Em cordel bem-humorado, o irreverente poeta Jota Batista presta uma homenagem ao Capitão Ari Bezerra, ilustre personagem canindeense que passa uma temporada no chão de Camões. Jota, a bem dizer, satisfaz neste cordel a saudade que sentimos do Sossego do Mar, espaço cultural e recreativo, onde o Capitão Ari e sua esposa D. Aurora – impecáveis anfitriões – recebem amigos, poetas e cantadores de Canindé. Ancorado em leituras de Machado de Assis, o poeta questiona aspectos da culinária do Brasil e de Portugal.
O CAPITÃO DE FRA(GATAS)
E O BACALHAU DOS CABRAIS
Jota Batista
Mais coisas no céu e terra
Acontecem, e quem diria!
Muito mais que imagina
A tua filosofia…
Hamlet disse a Horácio,
E eu uso do prefácio
Do conto de SHEAKESPEARE.
Um rei foi assassinado
(A história está na mídia)
Por um irmão leviano,
Por ganância e por desídia.
Feito o crime, este se curva
A casar-se com a viúva,
Numa macabra perfídia.
Após sucinto resumo
Do que findou em tragédia,
Vou narrar agora um caso,
E fazer a minha média,
De Porto, de Portugal,
Capitão e bacalhau,
De mentira e de comédia.
Dizem os compatriotas
Do Brasil e Portugal,
Que o futebol brasileiro,
Sendo paixão nacional,
Em Portugal é sabido:
O assunto mais digerido
É o prato de bacalhau.
É um peixe não tão raro,
Mas, que pobre não adianta
Comê-lo porque é caro,
Nem no almoço, nem na janta.
Não afirmo por capricho,
Mas só como desse bicho
Às vezes... Semana Santa.
Dizem: “Bacalhau do Porto
É uma teta sem prega”;
Exaltam que é de lá,
Mas provém da Noruega.
E vão aos bacalhoeiros
Lá no Porto de Aveiros,
Onde o povo vai e pega.
Aveiros fica a setenta
Quilômetro do sul do Porto.
Outra província bonita
De turismo e de conforto,
Às margens do Rio Douro
E vê-se no ancoradouro
O bacalhau vivo ou morto.
Receitas das mais diversas
A gente encontra por lá.
Preparado às Pataniscas,
Narciza, Gomes de Sá…
O prato espiritual,
O suflê de bacalhau
E tripas pra degustar.
O fato é que é um peixe
De inúmeras opções,
Servido em pratos e formas
Seja inteiro ou em porções,
É um prato preparado
Pra deixar enamorados
Vulneráveis corações.
Há bacalhau para todos:
Fiel amigo e bolinho.
Uma vasta culinária
Ao lado do melhor vinho.
Dirija-se a Portugal,
Se quiser comer legal,
É este o melhor caminho.
Por falar em bacalhau,
Tiro proveito da hora,
Pra dizer que o Capitão
Pra Portugal foi embora;
Não quer saber de voltar,
Passou a só degustar
Da culinária de fora.
Estranhíssima atitude
Que pratica o nosso irmão:
Trocar bacalhau daqui
Por um de outra nação!
Dona Aurora já vagueia
E suspeita de sereias
Pra tanta transformação.
Sereias podem ser lendas,
Sereias podem ser mitos,
Mas existem umas sereias
Que nelas eu acredito:
São aquelas do bem-bom,
De ruge, pó e batom
E de cabelos bonitos.
São as sereias dos bares,
Boates, cheias de luz!
São aquelas do pãozinho,
Meu Pãozinho de Cuscuz.
De bumbuns arrebitados,
De beiços avermelhados,
Olhos claros e azuis.
De fato são de espantar
Mudanças tão radicais.
Come o lá de Portugal
E o daqui não come mais!
A estória é de Trancoso?
Ou será que é cheiroso
O bacalhau dos cabrais?
Essa troca de mariscos
Vem provocando um rebu.
Só o Capitão quem sabe
O buraco-do-tatu...
O homem está decidido
E só quer comer cozido
Enjoou do bicho cru.
Nessa hora, eu lhe advogo
E o quero inocentado.
É dito que todo réu
Carece de advogado.
E afirmo de Norte a Sul:
Se o bicho já é bom cru,
Imagine temperado!
