segunda-feira, 19 de setembro de 2011

artigo


HEROIS

Francisco de Assis de Freitas Silva*


Ao amanhecer do dia milhões de pessoas saem de seus lares e partem em busca do pão de cada dia na luta diária pela sobrevivência em suas mais variadas ocupações. Sapateiro, gari, operário da construção civil, médico ou empresário, todos têm lá seus afazeres e ao final do dia retornam para o seio de sua família. Na absoluta maioria das vezes todos têm a plena certeza que voltarão para seus entes ao fim de sua jornada, e que seu trabalho não acarreta riscos para sua vida, com raríssimas exceções. Entre os que arriscam suas vidas estão motoristas, que invariavelmente podem sofrer algum sinistro no trajeto que percorrem, seja nas ruas das cidades ou mesmo singrando as estradas nos mais distantes rincões do nosso Brasil Varonil. Outra classe que corre riscos diversos é a de policiais e pessoas ligadas à segurança pública, também incluídos os agentes penitenciários e bombeiros; estes profissionais ocasionalmente são vitimados durante o exercício de suas funções por pessoas que estão à margem da lei ou por conta de acidentes inerentes ao atendimento de ocorrências, como é o caso dos bombeiros.
Independente da função que exerçam, a maioria destes profissionais pode ser considerada um herói para seus familiares. O que são ou como surgem os heróis, não importa. Surgem do nada, de uma ação inesperada ou por conta das circunstancias que a caixinha de surpresas que é a nossa vida diária nos proporciona. Então pergunto o que nós podemos falar a respeito dos heróis? Será que eles são capazes de feitos memoráveis, ou que são superiores aos demais seres humanos? Não. Ou será que são capazes de enfrentar Titãs, Colossos e Leviatãs, como os mitológicos gregos? Também não. Podemos falar apenas que eles são meramente como nós, simples seres humanos, perecíveis e cheios de defeitos. São filhos, pais e também são irmãos. Têm irmãos e família, amigos e conhecidos que se preocupam com ele. Infelizmente na nossa vida cheia de perigos e com a profissão que abraçamos, não temos nunca a certeza do dia de amanhã. Às vezes esperamos a morte numa traiçoeira emboscada, numa ocorrência fútil. Uma bala perdida ou uma faca empunhada por alguém buscando nossa jugular para extrair nossa vida.  Estes são os nossos heróis. Não os da ficção, mas nós mesmos, de carne e osso, com nossas imperfeições, arrogâncias, prepotências e virtudes, que trabalhamos duramente para dar a nossos filhos e esposa um dia melhor com um pouco mais de conforto e sonhos no futuro, e com a esperança de alcançar uma aposentadoria com saúde, e aí sim, ser considerado um herói por ter passado 30 anos nesta profissão tão cheia de obstáculos, esquivando-se dos perigos do dia a dia e sem nenhuma mácula na ficha profissional.
Às vezes as preocupações com os perigos do cotidiano são tão inúmeras que esquecemos que nosso corpo pode ser um inimigo em potencial e nos trai. Deixa-nos vulneráveis e nos leva prematuramente ao encontro do Criador. Não sem antes lutarmos com todas as forças, usar de todos os recursos que a medicina e o conhecimento humano são capazes para nos esquivarmos do destino fatídico. Foi desta maneira que Deus quis que nosso amigo Arleno fosse levado embora. De repente, os sintomas e o diagnóstico de um tumor no cérebro. Como uma notícia desta chega até um de nós e de que forma reagiríamos? Cada qual a sua maneira, ele reagiu como um herói. Alguns de nós o chamávamos de homem de ferro, o herói dos quadrinhos, por estar sempre disposto a tirar um serviço extra. Lutou bravamente por sua vida, tendo sempre a seu lado outros heróis, seus irmãos, principalmente o colega de profissão Júlio, sempre trazendo notícias sobre a evolução de seu quadro clínico após a cirurgia e o internamento em UTI. Como no dia de sua morte, segunda feira 10 de maio de 2010, quando Júlio esteve pela manhã no quartel e falou com alguns policiais, informando sobre seu estado de saúde, falando que ele estava bem e se recuperando. Ao entardecer recebi a notícia inesperada. Uma infecção hospitalar causada por uma bactéria minou a vida de nosso amigo. Nossos heróis são assim, não ganham todas as batalhas. Outro herói é o sargento Antonio Carlos Nunes Pierre, que ingressou na Polícia Militar do Ceará em 20 de janeiro de 1992, na cidade de Fortaleza, juntamente comigo, quando após um curso de formação de seis meses fomos servir no Batalhão de Choque. Passados alguns meses consegui uma transferência pra meu torrão natal, onde estou até hoje.
