terça-feira, 6 de setembro de 2011

história e curiosidade


QUANDO A GUERRA CHEGA
AOS POETAS POPULARES

Em meio aos destroços e à carnificina que deixam
as guerras, há um vasto legado às artes,
principalmente na Literatura


A poesia, tanto erudita quanto popular, também está presente nas guerras. Os poetas populares, principalmente, são autênticos cronistas dos conflitos entre povos. As guerras civis no Brasil, por exemplo, legaram à poesia popular uma memorável produção artística. Há 176 anos, no Rio Grande do Sul, estourava a Guerra dos Farrapos, também conhecida como Revolução Farroupilha. O conflito teve início no dia 20 de setembro, na província de São Pedro do Rio Grande do Sul, com ramificação para Santa Catarina, e foi uma das guerras civis mais prolongadas do Brasil, durando dez anos. Pela sua natureza, a Revolução Farroupilha assemelhou-se à Guerra de Secessão acontecida nos Estados Unidos entre 1861 e 1865.
A Guerra dos Farrapos, de caráter republicano, teve início no Brasil-Regência e findou no Brasil-Segundo Império. Os farrapos, assim apelidados pela carência de recursos com que sempre tiveram de conduzir a campanha, proclamavam desejar implantar uma República, à qual deram o nome de Piratini, naquela região sulina. Diziam-se homem livres pela possiblidade ao menos teórica e constitucional, de elegerem o seu presidente em contraposição aos outros brasileiros que deviam obediência ao imperador, governante que não haviam escolhido.
Os farroupilhas, que chegaram a ocupar parte do Estado de Santa Catarina onde proclamaram outra República, a Juliana, nome derivado do mês em que a instalaram, ocupavam zonas e cidades do interior, sem haver podido situar-se longamente no litoral e na capital. Eram rurais. Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande, permaneceram urbanas, imperiais. Esse posicionamento reflete-se também na poesia produzida pelos dois lados em desavença. Pois a poesia foi arma brandida e esgrimada pelos dois lados.
A ARMA DOS VERSOS
Republicanos e imperiais, farrapos e caramurus (esses os apelidos principais que se davam os adversários) fustigaram-se também com versos. Versos que enalteciam os partidários e ridicularizavam os contrários.
Bento Gonçalves
Eis como os poetas farroupilhas, no calor da guerra, cantavam as qualidades do seu líder máximo, Bento Gonçalves da Silva:

Bento Gonçalves da Silva
Da liberdade é o guia,
É herói porque detesta
A infame tirania.

Graças mil te sejam dadas,
Grande Bento abençoado;
No Brasil, em toda parte,
É teu nome respeitado.

A respetio do general Neto, o segundo em comando e substituto eventual do Bento, os mesmos poetas republicanos rimaram:

Grande Neto abençoado,
Teu nome é o que mais rebrilha;
Por isso é que serás sempre
O mimo dos farroupilhas.

Hei de mandar escrever
Por montanhas e desertos,
Em letras de ouro, este nome:
Antônio de Sousa Neto.

Canabarro, outro festejado general revolucionário, mereceu dos cantadores farroupilhas versos em nada menos entusiastas. Como estes:

Canabarro general,
Dos heróis, herói valente,
Cumpriu quanto lhe ordenou
Seu general presidente.

Cabarro general,
Assombro da nossa gente,
Há de salvar sua pátria,
Há de pô-la independente.

A respeito dos seus ideais de emancipação e de republicanismo, os cantadores farrapos difundiam e faziam cantar pelo seu povo estrofes entusiasmadas. Assim, por exemplo:

Aborrecemos o  jugo,
Fazemos guerra aos tiranos;
Juramos por nossas armas:
Seremos republicanos.

Unidos, amantes, briosos
Da feliz fraternidade
Seremos republicanos,
Justa lei da liberdade.

Deixei mãe, deixei mulher
Deixei rancho e cabedais.
Pra seguir meus companheiros,
Republicanos liberais.

Se heróis valentes como estes
Em prol da pátria morrerem
Da terra, contra os tiranos
Veremos outros nascerem.

A realeza e a valentia das mulheres riograndenses também motivou os poetas, pois elas não só cumpriam seus trabalhos da casa e do campo, como, em muitos casos, acompanharam seus homens ao cenário das lutas, nas marchas e retiradas. Era com orgulho que os soldados republicanos falavam de suas companheiras:

Mais vale uma farropilha
Que tenha uma saia só
Do que duas mil camelas
Cobertas de ouro em pó.

Camelas, no verso, corresponde ao apelido camelo, imposto pelos farrapos aos imperiais, pelos rurais aos citadinos, pelos menos favorecidos aos ricos estancieiros que, via de regra, posicionaram-se ao  lado do governo imperial. Outro apelido, frequentemente presente também nos versos reunidos pelos folcloristas e historiadores daquele período, como Augusto Meyer, Simões Neto, Wilson Afonso e outros, é o galego. Reminiscência, possivelmente, da dominação portuguesa e da influência que o comerciante dessa nacionalidade exerceu na campanha gaúcha. Contra eles, os farrapos atiravam versos contundentes:

Tenho o meu cavalo oveiro
Tosadinho a cogotilho
Para correr os galegos
Como tropa de novilho.