Na modesta opinião
Deste vate que assina
Versos tão enigmáticos,
Talvez o mapa da mina
Seja que no bacalhau
Que ele come em Portugal
Se note mais vitamina.
O Capitão que o diga,
Conhece o sabor dos dois…
Ele deve ter cuidado
Para não chorar depois.
Quando ele aqui atracar
A mulher vai duvidar:
– Sois meu esposo? Quem sois?
O bacalhau do Brasil
Comia com as duas mãos.
Dizem que prato lambido
É esquecido, e então,
Se alguém o argüir:
– E o bacalhau daqui?
Dirá ele: – Lembro não.
O bacalhau estrangeiro
Encontrado nas falésias
É pescado problemático
Do Oiapoque à Indonésia,
O bicho só gera atritos,
Além de causar conflitos
Ainda causa amnésia.
O bacalhau do Brasil,
Será que traz desconforto?
Será do Mediterrâneo,
Mar Vermelho ou do Mar Morto?
Tem esfinge nesse enredo,
É intrigante o segredo
Que tem o peixe do Porto.
Cá comigo, eu imagino
Com a mais salgada lisura,
Que o bacalhau dos cabrais
Possui mais envergadura,
Contornos de relicário,
Olores de boticário
E essências de natura.
E tem mais: o Capitão
Tá demorando a voltar…
Será que vossas narinas
Deleitaram-se por lá!
O bacalhau dos cabrais
E seus perfumes florais
É mesmo de acorrentar.
É no SOSSEGO DO MAR
Que faço este recital,
Dirigindo ao Capitão
Perguntas de bacalhau.
Responda e desate o nó:
– Onde se come melhor:
No Brasil ou Portugal?
Quais serão suas respostas
Pra tantos enunciados?
Por que nosso bacalhau
Se acha tão desprezado?
Será que a comida gringa
Não tem a mesma catinga
Que possui nosso pescado?
E por que a preferência
À comida lusitana?
E por que trair a pátria
Com atitudes profanas?
Sua esposa já se posta
A ir atrás de respostas
Na tenda de uma cigana.
É aí que ela se engana,
Cigana é mulher levada.
Pode até haver conluio,
Uma espécie de cilada…
Cigana é mulher vulgar,
Seu negócio é intrigar,
Enfim, não resolve nada!
Basta ler “A Cartomante”
De Machado de Assis,
Onde Rita trai Vilela
Com Camilo que a quis.
E descoberta a desdita,
Vilela põe fim a Rita
E ao amante infeliz.
A cigana já sabia
Da trama do adultério,
Mas, para entupir os cofres
Apavonava os mistérios.
Resultado disso tudo:
O bolso dela baludo
E o casal no cemitério.
Por isso eu digo a senhora:
– Não perturbe o Capitão.
Espere o moço chegar,
Analise a situação.
Cigana só faz trapaça,
É melhor que você faça
Calada investigação.
Aqui termino a estória,
Já é hora de parar.
Dona Aurora e o Capitão
Formam um casal sem par.
Unidos no amor e fé,
Viva nosso Canindé!
VIVA O SOSSEGO DO MAR!
Caro PPP, vi com prazer tua postagem no "Vilacamposonline"
ResponderExcluirMostro pra você, como comentário o meu agradecimento ao Jota.
Querido amigo Batista
Te agradecer eu queria
Teus versos que a meu ver
Expressa tua alegria
Fazendo graça de tudo
Me meteu em um canudo
Chega fiquei com azia
Como que vou explicar
O bacalhau português
Aqui é feito na brasa
No visual do freguês
Mas você entendeu mal
Preparou sem tirar sal
Me enroscou de uma vez
Do cheiro tu me perguntas
A diferença que faz
Sei não amigo, sei não
Olfato nem sinto mais
São tantas culpas no prato
que depois de tres ou quatro
O sabor já não apraz
Se o daqui é melhor ?
Posso dizer com certeza
O daqui não vale nada
O de lá é uma beleza
Não há melhor bacalhau
Com pimenta, azeite e sal
Por ela posto na mesa
Grande abraço amigo
Ari
Gostei da sua resposta,
ExcluirQue publico com carinho.
Quando vc decidir
Pegar de volta o caminho,
Vamos fazer um sarau
À base de bacalhau,
Muita prosa e muito vinho.
Grande abraço!