sábado, 20 de outubro de 2012


A VERDADEIRA HISTÓRIA
DO ROMEIRO DA CRUZ

Gonzaga Vieira*

Toda a Glória Onipotente
Da celeste legião
Se comprazem do poeta
E a Virgem da Conceição
Inspirem o seu talento
Ao transpor dessa missão

Se o leitor me prestigia
Invocarei meu arcano
Ente sobrenatural
Que ao vivente dá plano
Mas que ganha a aparênia
De qualquer um ser humano

São Francisco, meu padrinho
O santo dos animais
Consola esses viventes
Aplaando os seus ais
E obra feitos milagrosos
Em momentos anormais

Essa vida de errante
Mesmo de um penitente
É feita de sacrifíios
De renúncias, dor pungente
É subida ao calvário
Um teste pra essa gente

E também, nesse roteiro
Em busca de salvação
O homem, grão de areia
Pra se safar da prisão
Carrega o seu madeiro
Ao topo da redenção

Nessa vida de agonia
Cena utópica, ilusão
O fardo de uma vida
Sem o toque do perdão
Só leva às negras muralhas
Se não houver oração

A cena que eu vou contar
Atenção, caro leitor
Não é mera fantasia
Da pena do escritor
É o resumo do caos
Onde não existe amor

Todos os vícios do mundo
Tinha o garboso rapaz
Luzo, bebida, mulheres
Ainda o prazer fugaz
O vício lhe aniquilava
Roubando-lhe sua paz

A moeda da orgia
No seu bolso habitava
Conselhos de sua mãe
Muito pouco ele tomava
Só a ilusão passageira
Que seu coração ditava

Sua mente já andava
Sem rumo, no desalinho
Saía pra fazer farra
Buscava o falso carinho
Era essa senda infernal
A seta do seu caminho

Eu volto, caro leitor
Com você dialogar
Narrando todo o desffecho
Dessa história singular
Pra sabermos o final
Que a mesma irá tomar

O sentimento de mãe
É igual um lenitivo
Memsol o seu coração
Arca no altar votivo
Descobre lá nas entranhas
Do filho, negro motivo

Aqui eu peço licença
Pra discorrer na questão
Que leva ao desatino
A vida de um cristão
Entregue à sorte mesquinha
Qual uma horrenda prisão

Hilário A. de Rosende
Dessa história o personagem
Viveu sempre combalido
Nos apuros da voragem
Era todo o desalinho
Nas ações e na roupagem

Mas embora o destino
Fosse para ele ingrato
Não era um cão sem dono
Tampouco um bicho do mato
Tinha ainda uma mãe
Na contagem desse fato

Dona Matilde Resende
Viúva de distinção
Era o puro equilíbrio
Imagem da perfeição
Resolveu tirar o filho
Da horrenda perdição

No recesso de seu lar
Inda imperava a paz
E resistia tenazmente
Às manhãs de satanás
O imperador das trevas
Ali não tinha cartaz

Sua inquebrantável fé
Confiança no Senhor
Com São Francisco na mente
Da mãe de Deus o penhor
Ela se achava assistida
Naquele transe de dor

Fez de Hilário um peregrino
Rumo à Meca do Nordeste
Nosso Canindé bendito
De amor e luz se reveste
No seu trajo de pedinte
Ao orgulho, faz o teste

Fe a velha uma promessa
Para o Hilário pagar
Levando pesada cruz
Até o pé do altar
Da matriz de Canindé
E ali, contrito, rezar

Saindo de Alagoas
Se não me falha o sentido
Os perigos da estrada
Enfrenta bem decidido
E o sofrimento o torna
Contrito e arrependido

Sede, feras indomadas
A fala de caridade
Acontecem ao viajante
Mas, nas sua soledade
Caminha determinado
Buscando a santa cidade

Tomando como um demente
Por alguns, por outros não
Percorre longas estradas
Em péssima situação
Esta cena commovente
É de cortar coração

Já avistando a basílica
Do seu santo padroeiro
O ombro todo chagado
No contato do madeiro
No estirão do caminho
Segue o devoto romeiro

O chão santo e sagrado
Beija Hilário, oh! Jesus…
É nesse momento santo
Que o romeiro traduz
A benção de São Francisco
Neste celeiro de luz

Contrito, aos pés do altar
Conversa com o padroeiro
O santo das nobres causas
Dos fiéis o pregoeiro
Olhos fitos no altar
Lhe oferece o madeiro

- Obrigado, Pai Francisco!
Diz no beijo à imagem
Pelo vento, pela brisa
Pelo ar puro da aragem
Pelo dia, pela noite
Pelo fim dessa viagem

- Obrigado, Pai Francisco
Por ter vencido esse chão
Pela dor, pela tormenta
Pela paz no coração
E por minha mãe querida
Que em ti tem devoção

- Obrigado, São Francisco
Por cumprir minha missão
Depositando essa cruz
O símbolo da redenção
Obrigado, São Francisco
O santo Pai e Irmão

E dali segue o romeiro
De volta à sua morada
Com o peito fortalecido
E sua fé renovada
Feliz por haver vencido
As agruras da estrada

Garanto a todos vocês
O romeiro vieo a pé
Narrei uma bela história
Zênite da santa fé
A fé que move montanha
Galga obstáculos e ganha
A glória em Canindé

Gonzaga Vieira,
canindeense e um
dos melhores poetas
da atualidade

2 comentários:

  1. Fantástico! As duas estrofes seguintes são sublimes: Se o leitor me prestigia/Invocarei meu arcano/Ente sobrenatural/Que ao vivente dá plano/Mas que ganha a aparênia/De qualquer um ser humano; ///Nessa vida de agonia/Cena utópica, ilusão/O fardo de uma vida/Sem o toque do perdão/Só leva às negras muralhas/Se não houver oração.
    A poesia de Gonzaga tem uma fluência natural ao expressar a sua visão madura da vida, uma sabedoria adquirida ao longo de tantos anos de observação atenta do ser humano e suas vicissitudes.
    Conheci Gonzaga quando era adolescente e ele se iniciava como artista plástico, juntamente com o Lisboa, a quem não vejo há tempos. São duas pessoas simples, despretensiosas, que escolheram a arte por amor, no lugar da busca do dinheiro.
    Embora haja na transcrição erros perdoáveis de digitação(acho que não houve tempo para a revisão do texto), a beleza dos versos é um deleite para quem sintoniza com a sensibilidade do autor.

    Flávio Henrique

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  2. Admirável Gonzaga, de citação obrigatória em qualquer referência bibliográfica sobre Canindé, uma vitória para um autodidata tardio. Único folheteiro em atividade na região. Não aboia nem toca sino, mas merecia ser mestre da cultura.

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