Zé Freire completa hoje, 11 de maio, 80 anos de vida. Reproduzo em sua homenagem esta crônica.
EM VISITA AO ZÉ FREIRE...
EM VISITA AO ZÉ FREIRE...
Pedro
Paulo Paulino
Zé
Freire mora numa pequena propriedade rural nos arredores da vila que tem o
auspicioso nome de Esperança. Foi ali que há mais ou menos um par de décadas ele
resolveu se aboletar, trabalhar e viver. Encontrei-o pela manhã remontando a
cerca de varas que o “Sereno”, seu Pégaso indomável, havia derrubado, num
rompante próprio dos eqüinos corajosos.
Logo
que me avistou, Zé Freire caminhou de onde estava e fez esta saudação: “Deus te
traga em boa hora, feliz do homem que encontra outro trabalhando!” O rosto
empoeirado e queimado do sol, mas conservando o vigor; bigode escuro e imponente,
olhos acinzentados pelos 80 janeiros completos, mãos grossas cujas riscas
são como riachos escorrendo suor, Zé Freire pareceu-me um velho bruxo de outros tempos.
Do
alto da chapada, ele abre os braços para um lado e outro e mostra o produto do
seu labor diário: cerca bem cuidada, capim verde para o gado, bebedouro limpo junto
à represa onde resiste um punhado d'água, mas em cuja vazante nunca faltam a
batata, o jerimum, o feijão de corda e a melancia.
Ao
redor, a caatinga pintada de preto toma conta do resto.
–
Este verde é um pequeno oásis, comento. – Ele desconhece a palavra oásis e dá
seu parecer, vitaminando bem a conversa, como é de seu bom natural:
–
Isto aqui, Pedro, abaixo de Deus, é obra minha e do seu Chico, meu ajudante.
Acordo primeiro que o galo e já dou de garra da luta. Desde o dia que nasci não
parei de trabalhar um minuto, já sofri mais do que jumento fazendo açude.
E
prossegue narrando caudalosamente a sua trajetória no mundo, seja como
boiadeiro, seja como curandeiro, quiromante, feitor de obra, mochador de boi,
poeta e profeta, motorista de horário, e agora criador e roceiro, enfrentando
pau e pedra, chuva e seca.
–
Não reclamo a Deus nem ocupo Ele com pouca coisa. Conheço 23 estados do Brasil,
espalhei 55 filhos, perdi a conta dos netos e dos bisnetos e das carrada de mulher que apareceu na minha
vida. Quando eu era novo, num só ano de bom inverno emprenhei 14 companheira,
inclusive uma das sogras.
Dito
isto, meu anfitrião convida-me para o café com pão de milho da hora, servido pela D. Leninha que, segundo ele, foi sua derradeira conquista, a qual lhe deu os herdeiros
caçulas: o Cidrak, já engrossando o cangote, e o José Freire Jr., de
apenas três anos. “Este último”, garante o pai, “puxou noventa e nove por cento
do meu sangue. Só é menino na parença,
mas já tem ação de cabra macho disposto e namorador”.
Depois
me mostra os cômodos da casa, uma singela habitação na beira da estrada de barro
da vila de Esperança. Na sala principal, quadros pequenos ilustram as paredes.
Retratos de familiares, amigos vivos, outros já mortos, e entidades do céu, no
meio dos quais, a imagem de frei Galvão se destaca perto do retrato de São
Pedro, padroeiro da freguesia. “O cristão que bem souber não deixa faltar uma
imagem de frei Galvão pendurada na parede e uma vela de sete dias no canto da
sala”, afirma convicto.
Ao
pé do fogão de lenha, e enquanto enrola o cigarro, Zé Freire reproduz de cor,
quase cantando, uma antiga história em versos de cordel narrando milagre
atribuído a S. Francisco das Chagas de Canindé. Pois uma das queixas mais
pungentes do Zé Freire é não ter aprendido a ler, e o que sabe de memória é por
ouvir dos outros. “Quando eu era menino já trabalhava feito bicho e não tive
tempo nem de barrer uma escola”,
justifica.
José
Freire Sobrinho nasceu pelos idos de trinta, na fazenda Buriti, no meio do
sertão cearense. Recém-chegado ao mundo, bebeu água num chocalho de ouro, e o
precioso líquido banhou seu espírito com notável inspiração. Conversa desenrolado
como quem atira milho pra bode solto no terreiro, tem encanto na prosa e o dote
do improviso.
