domingo, 30 de junho de 2013

DISCUSSÃO DO CRENTE
COM O CACHACEIRO


Capa: Arievaldo Viana

Autor: Vicente Vitorino de Melo

Eu viajando este mês
Pela linha do Agreste
Fui parar em uma feira
No dia de São Silvestre
É fraca a feira, e de tarde
Dá cachaceiro por peste

Trabalhei o dia todo
E não arranjei dinheiro
À tarde eu entrei num bar
Encontrei um cachaceiro
Discutindo com um crente
Com o maior desespero

Me contou o companheiro
Que também ‘tava tomando
Bicada junto com ele
Que o crente foi passando
Na frente do bar, e ele
Foi logo o crente abraçando

Quando o crente foi passando
Com a Escritura na mão
O cachaceiro abraçou-o
Nessa mesma ocasião
E disse: – Meu camarada
Vamos tomar u’a lapada
De Pitu com camarão?

Disse o crente: – Deus me livre
A minha lei não adota
Eu jogar nem tomar cana
Nem entro nessa patota
Saiba que eu sou um crente
E você um insolente
Cachaceiro e idiota!

Disse o cachaceiro a ele:
– Que orgulho é esse seu?
Você já sabe da conta
De crente que se perdeu?
Isso de lei é loucura
Jogue fora a Escritura
E tome Pitu mais eu!

C – Quem joga e toma cachaça
São uns amaldiçoados
Fumadores, dançadores
Esses não são perdoados
Assim diz a Escritura
Minha salvação é pura
Mas não a dos viciados

B – Você não bebe nem fuma
Cigarro da Souza Cruz
Não dança devido à cota
Um baralho não conduz
Que renda dá ao país?
Você é um infeliz
Não um membro de Jesus!

C – Deus quando formou o homem
Foi pra manter harmonia
Um com outros arranjando
O seu pão de cada dia
Não foi pra tomar cachaça
E viver nessa desgraça
Abusando a freguesia

B – Por que foi que Deus deixou-me
Sofrendo nesta tamanca?
Só estou bem quando estou
Bebendo cana Asa Branca
Quando sinto o cheiro dela
Me vem o sabor na goela
Ou eu bebo ou o rabo arranca!

C – Deus não fez você assim
Com essa sentença crua
De beber no bar alheio
E cair no meio da rua
Bêbado, falando sozinho
Aborrecendo o vizinho
Isto é safadeza sua!

B – Eu bêbado assim como vivo
Mas tenho religião
Tomo Pitu e Genebra
Junto com vinho São João
Levo queda de morrer
Deus vendo o meu padecer
Me concede a salvação

C – Deus quando formou o mundo
Fez o homem tão perfeito
Distinguiu-lhe de outros seres
E ficou bem satisfeito
Prometeu-lhe a salvação
E a imunda corrupção
Faz o homem desse jeito!

B – todo domingo, na missa
Eu ouço o padre ensinar:
“Coma pão e beba vinho
Para poder se salvar!”
Eu ouvindo esse sermão
Compro do vinho São João
Bebo dele até topar!

C – É porque você ‘tá ébrio
Não adianta discussão
Porém, quando ficar bom
Vou lhe dar uma lição
Lhe tirar dessa má-fé
E lhe mostrar como é
O rumo da salvação

B – Quando eu bebo Serra Grande
Me recordo da ladeira
Do Calvário, que Jesus
Levou a cruz de madeira
Lá, foi muito judiado
Eu também sou arrastado
Bebendo a cana rancheira

C – Jamais queira comparar
Seu sofrer com de Jesus
Enquanto o homem foi santo
E depois de morto, a luz
Da ciência e da verdade
E tua, a fatalidade
Que à miséria conduz!

B – Se beber fosse pecado
Não tinha canavial
De cana para extrair-se
Aguardente especial
Engenho nenhum moía
Você também não bebia
Café com açúcar cristal

C – É certo, eu tomo café
Feito com açúcar fino
Isto me dá alimento
Não sobe para o meu tino
Como faz a aguardente
Que deixa o homem insolente
Desordeiro e assassino

B – Vocês é que querem ser
Melhores do que a gente
Toma caldo, chupa cana
Não bebe porque é crente
Isso é que é ser idiota
E não é da P.O.J.
Caldo, açúcar e aguardente?

C – Nós não desejamos ser
Mais dignos do que vocês
Mas o crente não abraça
A imunda embriaguez
Seja moço ou seja velho
Vindo a nós, no Evangelho
Está salvo desta vez

B – E a gente só se salva
Se for na sua assembléia?
Então eu vou com você
Pra sair desta “coreia”
Vamos comigo lá dentro
Tomar primeiro um sargento
Pra despertar a ideia

C – Eu já falei pra você
Que não tomava cachaça
Mas parece que agora
Está tomando por graça
Me convidar pra beber?
Isto ficou pra você
Que bebe e cai pela praça

B – Grande coisa eu convidar
Um colega pra bicada
C – Colega, não, que eu não vivo
Com a sua cachorrada
Seu tipozinho indecente!
Disse o cachaceiro: – O crente
Ta numa “peinha” de nada

C – Sou um homem de estudo
Conheço a Escritura a fundo
E qualquer pergunta bíblica
Eu respondo num segundo
Sou pregador do Evangelho
Por isso mesmo aconselho
Esse tipo vagabundo

B – Você já leu alguns livros
De fabricar aguardente?
Pinga Fogo, Canta Galo
– Deus me livre – disse o crente
De eu ler certas matérias!
Disse o bêbado: – São matérias
De conteúdo excelente!

B – Dentro da Bíblia Sagrada
Tem um provérbio seguro:
“Crescei e multiplicai-vos”
Disse Deus para o futuro
Tudo vive em evolução
E daí vem a extração
Da aguardente pé-duro
C – Veja que loucura a sua
Com essa interpretação
Misturar cana pé-duro
Dentro da religião
Esse capítulo, não li
Melhor se reconcilie
Para ter a salvação

B – mas Jesus, quando foi preso
De espinhos foi coroado
Puseram-lhe a cana na mão
Como um cetro bem ornado
Ele não amaldiçoou-a
Por isso, da cana boa
Eu tomo desassombrado!

C – Meu amigo, já é tarde
Ta na hora da partida
Eu vou pedir a Jesus
Pra melhorar sua vida
B – Muito bem, meu camarada
Vamos tomar u’a bicada
Agora, por despedida

C – Esqueça essa vida imunda
De malandro desordeiro
B – Vamos tomar a saída
Agora, por derradeiro
Não quer tomar Aliada?
Tome champanhe gelada
Respondeu o cachaceiro

Disse o cachaceiro: – Aquele
Tem a peste de emperrado
Danou-se, não bebeu nada
Isto é que é ser amolado
Somente pra não pagar
Ele foi-se, eu vou tomar
Agora, um porre danado!

Aqui, eu peço desculpa
Para todo o brasileiro
Vamos fazer uma cota
Para arranjar o dinheiro
E pagar uma bicada
De Pitu ou Aliada

Pro pobre do cachaceiro

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