sexta-feira, 1 de junho de 2012


EMOÇÕES À FLOR DA PELE

Francisco de Assis de Freitas Silva*

Algumas vezes pode imaginar o cidadão comum, ser o policial militar alguém dotado de poucos recursos emocionais, que ora se encontra na condição de policial por pura e simples vocação, e que assim quis seguir carreira na segurança pública para enfrentar diversas situações de estresse e conflito e como não tem quase emoções e sentimentos, sai incólume e sem nenhuma seqüela de qualquer ocorrência e que esta seqüela não possa vir a ser classificada por um discípulo de Freud de experiência traumática. Ledo engano. Comete um erro crasso quem assim supõe; felizmente são uma minoria inexpressiva que talvez só pense nos próprios calos e não dá mínima importância aos problemas de seu próximo, ou num ensolarado dia de domingo, convidativo para um passeio no zoológico com a família para ver as piruetas e acrobacias dos macacos ou a soneca do cego urso Dimas, nesta condição devido às maldades do bicho homem, não ter a capacidade de dar um cordial bom dia ao vizinho, quiçá a um desconhecido.
Felizmente a condição de ermitões, que só enxerga sentido no seu existir em viver na mais completa e isolada solidão, é uma condição de poucos, sendo a maioria de nós classificada como um ser social, que necessita da companhia de outros semelhantes para viver, quer seja para inflar o próprio ego e contar mentirosas vantagens, jogar conversa fora numa rodada de cerveja ou mesmo para aquecer-se nas frias noites de inverno com a companheira e mãe de nossos descendentes. Em todo caso, a maioria absoluta dos cidadãos sabe que policiais são pessoas de carne e osso, que têm como ganha-pão resolver pendengas alheias, meter a colher em briga de marido e mulher, afagar e consolar pessoas que acabaram de ser roubadas ou mesmo tiveram um ente querido morto em um acidente de trânsito ou pela banalidade da violência nua e crua de nossos tempos, e até mesmo enfrentar a morte cara a cara no exercício de sua ingrata profissão. E em todas as situações de estresse e sentimentos à flor da pele, a capacidade do policial de assimilar as emoções é essencial para que o ser humano que necessita de auxílio num momento de aflição seja bem atendido e tenha minimizado o seu sofrimento; para isso as emoções do servidor público que está à frente da ocorrência devem ser as mais contidas possíveis, não deixando transparecer despreparo ou descontrole para passar a impressão de força, coragem e calma. Óbvio que nem todos os dedos das mãos são iguais e não podemos deixar de relatar que existem situações em que o policial que atende a ocorrência, seja de que natureza for, comete uma série de absurdos e erros que é bom nem citar, transformando uma ocorrência simples em algo de grandes proporções. Como numa situação que ouvi falar e nem sei bem como de fato se passou, ocorrida décadas atrás em um distrito de um município vizinho ao nosso, em que um jogo de futebol de crianças num terreno particular fez com que o pai de uma delas fosse assassinado pelo policial que atendeu a ocorrência, sendo este policial morto a golpes de faca pelos parentes da vítima que acabara de ser morta. Pura falta de um bom diálogo.
Cada caso é um caso, e acontece que na maioria das ocorrências realmente existe alguém necessitando de auxílio. È um marido que espanca a companheira, uma criança maltratada ou alguém que teve um bem subtraído por um assaltante, como um celular, por exemplo, usado como moeda de troca para alimentar o vício do crack avassalador, destruidor de lares e desagregador de famílias. Entretanto, algumas ocorrências são bem mais estressantes do que uma simples briga de vizinhos causada pela música alta de um aniversário; nos últimos anos uma modalidade de crimes vem tirando o sono de autoridades e moradores de municípios de pequeno e médio porte, quando grupos de criminosos fortemente armados invadem pequenas cidades do interior não só do Ceará mas também de praticamente todos os estados da federação e roubam o dinheiro de caixas eletrônicos utilizando além das armas, explosivos. Não sem antes sitiar os policiais ou rendê-los para que possam agir sem maiores preocupações e geralmente em alta madrugada. Aqui mesmo próximo a Canindé, já houve exemplos deste tipo de delito, como em Madalena, que na madrugada de sete de fevereiro foi invadida por uma horda de quinze a dezoito homens (houve controvérsia quanto ao número, quando no outro dia chegou a ser noticiado apenas em quatro o número de criminosos, segundo relatos da mídia local) que sitiou o prédio da unidade policial efetuando disparos e explodindo inclusive um artefato explosivo como forma de intimidar os militares que se encontravam no interior do prédio, impedindo uma reação. O bando fortemente armado com fuzis dividiu-se, enquanto uma parte cercava os policiais a outra fração seguiu para a agência do Banco do Brasil e explodiu o cofre fugindo em seguida.
São inúmeros os sentimentos que podem ser elencados em episódios desta espécie, tanto pelo cidadão comum que soube da informação, como pelo que foi testemunha ocular ou mesmo refém. Imagine então o policial que ali estava e teve sua vida em franco perigo. É de se imaginar que problemas sociais antigos e mal resolvidos, aliados a gigantesca burocracia e corrupção nos órgãos públicos e na política de um modo geral, tenham lá sua parcela de culpa em episódios como os narrados acima em comunhão com a flexibilidade de nossas inúmeras leis e colabore para a evolução destes e de outros tipos de crimes, sem mencionar a ineficácia de nossas prisões no sentido de ressocializar o infrator.
Outra ocorrência deste porte ocorreu na cidade de Hidrolândia, a qual já fez parte da jurisdição do 4º batalhão, estando hoje subordinada à 2ª Companhia do 7º batalhão, sediada em Nova Russas. No dia 3 de agosto de 2011, cerca de seis homens explodiram o caixa eletrônico do Banco do Brasil. De acordo com o apurado, dois elementos ficaram defronte à delegacia disparando para o alto para intimidar os policiais enquanto que os demais foram para a agência bancária, arrombaram a porta principal e tentaram explodir os caixas eletrônicos. Como não conseguiram seu intento criminoso fugiram do local em direção à Santa Quitéria. O que não foi veiculado nos meios de comunicação foi o fato de dois dos criminosos terem ficado com armas em punho em frente à residência do meu irmão, o cabo Eriberto, policial militar lotado em Nova Russas. No dia do ocorrido também me encontrava de serviço como fiscal de policiamento do Ronda do Quarteirão em Canindé e acompanhei o desenrolar dos fatos, quando meu irmão ouvindo as explosões e tiros, ligou de sua residência para Santa Quitéria e de lá houve o contato com o 4º batalhão, quando foi enviada uma equipe do FTA para a região, além de equipes de Crateús e Sobral. Talvez pelo fato de meu irmão ser um policial militar e já ter trabalhado em Hidrolândia, ou por sua casa ficar entre a delegacia e o Banco do Brasil daquela cidade, no meio da rua Professora Argentina Façanha, é que os bandidos ficaram em frente de sua casa.
A realidade converge para que relatemos que naquele instante em que eu estava de serviço e acompanhava a comunicação por rádio e ficava esclarecido do ocorrido, meus sentimentos eram de impotência, por não poder fazer nada para ajudar, e temor pela vida de meu irmão. Passados alguns momentos do episódio, conseguimos contato com o cabo Eriberto e senti pelo tom de voz em suas palavras que ele ficou temeroso pela sua segurança, mas principalmente pela segurança de sua família. Nas ocorrências com que nos deparamos, vemos sempre a situação da vítima, uma vez que temos amigos e familiares que eventualmente se veem ou já passaram por essa condição e já sabemos o que sente o familiar de alguém nestas horas, pois, como já disse em outra ocasião, somos tão ou mais vítimas como qualquer um pobre e reles mortal.

