenciais do governo. “Estamos todos sempre perto uns dos outros”, explica José. No alpendre detrás da casa, um jumento com dois caçuás está preparado para transportar as mangas coité, em abundância neste período do ano, mesmo com a seca. “Não vendo nenhuma manga, é pra gente mesmo e pros amigos”, diz radiante. Na parede de tijolos sem reboco, os quadros com imagens de santos e retratos da família convivem com os aparelhos de TV e de DVD, atração da garotada da casa. Mas, segundo ele, a mãe centenária não gosta de ver televisão nem de ouvir rádio. “O que ela gosta mesmo é de conversar, achar graça e rezar nas horas certas.” E o santo da devoção dela, claro, é S. Roque, o padroeiro do lugar. “Até hoje ainda não perdi uma missa de S. Roque”, diz ela, referindo-se aos festejos religiosos realizados em Vila Campos cada mês de agosto há mais de século.
Dona Maria dos Santos está entre as mais de 17 mil pessoas com idade acima dos cem anos no Brasil, segundo os últimos dados do IBGE. Conforme estudiosos, são vários os fatores que elevaram a expectativa de vida dos brasileiros. No caso dela, o segredo de tanta vida pode estar nos hábitos naturais. Na maneira alegre de encarar o seu pequeno mundo. Na fé constante e no convívio com os seus. Não toma remédio, desconhece o que é estresse, dor de cabeça e a doença da moda, a depressão. Queixa-se apenas da vista curta. Diz que não perde uma noite de bom sono nem vai ao posto de saúde. Alegre, brincalhona, vê a própria longevidade como uma missão. Das batalhas e dificuldades que já enfrentou, ultrapassar um século de vida -- em condições tantas vezes adversas -- é só mais um desafio para essa guerreira.

Com os filhos João e José, netos e bisnetos

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