A PSICOLOGIA E A VALIDADE
DO CONHECIMENTO
Colaboração: Flávio Henrique
No seu livro A Dinâmica do Inconsciente, traduzido para o português pela Editora Vozes (3.ª ed. Petrópolis, 1998), Carl Gustav Jung, o criador da Psicologia Analítica, teve insights brilhantes sobre a validade do conhecimento humano (cujo sujeito é a psique, por sua vez objeto de estudo da Psicologia) sob um novo ponto de vista, o que constituiu uma contribuição original para a Teoria do Conhecimento tal como Kant nos havia legado no final do século XVIII, com a sua magnífica Crítica da Razão Pura. Transcrevemos desta obra o seguinte trecho (p. 176):
“As tentativas feitas nos últimos três séculos, no sentido de captar a alma, fazem parte daquela tremenda expansão dos nossos conhecimentos sobre a natureza que trouxe o cosmos para mais perto de nós, em medida quase inimaginável. Os aumentos de milhares de vezes dos objetos, por meio de microscópios eletrônicos, rivalizam com as distâncias de 500 milhões de anos-luz. A Psicologia, porém, está muito longe de alcançar um desenvolvimento semelhante ao das demais ciências naturais. Como vimos, até hoje quase não conseguiu libertar-se das malhas da Filosofia. Entretanto, qualquer ciência é função da psique, e qualquer conhecimento nela se radica. Ela é o maior de todos os prodígios cósmicos e a condition sine qua non do mundo enquanto objeto. É sumamente estranho que o homem ocidental, com raríssimas exceções, aparentemente não dê muita importância a este fato. Sufocado pela multidão de objetos externos conhecidos, o sujeito de todo conhecimento eclipsou-se temporariamente, até à aparente inexistência.
A alma era um pressuposto tácito, aparentemente conhecido em todos os seus detalhes. Com a descoberta da possibilidade de um domínio psíquico, criou-se a oportunidade de embarcarmos numa grande aventura do espírito, e poderíamos esperar que houvesse um interesse apaixonado nesta direção. Como se sabe, nada disto aconteceu; levantou-se, pelo contrário, uma generalizada reação contra esta hipótese. Ninguém tirou a conclusão de que, se o sujeito do conhecimento, isto é, a psique, tem também uma forma obscura de existência não diretamente acessível à consciência, todos os nossos conhecimentos devem ser incompletos, em proporção que é impossível determinar. A validade do conhecimento foi questionada em uma forma totalmente diversa e mais ameaçadora do que o fora antes pela análise da teoria do conhecimento. É verdade que esta última colocou certos limites ao conhecimento humano em geral, limites estes dos quais a Filosofia Idealista alemã tentou se emancipar, mas as ciências naturais e o common sense [o senso comum] se acomodaram sem grande dificuldade a esta situação, se é que dela tomaram conhecimento. A Filosofia lutou contra esse estado de coisas, defendendo uma antiquada pretensão do espírito humano de ser capaz de trepar nos próprios ombros e de conhecer coisas que estão simplesmente além da compreensão humana. (,,,)”
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