UMA PEGADINHA DA NATUREZA?
Pedro Paulo Paulino
Leio no jornal que nos sertões de Crateús, em pleno outubro, choveu cerca de 60mm. A região é conhecida como uma das mais secas do Estado. Na mentalidade popular, quando o inverno é farto no Ceará e sobra alguma chuva, São Pedro resolve mandar a sobra para aquelas bandas. Fico meio tonto com essa notícia. Será isso uma pegadinha da natureza? Deste período do ano em que estamos, até chegar nosso bom tempo de inverno, ainda falta é coisa. E logo agora, o estágio do ano mais seco do nosso clima, de repente começa a chover, inclusive com direito a relâmpago e trovão, como se estívessemos em janeiro.
Mas ouço no rádio que a mudança climática se deve a uma frente fria estacionada sobre a Bahia. O restante da mídia confirma. Sem dar azo às explicações da meteorologia, o certo é que essas chuvas tão fora de época chegam como uma visita que de tão inesperada torna-se mais ilustre e bem-vinda. A trégua que a natureza deu a prolongados dias de sol impiedoso, num átimo fez acordar a própria natureza que hibernava triste e monótona sob o calor inumano. O sertão ganha ares de baile, e tudo que vive animou-se mais. Um cheiro de terra molhada nos traz uma lembrança grata, uma sensação diferente. O contraste da terra seca, a caatinga depenada, com o céu turvo e a chuva repentina produz um efeito fantástico aos nossos olhos. A alegria manifesta dos pássaros colabora com a transformação.
Mas não nos enganemos. Logo, o verão voltará para concluir o seu ciclo. Logo, as árvores acabarão de ficar mais nuas, livrando-se da responsabilidade de sustentar suas folhas. E os pássaros ficarão calados novamente. Esse oásis atmosférico é um paliativo até que a verdadeira cura aconteça. O sertanejo experiente sabe disso, principalmente nós do Sertão Central cearense. Mesmo assim, ficamos gratos pela chuva inusitada. Chega como um armistício, dando a entender que a guerra vai voltar.
Enquanto o ar torna-se ameno e apetitoso, é motivo para se refletir o quanto somos adaptados aos extremos climáticos em que vivemos. Conhecemos apenas o inverno e o verão, que na verdade não são uma coisa nem outra na real concepção de estações do ano. O outono e a primavera não acontecem aqui. Ou é tudo ou nada. Cavalgamos no espinhaço do planeta e tudo para nós é extremamente bilateral. O próprio Sol, como cavaleiro desequilibrado, fica sempre mais para uma banda ou para outra, gerando os equinócios. Com isso, estamos na corda bamba em disparada pelo espaço sideral.
Por estas e outras, sempre julguei impossível na prática uma relação simbiótica com nossos patrícios das outras regiões. O clima molda nosso temperamento. Até mesmo entre o sertanejo, o serrano e o habitante do litoral, já há diferença. São aspectos há muito notados e de natureza indiscutível. Não esperamos mais nem menos da natureza, somente a quantidade ideal, seja de sol e de chuva. Excessos numa e noutra coisa também não nos causa muito estranheza. Acostumamo-nos. Vivemos assim, o sertanejo, numa situação de quase empate nesse jogo muita vez arbitário. A tal ponto que o próprio homem do sertão chega a desculpar-se dos caprichos da natureza. Conversando com um deles sobre as chuvaradas recentes, ele deu de ombros e me disse: “Isso é chuva do caju!” Eis esta uma estação do ano exclusivamente nossa.
NOSSA LÍNGUA
PROCOTÓ "Bicho de pé, / Inchaço e moléstia ruim." Lubim é lobinho, um tipo de quisto ou calombo subcutâneo.
"A trégua que a natureza deu a prolongados dias de sol impiedoso, num átimo fez acordar a própria natureza que hibernava triste e monótona sob o calor inumano. O sertão ganha ares de baile, e tudo que vive animou-se mais. Um cheiro de terra molhada nos traz uma lembrança grata, uma sensação diferente. O contraste da terra seca, a caatinga depenada, com o céu turvo e a chuva repentina produz um efeito fantástico aos nossos olhos. A alegria manifesta dos pássaros colabora com a transformação." Pedro Paulo sempre dá um tom poético às suas crônicas, uma fluência de ideias originais, conhecimento, memória ímpar. É um deleite para nossos olhos e nossas mentes.
ResponderExcluirParece-me que no ano passado não houve as famosas chuvas do caju ou da manga. O clima é cíclico e muitas vezes imprevisível. O geógrafo Cássio Loio Botelho, que durante boa parte da sua vida estudou o clima cientificamente, terminou por declarar que, de tantas variáveis envolvidas na definição do clima, só a Teoria do Caos poderia explicá-lo. Temos na direção-geral do INPE, em São José dos Campos-SP, um grande cearense, de 55 anos, engenheiro eletrônico graduado no ITA, que faz pesquisas meteorológicas auxiliadas por sofisticados programas de informática em computadores de grande porte, de última geração. Mesmo assim, as previsões do INPE nem sempre são certas. A filosofia esotérica hindu ensina que as chuvas são distribuídas pela Natureza por meio dos Devas (para nós, anjos) que, juntamente com os Espíritos da Natureza (gnomos, silfos, ondinas etc.), controlam todos os fenômenos atmosféricos. Mas para convencer-se disso, os ocidentais precisam de fé.
Por outro lado, as agressões à Natureza chegaram a um ponto que o clima está cada vez mais desequilibrado, hajam vista as ondas de calor que assolam a Europa e os EUA no verão. Além disso, existem as recorrentes inundações em quase todas as partes da Terra, muitas vezes inesperadas. Mais um desafio para a ciência humana, que até agora tem sido impotente para controlar todos os fenômenos climáticos.
Flávio Henrique
Flávio, vc poderia informar o nome do cearense diretor-geral do INPE? Retificando: o nome do geógrafo é Caio Lóssio Botelho. Obrigado pelo comentário.
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