Sertanejo
incontestável de sabedoria própria, o notório Zé Freire tem seu nome espalhado por todos esses grotões onde o folclore ainda habita in natura. Afirma orgulhoso desconhecer três coisas: preguiça,
inveja e Viagra. “Graças ao meu bom Deus nunca faltou em mim a disposição dum
jumento adolescente e a potência dum touro switch”,
comemora.
Porém,
contando 80 anos de muita vida, tem por temor apenas a famigerada diabete. E filosofa: “Essa doença é que nem mulher perigosa: passa a vida toda com a gente
e, no fim, mata o homi”. No entender
dele, é fatalmente desavisado “o homem que confia em freio de carro, boca de
urna, ponta de touro e coração de mulher”. Sobre o inverno vindouro, garante:
“No mês de março, o açude que não for bem feito vai sangrar no meio
da parede”.
Ao
final da visita que lhe fiz, presenteou-me com belo jerimum caboclo de sua
vazante. E recomendou:
– Pedro, pegue esse jerimum e coma com tutano de boi, que é o que dá sustança no homi. Depois, aproveite as sementes dele e semeie no dia de Santa Luzia, às cinco horas da tarde. Mas plante longe da sua morada, que quando ele crescer é arriscado derrubar a casa...
– Pedro, pegue esse jerimum e coma com tutano de boi, que é o que dá sustança no homi. Depois, aproveite as sementes dele e semeie no dia de Santa Luzia, às cinco horas da tarde. Mas plante longe da sua morada, que quando ele crescer é arriscado derrubar a casa...
Que sujeito delicioso!!! e que casinha linda..è um prazer ler estes artigos do amigo Pedro, 80 janeiros? parecem 60 .
ResponderExcluirO Baú da Gaiatice teve a primazia de apresentar dezenas de tipos populares de Canindé e cidades adjacentes, que ainda não haviam sido retratados por nenhum cronista. De parelha com Pedro Paulo Paulino, traçamos em prosa e versos o perfil de figuras como Broca da Silveira, Bunaco, Zé Adauto Bernardino, Muquila, Zuquinha das Campinas e o impagável Zé Freire que começaram, a partir de então, a aparecer com freqüência na obra de outros autores. Iniciamos esse trabalho no inicio da década de 1990 e o livro veio à lume antes do final do segundo milênio, tornando-se referência no gênero.
ResponderExcluirTexto magnifíco, Pedro Paulo. Irretocável!
Quanto ao Zé Freire, um dos personagens mais interessantes do livro, temos a grata satisfação de encontrá-lo vivo e com saúde, a narrar suas peripécias e encantar seus interlocutores com a sua prosa engenhosa e divertida.
Conheci o Zé Freire na década de 1980, na campanha do empresário Sérgio Braga, candidato a prefeitura de Caridade. Amigo devotado do Sérgio, Zé Freire percorria o município pedindo votos para seu candidato e aonde enxergava um ajuntamento de gente, subia no capô do seu chevette e fazia um comício relâmpago, atraindo a atenção de todos com sua prosa fluente e bem humorada:
ResponderExcluir- Se o dotô Sérgio num ganhá esta eleição, é muito melhor vocês pegarem um carro pipa cheio de gasolina, derramar no centro de Caridade e tocar fogo!!!
Arievaldo Viana
Já tive o prazer de desfrutar de sua companhia em uma viagem de escolta de numerários do banco do Brasil de Canindé até Paramoti. Na volta, ele pegou carona comigo, outro policial e o bancário que conduzia o veículo; entre uma história e outra contada por ele teve uma que até hoje me recordo: dizia ele que a Caridade era um lugar muito para policiais viverem; o Simão( sargento) já fez uma boa casa e o "fulano de tal" que casa quase toda dia. Este último, que a ética me impede de citar o nome, já havia passado por pelo menos dois casamentos e estava no terceiro. Zé freire, grande figura humana, se não o conhecesse pessoalmente diria que era invenção de algum autor de contos populares.
ResponderExcluirCabo Freitas
Realmente, Freitas, o Zé Freire parece um ente fictício. Abçs.
ExcluirA avaliação do Cabo Freitas é FIDEDIGNA! kkkk
ResponderExcluirBoa tarde Gostaria de saber a onde ele nasceu o Zé Freire
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