quinta-feira, 18 de outubro de 2012


A FESTA, O PARQUE
E OUTROS ASPECTOS

O evento franciscano é marcante não só pela densidade religiosa mas também pelo sincretismo cultural e folclórico que se produz em Canindé nesse período


Parque São Francisco, na Praça das Dores, Canindé, Ceará

Pedro Paulo Paulino

Houve tempo em que a cena mais comum da Festa de São Francisco eram os comboios de caminhões, no geral cobertos de lona e vindos dos mais distantes rincões trazendo romeiros a Canindé. Hoje, a maioria desses caminhões já foi substituída por ônibus modernos, alguns até servidos de ar-condicionado e outros itens de conforto. Também as caravanas de romeiros a pé, vestidos em seus hábitos marrons e empoeirados se dirigindo a esta cidade, estão sendo substituídas pelas estrondosas motorromarias que a cada ano se tornam mais concorridas. Foram as caminhadas em romaria que inspiraram Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga a fazerem a música “Estrada de Canindé’, que divulgou o nome da cidade em todos os recantos do País. 
Embora muitas das tradições da Festa de São Francisco tenham sido enterradas pela chegada do tempo ou pela imprudência de algumas pessoas, como a retirada das luzes decorativas da basílica, ainda se observam alguns costumes que resistem. Ainda é possível, por exemplo, deparar com uma dupla típica de violeiros, daqueles que animavam as noites nas extintas barracas do rio. Da mesma forma os coquistas, o tocador de pé-de-bode, o aboiador, as bancas de jogos lúdicos, o teatro mambembe, os modestos circos montados nos arredores da cidade, os montões de abacaxi trazidos da Paraíba etc.
A aglomeração de pessoas vindas de muitas partes do Brasil, principalmente dos estados nordestinos, gera aqui um sincretismo cultural dos mais nítidos. A cidade se transforma num piscar de olhos, saindo de sua rotina para mergulhar num clima de excitação. “Mudaria a cidade ou mudei eu?”, pergunto parafraseando Machado de Assis. A população nativa parece, de repente, perder sua identidade, pois tudo se funde num vasto caldeirão, onde crendice, fé, arrebatamento, misticismo, diversão, piedade, folia se misturam amalgamados no fenômeno da multidão.
Para o canindeense mesmo, a festa fica reservada para o dia 5 de outubro, quando a bandeira de São Francisco é arriada em pleno meio-dia. Arroga-se esse momento como um dos pontos mais destacados dos costumes locais. É quando os milhares de visitantes já têm quase de todo desafogado a cidade e a festa fica por conta dos seus habitantes. Pelos entornos da basílica, centenas de pessoas acompanham o desfile com a bandeira de São Francisco estendida. É a coroação tumultuada e alegre de uma das maiores celebrações católicas do mundo.
Um aspecto da Festa de São Francisco que resiste simpaticamente é a presença do Parque São Francisco, mais conhecido como Parque do Airton que há quase meio século se estabelece em Canindé nessa ocasião. É um emblema da festa. Tão marcante é sua estada por aqui, que o dono do parque promulga-se canindeense, dado o largo círculo de amizade que construiu durante esse tempo. Cheio de bonomia e com seu jeitão camarada, o Airton já chega por aqui bem antes da festa para instalar seu parque de diversões tradicionalmente por trás da igreja de N. S. das Dores.
Talvez hoje, com os ruídos infernais da parafernália de sons eletrônicos, não se ouça mais aquele ingênuo anúncio da música oferecida no serviço de som do parque, para aquele jovem ou aquela jovem de vermelho; mas a diversão ali com certeza ainda é garantida. E é tamanha a identificação do Airton com a sua empresa, que se gera até uma confusão de conceito: o parque é do Airton ou o Airton é do parque? Uma coisa e outra, enfim, dá na mesma. A chegada do parque do Airton é o primeiro aceno de que a festa também está chegando. E quando tudo termina, a coisa continua por aí afora, pois o parque é nômade, porque o Airton é um tangedor de sonhos… 

7 comentários:

  1. e eu já estou na família marreiro ha mais de dez anos e ainda não conheço a festa. Vou cobrar do Sr. Demetrius esse ano! Ah, e quero ir no parque...rs

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  2. PENA QUE A DRA. LIA NÃO TENHA ALCANÇADO A BARRACA "SACO DO BISACO", NA AREIA ALVA DO RIO CANINDÉ, ONDE SE TOMAVA BANHO COM UMA CÚIA, TIRANDO ÁGUA FRIIIIA, DE VASILHAME (MEIO POTE) DE BARRO.
    COM UM DETALHE: PAGAVA-SE 0,50 CENTAVOS (CINCO TOSTÕES), COM DIREITO A UMA BICADA DE CACHAÇA...
    O PROPRIETÁRIO, JÁ COM DEUS, ERA O VELHO "SAQUIM"

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  3. Do mesmo jeito que nós seres humanos mudamos pra melhor ou pra poior, as coisas também mudam. Temos que saber viver nesse mundo de mudanças e sentir saudade do que já se foi e que ficou na lmebraça!

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  4. Parabéns,parabéns,parabéns.Muito bom seu artigo,voltei no tempo, que saudades.Lembro-me quando o Pai-vô tinha a casa no mateus, sonhava naquele dia que iríamos para lá. Pedro Paulo com um acontecimento (acidente do Seu Joao), mudou tudo, tudo.Faça um comentário desse sobre nossa Festa de Sao Roque, nós ainda aceitamos.Mais uma vez,parabéns.

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  5. "A população nativa parece, de repente, perder sua identidade, pois tudo se funde num vasto caldeirão, onde crendice, fé, arrebatamento, misticismo, diversão, piedade, folia se misturam amalgamados no fenômeno da multidão."
    Esta descrição tão loquaz que o Pedro Paulo faz da transformação operada pela festa nos costumes de Canindé é deliciosamente poética. Embora eu não goste de ir a Canindé na festa, justamente pela multidão e a agitação, Pedro me faz ver o lado bom disso tudo: as tradições, as coisas simples do interior, a simplicidade e inocência dos romeiros.

    Flávio Henrique

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  6. Parabéns por escrever textos tão ricos e genuínos sobre a cultura canindeense...

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  7. Pelo aspecto nostálgico-profano da festa, responde a ausência das pupilas do profeta menor...

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