sábado, 29 de outubro de 2011

DATA

No Dia Nacional do Livro, vale a pena relembrarmos o poeta Castro Alves (1847-1871), através do seu poema:

O LIVRO E A AMÉRICA

Castro Alves

Talhado para as grandezas,
Pra crescer, criar, subir, 
O Novo Mundo nos músculos 
Sente a seiva do porvir. 
— Estatuário de colossos — 
Cansado doutros esboços 
Disse um dia Jeová: 
"Vai, Colombo, abre a cortina 
"Da minha eterna oficina... 
"Tira a América de lá".

Molhado inda do dilúvio, 
Qual Tritão descomunal, 
O continente desperta 
No concerto universal. 
Dos oceanos em tropa 
Um — traz-lhe as artes da Europa, 
Outro — as bagas de Ceilão... 
E os Andes petrificados, 
Como braços levantados, 
Lhe apontam para a amplidão.

Olhando em torno então brada: 
"Tudo marcha!... Ó grande Deus! 
As cataratas — pra terra, 
As estrelas — para os céus 
Lá, do pólo sobre as plagas, 
O seu rebanho de vagas 
Vai o mar apascentar... 
Eu quero marchar com os ventos, 
Corn os mundos... co'os firmamentos!!!" 
E Deus responde — "Marchar!" 

“Marchar!... Mas como?... Da Grécia
Nos dóricos Partenons
A mil deuses levantando
Mil mármoreos Panteons?...
Marchar co’a espada de Roma
— Leoa de ruiva coma
De presa enorme no chão,
Saciando o ódio profundo…
— Com as garras nas mãos do mundo,
— Com os dentes no coração?...

"Marchar!... Mas como a Alemanha 
Na tirania feudal, 
Levantando uma montanha 
Em cada uma catedral?... 
Não!... Nem templos feitos de ossos, 
Nem gládios a cavar fossos 
São degraus do progredir... 
Lá brada César morrendo: 
"No pugilato tremendo 
"Quem sempre vence é o porvir!"

Filhos do sec’lo das luzes! 
Filhos da Grande nação! 
Quando ante Deus vos mostrardes, 
Tereis um livro na mão: 
O livro — esse audaz guerreiro 
Que conquista o mundo inteiro 
Sem nunca ter Waterloo... 
Eólo de pensamentos, 
Que abrira a gruta dos ventos 
Donde a Igualdade voou!...

Por uma fatalidade 
Dessas que descem de além, 
O sec'lo, que viu Colombo, 
Viu Guttenberg também. 
Quando no tosco estaleiro 
Da Alemanha o velho obreiro 
A ave da imprensa gerou... 
O Genovês salta os mares... 
Busca um ninho entre os palmares 
E a pátria da imprensa achou...

Por isso na impaciência 
Desta sede de saber, 
Como as aves do deserto 
As almas buscam beber... 
Oh! Bendito o que semeia 
Livros... livros à mão cheia... 
E manda o povo pensar! 
O livro caindo n'alma 
É germe — que faz a palma, 
É chuva — que faz o mar.

Vós, que o templo das idéias 
Largo — abris às multidões, 
Pra o batismo luminoso 
Das grandes revoluções, 
Agora que o trem de ferro 
Acorda o tigre no cerro 
E espanta os caboclos nus, 
Fazei desse "rei dos ventos" 
— Ginete dos pensamentos, 
— Arauto da grande luz!...

Bravo! a quem salva o futuro 
Fecundando a multidão!... 
Num poema amortalhada 
Nunca morre uma nação. 
Como Goethe moribundo 
Brada "Luz!" o Novo Mundo 
Num brado de Briaréu... 
Luz! pois, no vale e na serra... 
Que, se a luz rola na terra, 
Deus colhe gênios no céu!...

Do livro: Poetas Românticos Brasileiros, vol. I, Editora Lumen, SP, s/ano

NOSSA LÍNGUA

Marafaia Em PE é sinônimo de puta, meretriz, puara, quenga. Tem origem no árabe "mara haina" (mulher que engana) que, aportuguesado, virou marafona.


Um comentário:

  1. Merece aplauso a publicação neste blog da poesia estupenda de Castro Alves, lírica e denotadora da vasta cultura e ampla mundividência desse homem que morreu cedo, com 24 anos, e que conquistou a simpatia de seus contemporâneos pelo carisma de que era possuidor.
    Não entendo de poesia nem tenho sensibilidade e imaginação suficientes para compreender esses versos. No entanto, isso não me impede de admirá-los pela beleza e profusão de ideias. Sinto intuitivamente que dizem muito, sobretudo pelas abundância de citações. Apenas esta estrofe é que consegui entender, e me sinto satisfeito e grato a Castro Alves pela sublimidade da verdade que expressa:
    Por isso na impaciência
    Desta sede de saber,
    Como as aves do deserto
    As almas buscam beber...
    Oh! Bendito o que semeia
    Livros... livros à mão cheia...
    E manda o povo pensar!
    O livro caindo n'alma
    É germe — que faz a palma,
    É chuva — que faz o mar.

    Flávio Henrique

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