sábado, 14 de setembro de 2013

LIÇÕES DO PRIMEIRO DRUMMOND


Silvio R. Santos
Leitor de Drummond, após percorrida quase toda a poesia do ilustre mineiro, a atenção se volta muita vez para seu primeiro livro Alguma Poesia, de 1930. Esse retorno se dá porque nessa primeira obra, sem temor, se pode afirmar que já estão presentes todos elementos e a qualidade que fariam seu justo prestígio no longo decorrer da vida. Entretanto, por significância pessoal, o exemplo que ocorre, dos 49 poemas lá constantes, é o que segue:

SENTIMENTAL

Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçados na mesa, todos contemplam
esse romântico trabalho.
Desgraçadamente falta uma letra,
uma letra somente
para acabar teu nome!
- Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!
Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
"Neste país é proibido sonhar".
 Um dos cavalos de batalha do Modernismo foi o combate ao beletrismo piegas, à literatura sorriso da sociedade, de álbuns de senhoras.  Isto dito, porque se considera que Drummond  foi capaz de realizar as pretensões e promessas desse movimento artístico que procurou superar a poesia parnasiana, principalmente, em só se tratando de literatura, já que artes como pintura e música também constaram do programa que teve como marco inicial a conhecida Semana de Arte Moderna de 22. Pois bem, o poema citado parece começar estranhamente convencional. Um momento romântico, em que provavelmente um apaixonado, reunido com a família na hora do jantar, põe-se a divagar sobre a amada com certeza distante e passa a formar seu nome na sopa de letrinhas. A carga lírica concentra-se somente nas duas primeiras estrofes, em versos livres e brancos (sem metro e sem rima).  Esse momento é interrompido por alguém à mesa, dissipando névoa da divagação.  Por fim diz o poeta: "Neste país é proibido sonhar". Nesse recorte, há verdadeiramente a definição de uma época, "do tempo presente", "dos homens presentes", dizeres drummondianos futuros. Entre outras, uma característica marcante é a introdução do humor. O sentimento amoroso já não mais trágico, mas falho, portanto, mais digno, menos ingênuo, mais humano. Assim se estabeleceria o ponto de cisão entre a poesia que se pretendia superar, a dita (pelos modernistas) beletrista parnasiana, e a que magistralmente passou a ser feita, pelos menos por Carlos Drummond de Andrade. 

2 comentários:

  1. Naturalmente o articulista deve ter em mente que o parnasianismo tem páginas de Bilac, Alberto e Raimundo (pra ficar na tríade) que são de alto coturno literário, bem acima do beletrismo. O que se fato homens sábios como Mário de Andrade combateram foi a mania brasileira de todo mundo fazer poesia sem saber, só por emulação, sem conhecer os apetrechos básicos dessa arte.

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  2. Esta sopa parece me convidar para fazer de um sonho uma historia verdadeira...

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