Ó galego pé de chumbo
Calcanhar de frigideira
Quem te deu a confiança
De casar com brasileira?

RÉPLICA DOS LEGALISTAS 
Mas os imperiais, ou legalistas, ou camelos, ou caramurus, ou ainda galegos não deixavam esses ataques poéticos sem a devida resposta. Também mobilizavam os seus poetas.
Estes tiroteavam com a mesma munição disparada pelos farroupilhas. Por exemplo: revidaram, assim, aos versos republicanos em honra do general Neto:

Senhor Neto, vá-se embora,
Não se meta a capadócio;
Vá cuidar dos parelheiros
Que fará melhor negócio.

Já vem o Silva Tavaraes
Com a sua gente armada,
Perguntando pelo Neto
Mas a sua farrapada.

Aos versos relativos ao general Canabarro que deveria salvar a pátria riograndense, opunham outros versos dedicados a outro notório general legalista:

Francisco Pedro de Abreu
Primeiro dos legalistas
Defensor da sua pátria
E terror dos anarquistas.

Caçoando do fato de o governo farroupilha – da República de Piratini – ter mudado várias vezes de sede, à medida que a pressão das tropas imperiais a ameaçava, os cantadores legalistas trovaram assim:

Que este século é de progresso
Quem mais se atreve a negar?
O governo rio-grandense
Marcha em carreta a rodar…

No tocante aos feitos militares propriamente ditos, ambos os lados clamavam a valentia de seus homens e o talento de seus oficiais. Gritavam os imperiais:

Os farrapos já diziam
Que a Laguna era sua;
Chegaram os caramurus
E botaram eles pra rua.

Retrucavam os poetas republicanos-farroupilhas:

Os galegos já contavam
Que a vitória fosse sua
Quando entraram farroupilhas
De lanças e espadas nuas.

(Fonte: Almanaque do Pensamento.)

3 comentários:

  1. As trovas farroupilhas, em quadras populares vazadas em redondilha maior (versos de sete sílabas) tem grande semelhança com a literatura de cordel nordestina. Isso pode ser observado tempos mais tarde, nos desafios de Teixeirinha e Mary Terezinha. Quando fiz adaptações dos "Contos Gauchescos" de João Simões Lopes Neto para o cordel e lancei na Feira do Livro de Porto Alegre a receptividade foi além do esperado. O folclorista Paixão Côrtes, patrono da feira, fez questão de prestigiar o lançamento dos folhetos, juntamente com o cartunista Santiago e o escritor Luís Coronel. Este ano, retornarei ao Rio Grande do Sul para lançar os "Casos de Romualdo em Cordel", também da lavra do grande folclorista de Pelotas. O cordel está disseminado em todas as regiões do país, do Pará ao Rio Grande do Sul, do Acre às Minas Gerais e tem forte presença no eixo Rio-São Paulo desde a década de 1950. Em 2012 duas escolas de samba utilizarão o cordel como tema: Academicos do Salgueiro e Gaviões da Fiel. Muito me gratifica saber que o trabalho de formiguinha feito por mim, Klévisson Viana, Pedro Paulo, Gonzaga Vieira, Rouxinol do Rinaré e outros poetas cearenses foi o estopim que desencadeou este reconhecimento justo (e tardio) da Literatura de Cordel.

    ARIEVALDO VIANA

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  2. Oportuna, como diria uma amiga minha, a OBS de Cancão de Fogo. As guerras tem motivado grandes obras poéticas da Ilíada de Homero, passando por Orlando Furioso de Ariosto, obras imortais da península ibérica, às estrofes memoráveis de Gonçalves Dias na vertente indianista, sem esquecer da formidável prosa poética euclidiana de Os Sertões, transposta em versos por Geraldo Amâncio. O trabalho de formiguinha do qual o amigo fala,com modéstia, pude presenciar seus primórdios, nas redações em que fomos companheiros no jornalismo impresso ou radiodifundido. Quando vi centenas de versos brotarem com naturalidades espantosa das velhas máquinas olivetti ou da caneta febril em plena mesa de bar. Digo isto como quem aplaude (sem a metade que devora)o merecido sucesso que obteve nossa vanguarda cordelista.

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  3. O CORDEL TEM CADA DIA
    MAIS ESPAÇO CONQUISTADO.
    MUITO MAIS HÁ DE CRESCER,
    DEIXAR DE SER "ENCANTADO";
    SEMPRE LETRAR NOSSO POVO,
    MANTÊ-LO MAIS INFORMADO!

    Rouxinol do Rinaré

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