*Cabo PM, colaborador do blog.

2 comentários:

  1. "É de se imaginar que problemas sociais antigos e mal resolvidos, aliados à gigantesca burocracia e corrupção nos órgãos públicos e na política de um modo geral, tenham lá sua parcela de culpa em episódios como os narrados acima, em comunhão com a flexibilidade de nossas inúmeras leis, e colabore para a evolução destes e de outros tipos de crimes, sem mencionar a ineficácia de nossas prisões no sentido de ressocializar o infrator."
    Neste trecho da sua crônica, o cabo Freitas sintetiza muito bem a mais importante das causas da violência no Brasil, uma das maiores do mundo. É certo que existem outras causas, como a maldade inata que uma parte da Humanidade tem, indepedentemente da situação econômica, social ou racial. O sistema econômico capitalista que estimula a ganância, a inveja, o utilitarismo e o egoísmo é outra causa importante. Mas juntas, estas outras causas não são maiores que a decorrente da educação de baixa qualidade, que é o maior dos problemas sociais do Brasil. Corrupção, burocracia, incompetência são causas secundárias, decorrentes da falta de educação.
    Um povo educado tem dignidade para exigir dos políticos que o dirigem mais honestidade, competência, leis justas, observância dos direitos fundamentais do ser humano.
    O grande mestre Darcy Ribeiro, conhecedor da formação histórica e social do Brasil, é um esquecido até nas universidades. Quem se deu o prazer de ler obras como O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil, O Processo Civilizatório e outras não menos importantes não deixa de sentir certa indignação com a insensibilidade de nossas elites dirigentes, que desconhecem o valor de coisas simples e sábias como os CIEPs idealizados por Darcy, em que crianças passariam suas manhãs e tardes estudando, alimentando-se bem e praticando esportes, enquanto os adolescentes também poderiam aprender uma profissão técnica.
    Tenha a minha solidariedade com as suas ideias, Freitas.

    Flávio Henrique

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  2. Flávio, um mestre como Darcy Ribeiro é esquecido mesmo, mas creio que esse esquecimento é proposital. O conhecimento, apesar de estar bem mais ao alcance de todos, ainda é manipulado; a liberdade de pensar tb é uma coisa entre aspas. Não é à toa que Darcy Ribeiro é colocado na "geladeira". A emancipação da mente, no geral, ainda é uma utopia.

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