Derrubar uma árvore com mais de 60 anos de existência, de modo covarde na calada da noite, só pode mesmo é gerar indignação. Foi o que aconteceu em Canindé, de quinta para sexta-feira, quando amanheceu cortado um pé de oiti situado na esquina da tradicional Casa Marreiro, no centro da cidade. O episódio brutal causou revolta na população. Sobre o assunto, escrevi esta crônica de desabafo:
CONFISSÕES DE UMA ÁRVORE
Pedro Paulo Paulino
Eu sou um velho pé de Oiti, um tanto solitário mas não abandonado. Não estou totalmente no abandono, porque alguns irmãos meus da espécie humana olham-me com carinho. Nasci nesta esquina da antiga Casa Marreiro, plantado que fui e regado, para minha felicidade, pelas mãos de um poeta. Aqui cresci e prosperei, vendo o frenesi da cidade, vendo pessoas de todo tipo que passam na rua, uns alegres, outros tristes; uns acompanhados, outros solitários. E aqui ainda estou, há mais de meio século, parado em meu lugar, vendo a vida que se movimenta ao meu redor. Igual a vocês, irmãos humanos, sinto também alegria algumas vezes, noutras não. Sou um vegetal, mas também tenho amor, sinto prazer, mas também sinto dor e sofrimento.
Neste meu singular período de vida, espero de alguma forma ter contribuído para o bem-estar de vocês, meus irmãos humanos. Espero ter colaborado com minha sombra e com meu agasalho, a quantos já precisaram de mim. Sou um anônimo, mas ao mesmo tempo bastante conhecido. Alguns nem me veem, mas estou vendo todos vocês. Vejo inclusive, deste meu ponto, o templo do nosso padroeiro São Francisco das Chagas. Daqui, contemplo os cordões de gente que para lá seguem em romaria. Muitos desses peregrinos já se encostaram em mim. Muitos , até, me confessaram suas mágoas e desesperos. Vejo ao meu redor, também, outras árvores iguais a mim, balançando seus galhos ao sabor do vento. Nós nos comunicamos. Sempre falo para meus irmãos vegetais da nossa insignificância perante a arrogância e a insensatez dos humanos.
Sou testemunha viva de muita coisa. Sou testemunha do amor das aves que pousam em meus galhos. A elas, procuro dar abrigo e conforto. Meu caule está envelhecido e cansado. Mas à minha sombra uma multidão de gente já encontrou acalento. Espero ter, nesta minha existência, colaborado com o equilíbrio da santa natureza. Espero, com a clolorofila de minhas humildes folhas, ter oferecido um pouco mais de oxigênio a todos vocês. Espero, com meu simples trabalho, ter transformado o gás carbônico dos carros de vocês, em ar puro para vocês mesmo respirarem. Estarei feliz se, nesta minha luta obscura, tiver contribuído para dar sombra ao velho, à criança, ao pobre cansado, ao mendigo, ao cego, ao paralítico. Já servi muitas vezes de apoio para a montaria do sertanejo, que em meu tronco amarra o seu cavalo ou o seu jumento.
Já anconrei, debaixo de mim, nas horas de sol inclemente, o homem exausto. Já dei abrigo ao camelô, ao cambista, à mulher desamparada, e até mesmo aos casais de namorados. Não tenho férias e quase não sou gratificado. A não ser, quando uma mão caridosa atira um pouco de água em minha raiz. Cresci obediente à lei da natureza, com a missão de ser útil, de embelezar um pouco mais o cenário da cidade, de farfalhar minhas folhas nas manhãs alegres e nas tardes vagarosas.
Mas eu, um velho pé de Oiti, infelizmente, também sou vítima da fúria e do ódio que reina em vocês, irmãos humanos. Igual a vocês, também sou vulnerável e desprotegido. Neste momento, sinto amargamente os duros golpes do ferro que destruiu minha copa, que pôs em terra os meus singelos galhos. Era tudo o que eu possuía. Fui decepado a sangue frio, por mãos vis e estúpidas. Dentro da noite, enquanto eu repousava, fui atacado covardemente, da mesma forma que vocês, irmãos humanos, são atacados na paz dos seus lares.
