AS FESTAS DE SÃO FRANCISCO
Martins Capistrano
Canindé
vestia-se de gala, durante dez dias, por ocasião das Festas de São Francisco,
padroeiro da cidade. As comemorações tradicionais começavam no dia 24 de
setembro de cada ano e terminavam a 4 de outubro, quando se celebrava a data
litúrgica do Santo Frade de Assis.
Mudava,
inteiramente, a fisionomia urbana, com os milhares de romeiros, curiosos,
turistas, repórteres e mascates que se movimentavam nas ruas festivas e enchiam
as pensões e as casas particulares onde havia quartos para hóspedes.
Como
eu gostava desses longínquos dias turbilhonantes em que o menino se tornava
alegre, contagiado pelo ambiente de contentamento que transformava o aspecto
habitualmente quieto daquela doce e pacata vila sertaneja.
A
Praça da Matriz, a Rua do Fogo, A Rua de Baixo, o Alto dos Romeiros, o Largo do
Mercado toda a cidade de Canindé vibrava de satisfação ao contacto de tanta
gente de fora que trazia àquele lugar a nota festiva de seu entusiasmo, de suas
emoções, de seus propósitos...
Armavam-se,
em diversos pontos, notadamente na Praça principal, as barracas dos mascates,
geralmente turcos de prestação vindos da Capital e de municípios vizinhos ou
distantes. Nessas barracas vendia-se de tudo: desde o aluá mal preparado até o
anel ordinário, de latão, que o negociante sírio pretendia impingir como jóia
de ouro puro.
E
quando o freguês cauteloso, exigente e demorado apanha um anel ou uma pulseira
de metal barato anunciada como ouro verdadeiro, para examiná-la, detidamente, o
turco o advertia, manhosamente:
-
Não pega senão faruja!
O
ouro de dezoito quilates poderia, realmente, enferrujar nas mãos dos
curiosos...
Os
mendigos que chegavam de toda parte cegos, aleijados, enfermos incuráveis eram
a nota triste na alegria geral... Traziam instrumentos regionais (harmônica ou
realejo a gaita do Sul) para acompanhar as canções amargas que entoavam, nas
grandes noites do sertão.
E
quase sempre estava presente o velho Chagas, um cego inteligente que todo o
Ceará conhecia pelo seu constante bom humor e pelas estranhas músicas que tocava
com sua bengala arranhando o chão...
Essas
cenas pitorescas criavam um ambiente ao mesmo tempo comovedor e humorístico nas
tumultuosas ruas do Canindé daquele movimentando período, que Cruz Filho
revive, nesta sugestiva estrofe de seu grandioso poema Aldeia Natal:
“Lembram-me
agora as rumorosas massas, / Nas festas do Padroeiro, as procissões / Entre
longos cordões / De Filhas-de-Maria, / Homens sisudos a levar andores, / Santos
em marcha, com seu ar palerma, / Estandartes, bandeiras, multicores, / Repiques,
confusão, alvoroço, alegria,/ Num ambiente de terma”.
As
novenas da Matriz eram outro atrativo dos festejos de São Francisco. Não
comporta a igreja o grande número de fiéis que a procuravam na hora das
cerimônias religiosas e que se espalhavam pelo patamar amplo onde se armava o
púlpito para os sermões crepusculares pregados pelos capuchinhos.
A
bandeira (procissão noturna) desfilava, diariamente pela cidade, contagiando de
devoção e de fé os milhares de romeiros que aumentavam a população de Canindé,
durante os dez dias de festas.
Após
as novenas e a procissão, os fogos de artifício (leques, cataventos, cruzeiros
etc.) queimados na Praça, e devidos a pirotécnica do João Fogueteiro,
iluminavam e coloriam, vistosamente toda a cidade. Considerável multidão assistia,
fascinada, a esse deslumbrante espetáculo, que, diariamente, se repetia, até o
término dos festejos franciscanos.
No
dia 5 de outubro, a cidade voltava à sua calma rotineira, amanhecendo
desarrumada e revolvida como um palácio depois da festa.
Andava
eu pelos meus dozes anos quando, se bem me lembro, vi a última Festa de São
Francisco de Canindé.
........................
DADOS
BIOGRÁFICOS - Francisco Martins Capistrano (21/04/1905 - 06/08/1987),
jornalista e professor nascido em Canindé.
Dentre suas obras, destacamos: Vertigem, contos (Prêmio da Academia
Brasileira de Letras), Nevrose, contos; Mara, romance (Prêmio da Academia
Brasileira de Letras); Ciranda, contos; Quando veio a primavera, romance;
Turbilhão, contos; Roteiro Perdido, romance, de onde extraímos esse capítulo.
(Colaboração de Silvio R. Santos)
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