domingo, 2 de outubro de 2011


Hoje deponho minha modesta pena, para transcrever uma crônica de autoria de frei João Pinto (OFM), antigo celebrante da Paróquia de Canindé. Numa prosa pura, sem floreados e sem presunsão literária, o religioso e escritor assim pintou a romaria de São Francisco das Chagas de Canindé:

LÁ VÊM OS ROMEIROS 
DE SÃO FRANCISCO

Frei João Pinto


Canindé é uma cidade para onde convergem muitos caminhos. Caminhos dos homens e caminhos de Deus. Todos levam a São Francisco das Chagas de Jesus Cristo. O santo, por sua vez, reúne-os todos na auto-estima que conduz ao Divino Mestre.
Desce uma estrada do Norte e, à altura de Sobral, no Ceará, ansiosa por chegar, quebra o braço direito para Santa Quitéria, formando a Estrada da Fé. Todas elas sempre dão um jeitinho proposital de passar por Canindé. São as estradas dos homens por onde palmilham os romeiros da fé.
– Lá vêm os romeiros de São Francisco!
Setembro, tornam-se mais intensas as romarias. Vêm os romeiros em levas mais numerosas para a festa do santo e até à estação chuvosa, em regulares enchentes. De ônibus, paus-de-arara, por via de regra; a pé, muitos de perto e de longe.
Quanto desconforto num pau-de-arara! Carroceria de caminhão com toldo baixo de lona, tábuas estreitas pouco espaçadas e dezenas e dezenas de romeiros no arrocho para caber mais. Todos querem vir!
Que desconforto! Para nós! Para os romeiros de São Francisco é como se viajassem de ônibus com ar-condicionado. Não medem eles sacrifícios nem se permitem incomodá-los com as canseiras, poeira, calor e catabis. É que vão a Canindé encontrar-se com seu senhor milagroso São Francisco.
Grupos de romeiros a pé margeiam as estradas. Não querem nem pedem carona. Para quê? A promessa é ir mesmo a pé. Os homens carregam a bagagem maior e as mulheres, com trouxas ou, por vezes, com garotos escanchados dum lado. Poucos conduzem carroças puxadas a animais para carregar seus bagulhos e crianças. Em geral levam trouxas nas costas ou pendentes duma vara. Há também os crucificados. Atravessam um pau nos ombros e nas pontas dos braços da cruz penduram seus minguados haveres.
A gente pára a vê-los passar. Devia ser assim que São Francisco viajava neste mundo. De túnica-mortalha, descalço ou de alpercatas, pouco ou nada levando, que S. Francisco não era homem de promessas. Também tão santo, que não precisava de promessas, nada pedindo a Deus a não ser sua graça.
– Lá vai um São Francisco! Mais dois! Um cento!
Em suas almas simples são todos “poverellos”. E de fato! Homens e mulheres, jovens, crianças e velhos; romeiros de São Francisco de todos os tipos e tamanhos, de todas as idades, cores e origens.
– Lá vêm os romeiros de São Francisco das Chagas do Canindé!
Por mais incômodos que sofram, por mais longe que morem, alegres e felizes põem o pé na estrada e vencem as distâncias que os separam geograficamente do Canindé de São Francisco das Chagas.
– Meu senhor São Francisco, cheguei!

2 comentários:

  1. Exatamente por não ter pretensão literária nem floreios vazios de sentido é que o frei João Pinto escreve bem. Os atavios da escrita refletem muitas vezes a pobreza de ideias e sentimentos. Não é o caso desta crônica, que
    por ser escrita em frases curtas e simples, mas com originalidade de pensamento e riqueza de ideias, é a expressão da melhor literatura. A
    crônica tem densidade nas suas curtas frases mas, ao mesmo tempo, é lida facil e agradavelmente, despertando no leitor uma profusão de sentimentos e admiração. Frei João Pinto, na sua juventude, foi reitor do Colégio
    Franciscano de Ipuarana, onde ensinava inglês, língua que muito bem conhecia por ter vivido nos EUA durante algum tempo. Tive a honra de ser
    seu aluno em 1967 e 1968, juntamente com alguns canindeenses, dentre eles Severino Marreiro. Talvez por conhecer tão bem uma língua muito sintética como o Inglês é que frei João Pinto escrevia nesse português tão fluente e simples, sem perder, como já dissemos, a riqueza de expressão.

    Flávio Henrique

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  2. Por ter nascido há poucos metros da Basílica de São Francisco, a festa do padroeiro é uma das imagens mais antigas que minha memória gravou. Evidentemente, que a festa era muito menor, o número de veículos disponíveis era bem mais achanhado.
    Ninguém é dono da verdade, mas afora aqueles que vem a Meca franciscana apenas por diversão, existe os milhares que que trazem a energia da sua fé e devoção ao padroeiro.
    Houve uma época da história que a fé se dava
    por pura falta de opção, por ignorância, pela total falta de assistência por parte do Estado, sem falar na época dos horrores da Santa Inquisição (que de santa só tiha o nome).
    Com a liberdade religiosa que temos hoje, com a rede de proteção social, com assistência médica e a medicação disponível (pelo menos em tese), ainda é crescente o número dos que buscam os milagres de São Francisco.
    A FÉ, PORTANTO, ESTÁ EM ALTA, UMA FÉ EXPONTÂNEA QUE SE ALIA A MEDICINA PARA PROMOVER O MILAGRE DA CURA DO CORPO E DA ALMA.

    Cesar Magalhães

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