Porém, amigos e irmãos meus, o dom do perdão também me foi dado pelo Criador. Ainda estou vivo e na condição de perdoar as mãos que me ofenderam. Aos que me degradaram, concedo o meu perdão. Desejo apenas que meus galhos cresçam novamente, que minhas folhas vicegem de novo, pois preciso voltar a oferecer minha sombra, meu agasalho e meu amparo a quem de mim precisar, inclusive àqueles que tentaram me destruir. Ó irmão poeta que me plantaste, do lugar onde estás faça-nos um pedido de paz, de amor e de compreensão àqueles que atentaram contra mim. E tu, Irmão Francisco, que também me chamaste de irmão, aqui estou clamando um pouco de tua bendita sombra.
NOSSA LÍNGUA
GODERO Parasita, pessoa que não trabalha, quinca, gaudério.
Caro Pedro Paulo,
ResponderExcluirvenho me solidarizar fazendo coro à sua indignação. É revoltante como aprendemos a não dar valor às pequenas grandes coisas, àquelas que realmente importam. Não tem valor a vida, não tem valor o sofrimento humano, não tem valor a poesia...só tem valor aquilo que pode ser vendido, gerar lucros.
Choro também pelo velho pé de oiti, que nem mesmo teve a chance de fazer sua defesa. Obrigado por dar voz, ainda que póstuma, a este bom amigo.
quem foi esse infiliz que fez isso?
ResponderExcluirSem comentários.
ResponderExcluirA dor contida, do poeta, já diz tudo!
Prezado Paulino,
ResponderExcluircompreendo sua indignação.Aqui, Tasso Jereissati e Beto Studart cortaram uma quadra, onde viviam animais silvestres e muitos pássaros. Ninguém mais fala. Parece que a fortuna deles faz calar a mísia e o esquecimento foi rápido.
Abraços,
Gilmar
A crônica é linda, exprime sensibilidade, uma extraordinária visão do mundo e da natureza. Não entendi uma coisa. No introito é dito que o pé de oiti foi cortado, posto todo abaixo (pelo menos foi o que entendi). Porém, no final da crônica, entendi que cortaram os galhos, sem cortar toda a árvore, esse costume estúpido e insensível que certa concessionária de serviço público tem há algumas dezenas de anos, pois lembro muito bem que, na década de 80, cortavam-se periodicamente os galhos de todas as acácias e algarobas, deixando apenas o tronco, sob o pretexto de que danificavam a rede elétrica e depois voltariam a crescer.
ResponderExcluirMas me parece que não é necesário fazer essa poda irracional, apressada e descuidada, pois em Fortaleza os oitizeiros da Av. Dom Manuel e da Santos Dumont, em frente ao Colégio Militar e no trecho entre a Barão de Studart e a Tibúrcio Cavalcante, nunca sofreram tal poda, sendo inclusive enormes, muito maiores do que o oitizeiro da Casa Marreiro. Quando não havia tantos carros, na década de 70, recordo que à noite esses oitizeiros (tal como os sapotizeiros) exalavam um aroma superagradável, que me inspiravam um sentimento de comunhão com a natureza em plena avenida.
O mal é também fruto da ignorância. As pessoas chegam ao ponto de colocar cimento no chão, ao redor do tronco das árvores, negando-lhes até um espaço razoável para que possam alimentar-se da água da chuva, que fica impedida de penetrar naquele pequeno círculo em volta. Existem avenidas e rodovias que não têm árvores no canteiro central, dando-nos a náusea de contemplar aquele espaço árido e desumano que fere a nossa sensibilidade, sem a vida que só os vegetais conseguem dar.
Como Pedro Paulo diz, as árvores nos dão oxigênio, amenizam o clima, embelezam a paisagem.
Há ainda um mistério na vegetação: num dia de sol quente, mal conseguimos andar de pés descalços no chão de terra, pedra ou mesmo com a cobertura artificial de cimento ou cerâmica. Mas se experimente pisar na grama - por mais quente que esteja o sol, a grama permanece quase gelada, sendo um alívio para os nossos pés. Imagine-se, então, o que uma grande quantidade de árvores faz ao refrigerar o clima, atenuando o calor do sertão, especialmente numa cidade.
Flávio Henrique
Foi um ato extremamente infeliz. A boa notícia é que a árvore vai sobreviver, foi uma poda drástica que a deixou sem nenhuma folha, mas existe uma outra hápoucos metros dela que já foi feito isso inúeras vezes e a mãe natureza se encarregou de recompô-la.
ResponderExcluirCesar Magalhães