O COMPRADOR DE PIRILAMPOS
Pedro Paulo Paulino
A propósito de meu soneto “O vagalume”,
aqui publicado, o inspirado amigo Walter Gomes, Vavá, contou-me há dias uma
história que vem a ser das mais originais e criativas de uma infância
privilegiada. Ouvindo seu relato, não disfarcei meu desejo de que tal história
fosse legitimamente minha. Uma vez que não é, adoto-a e passo a recontá-la.
Bem poucos meninos nascidos no
interior em tempo mais remoto devem ser que não tenham brincado de aprisionar
vagalumes nas noites de inverno no sertão. Confinava-se o inocente inseto em
caixa de fósforo ou coisa parecida, para vê-lo piscar.
Pois o Vavá, em certo ano de sua
meninice, dedicou-se em criar vagalumes como ninguém o jamais fizera – pelo
menos em seu chão natal, a Ipueira dos Gomes. Trazendo no sangue o tino
comercial próprio dos de sua gênese familiar, ele deu início a um
empreendimento infantil, porém tão fosforescente quanto o brilho dos pirilampos.
De fato, em vez da simples troca de vagalumes, prática tão comum entre a
gurizada, o Vavá passou a comprar à vista o plantel. A moeda em voga não era mais
que carteiras de cigarro usadas – outra distração própria da meninada de ontem.
Atraída pela novidade, a molecada
disparou em coletar vagalumes. E levou bastante sorte, num ano em que, segundo
o Vavá, a fauna de pirilampos era tanta que dispensava aos transeuntes noturnos
o uso de lanterna ou farol. Em pouco tempo, o mercado cresceu assustadoramente.
A tal ponto, que ele desenvolvera um olho clínico extraordinário, sabendo
avaliar o valor de cada peça por características como intensidade do pisca,
peso, sexo etc. A oferta avolumou-se tanto que, na boca da noite, passavam vendedores
ambulantes na porta anunciando: “Olha o vagalume! olha o vagalume!” Uma caixa
de papelão era o território da sua fazenda de pirilampos; tão ilustrada que
parecia uma dessas casas de espetáculo dos adultos.
Paralelamente, crescia em disparada a
soma monetário. Para reunir em quantidade esse tipo de pecúlio, o Vavá tinha
uma vantagem sobre os demais meninos da redondeza. No armazém de seu João
Gomes, o pai, estabeleceu-se uma campanha pela doação de carteiras de cigarro
usadas. Conta Vavá que passou a fazer amizade indistintamente com tudo que era
fumante. De modo que à custa de muito pulmão dilacerado crescia a fortuna do
nosso amigo. Sem falar que até da Capital havia emissão de papel-moeda, por
conta de familiares que de lá enviavam notas do mais alto valor, de cigarros
caros: “Cow-Boy”, “Marlboro”, “California”, “Charm”, perante as quais as notas
de “Hollywood” e “Arizona”, por exemplo, viravam moeda de troco.
Com o acumulado cada vez mais crescente,
Vavá teve outra ideia acesa: fundar um banco. Foi assim que surgiu o “Bank of Paper
de Ipueira dos Gomes”. (Aonde ele foi buscar inglês naquele tempo e naquelas
bibocas, só Deus sabe hoje.) A instituição financeira já surgira rica: uma
caixa de sapatos cheia de dinheiro. Agora, além de comprador de vagalumes, ele
passava a emprestar o vil metal, com juro compensado, logicamente, em
pirilampos.
Seguindo assim, a fazenda de
vagalumes prosperava a olhos vistos. O “Bank of Paper” atingira a opulência:
eram já duas caixas de sapato cheias de notas e uma carta de crédito de fazer
inveja ao Banco do Brasil. Seu dono, claro, era a criatura mais feliz do mundo.
Mas, de repente, entra em cena um
personagem poderoso, mais poderoso que todos os homens juntos: o Tempo, com
seus imensos pés esmagadores de sonhos. E o Vavá cresceu.
Hoje, homem bem estabelecido em seu
ramo, participando de delegações internacionais de comércio, Walter Gomes já
conheceu vários países, relacionando-se com nomes da mais elevada estatura. E
aonde quer que vá, cruzando os ares rumo ao Velho Mundo, ou rumo ao País do Sol
Nascente, almoçando no topo de um arranha-céu em Seul, pilotando uma Ferrari
nas ruas de Tóquio, participando de uma conferência de multinacionais em São
Paulo, acompanha-o, grudado às cordas do seu coração, embrenhado nas entranhas
da sua memória, o maior comprador de vagalumes de que se teve conhecimento.
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