sexta-feira, 12 de outubro de 2012


AS FESTAS DE SÃO FRANCISCO


 Martins Capistrano

Canindé vestia-se de gala, durante dez dias, por ocasião das Festas de São Francisco, padroeiro da cidade. As comemorações tradicionais começavam no dia 24 de setembro de cada ano e terminavam a 4 de outubro, quando se celebrava a data litúrgica do Santo Frade de Assis.
Mudava, inteiramente, a fisionomia urbana, com os milhares de romeiros, curiosos, turistas, repórteres e mascates que se movimentavam nas ruas festivas e enchiam as pensões e as casas particulares onde havia quartos para hóspedes.
Como eu gostava desses longínquos dias turbilhonantes em que o menino se tornava alegre, contagiado pelo ambiente de contentamento que transformava o aspecto habitualmente quieto daquela doce e pacata vila sertaneja.
A Praça da Matriz, a Rua do Fogo, A Rua de Baixo, o Alto dos Romeiros, o Largo do Mercado toda a cidade de Canindé vibrava de satisfação ao contacto de tanta gente de fora que trazia àquele lugar a nota festiva de seu entusiasmo, de suas emoções, de seus propósitos...
Armavam-se, em diversos pontos, notadamente na Praça principal, as barracas dos mascates, geralmente turcos de prestação vindos da Capital e de municípios vizinhos ou distantes. Nessas barracas vendia-se de tudo: desde o aluá mal preparado até o anel ordinário, de latão, que o negociante sírio pretendia impingir como jóia de ouro puro.
E quando o freguês cauteloso, exigente e demorado apanha um anel ou uma pulseira de metal barato anunciada como ouro verdadeiro, para examiná-la, detidamente, o turco o advertia, manhosamente:
- Não pega senão faruja!
O ouro de dezoito quilates poderia, realmente, enferrujar nas mãos dos curiosos...
Os mendigos que chegavam de toda parte cegos, aleijados, enfermos incuráveis eram a nota triste na alegria geral... Traziam instrumentos regionais (harmônica ou realejo a gaita do Sul) para acompanhar as canções amargas que entoavam, nas grandes noites do sertão.
E quase sempre estava presente o velho Chagas, um cego inteligente que todo o Ceará conhecia pelo seu constante bom humor e pelas estranhas músicas que tocava com sua bengala arranhando o chão...
Essas cenas pitorescas criavam um ambiente ao mesmo tempo comovedor e humorístico nas tumultuosas ruas do Canindé daquele movimentando período, que Cruz Filho revive, nesta sugestiva estrofe de seu grandioso poema Aldeia Natal:
“Lembram-me agora as rumorosas massas, / Nas festas do Padroeiro, as procissões / Entre longos cordões / De Filhas-de-Maria, / Homens sisudos a levar andores, / Santos em marcha, com seu ar palerma, / Estandartes, bandeiras, multicores, / Repiques, confusão, alvoroço, alegria,/ Num ambiente de terma”.
As novenas da Matriz eram outro atrativo dos festejos de São Francisco. Não comporta a igreja o grande número de fiéis que a procuravam na hora das cerimônias religiosas e que se espalhavam pelo patamar amplo onde se armava o púlpito para os sermões crepusculares pregados pelos capuchinhos.
A bandeira (procissão noturna) desfilava, diariamente pela cidade, contagiando de devoção e de fé os milhares de romeiros que aumentavam a população de Canindé, durante os dez dias de festas.
Após as novenas e a procissão, os fogos de artifício (leques, cataventos, cruzeiros etc.) queimados na Praça, e devidos a pirotécnica do João Fogueteiro, iluminavam e coloriam, vistosamente toda a cidade. Considerável multidão assistia, fascinada, a esse deslumbrante espetáculo, que, diariamente, se repetia, até o término dos festejos franciscanos.
No dia 5 de outubro, a cidade voltava à sua calma rotineira, amanhecendo desarrumada e revolvida como um palácio depois da festa.
Andava eu pelos meus dozes anos quando, se bem me lembro, vi a última Festa de São Francisco de Canindé.

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DADOS BIOGRÁFICOS - Francisco Martins Capistrano (21/04/1905 - 06/08/1987), jornalista e professor nascido em Canindé.   Dentre suas obras, destacamos: Vertigem, contos (Prêmio da Academia Brasileira de Letras), Nevrose, contos; Mara, romance (Prêmio da Academia Brasileira de Letras); Ciranda, contos; Quando veio a primavera, romance; Turbilhão, contos; Roteiro Perdido, romance, de onde extraímos esse capítulo.

(Colaboração de Silvio R. Santos)

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