Meu amigo Pierre continuou no BP choque, na função de armeiro e, vez por outra, nos encontrávamos esporadicamente por conta do trabalho. Então, depois dum período sem contato, foi com grande satisfação que o reencontrei em Sobral em 2010, num dos encontros dos supervisores e fiscais do núcleo de policiamento comunitário da Zona Norte, onde os supervisores e fiscais do Ronda trocam idéias e experiências, capitaneados pelo tenente coronel Mendonça, coordenador do núcleo sediado em Sobral e composta por diversas cidades. Além de Canindé, Sobral, Itapipoca e Crateús, também conta, dentre outras, com as cidades de Tianguá e Viçosa do Ceará, terra natal do sargento Pierre e para onde o mesmo foi deslocado para assumir as funções de fiscal do Ronda, desde que o projeto lá foi implantado.
Viçosa do Ceará, com suas belas paisagens, clima ameno e de povo ordeiro e acolhedor, teve, no dia 04 de julho de 2011, seu silêncio e paz característicos de uma bucólica cidade, ultrajada por uma horda de mais ou menos 12 a 15 homens fortemente armados com fuzis e escopetas invadindo-a em plena luz do dia em busca de dinheiro do Banco do Brasil. A população em polvorosa acionou seus guardiões, a polícia militar, representada em Viçosa, assim como em Canindé, pelos policiais do Ronda e do POG, porém com um diferencial, Canindé por ser maior, conta com um efetivo mais numeroso que o de Viçosa do Ceará. Fato que ajuda a explicar o número pequeno, para não dizer inexistente, de crimes de grande repercussão. A situação que os policiais encontraram lá não foi das mais amigáveis. Os bandidos os receberam a tiros de fuzil, e os policiais tiveram que reagir. Por estar em menor número e tendo que proteger a população que foi usada como escudo, os policiais tiveram que cessar o revide, entretanto o sargento Antonio Carlos Nunes Pierre teve a infelicidade de ser alvejado na perna esquerda por um tiro de fuzil, uma arma de guerra que os facínoras não hesitam em usar no meio da população desprotegida. A conseqüência do ferimento foi a perda do membro atingido e o encerramento da carreira do nobre militar. Fato que causou tristeza e revolta na população de Viçosa.
A felicidade é que o sargento Pierre está vivo para contar sua história e terá sempre com o apoio da família e de seus amigos, bem como da corporação, como o próprio me relatou em conversa telefônica recente. Concluo este relato falando de um homem respeitado e admirado por todos os que com ele trabalharam e conheceram, por sua liderança, conduta, disciplina, honestidade, coragem, perícia e destreza no manuseio de armas de fogo, dono de uma paciência inesgotável quando ministrava alguma instrução aos seus subordinados ou mesmo superiores hierárquicos, além de exemplar marido e pai de família; refiro-me ao subtenente Parente, já bastante conhecido em nosso município por seus relevantes serviços prestado à corporação e sociedade canindeense, falecido, vítima da ação de marginais, no dia 10 de setembro de 2011. Diante deste fato e das lembranças do onze de setembro de 2001, completando uma década à época da confecção destas linhas, difícil não perceber como os heróis são pouco lembrados com o correr dos anos e diante de fatos de maior magnitude como assim foram os atentados da fatídica data; pouca gente lembra e a mídia deixou passar em branco, mas em nove de setembro de 2001, foi morto, em atentado à bomba, o líder da resistência afegã contra o regime Talibã, Ahmad Shah Massoud, conhecido como o leão de Panjishir, e que certamente iria ajudar aos americanos na busca por Bin Laden nas montanhas do Afeganistão, onde buscou abrigo após os atentados.
O subtenente Parente foi alvejado numa emboscada em Fortaleza com tiros, mas durante a abordagem ele conseguiu ainda matar um e ferir outro dos facínoras, entretanto diante do número maior e da covardia, foi ferido nas costas e veio a falecer nas enfermarias do IJF. Diferentemente dos feitos do herói afegão quase esquecido, os atos de bravura e coragem do sub Parente, como nós o chamávamos, e sua eterna lembrança estarão para sempre na memória de seus familiares e seus inúmeros amigos e admiradores. São assim nossos heróis. Deixam-nos saudades e lembranças, porém o seu legado nos faz mais fortes para abrir nossos olhos e vermos as injustiças tão grandes deste mundo e erguermos nossos braços para lutarmos contra elas e assim, nas palavras de um grande escriba, temos a imorredoura esperança de que dias melhores nos aguardam.

*Cabo PM, colaborador do blog.


Um comentário:

  1. Excelente texto do amigo Freitas. Conheci o Sub Parente e fiz curso de tiro ministrado por ele. Nunca vi, pessoalmente, ninguém atirar com tanta pericia como ele. Ademais era pessoa de temperamento manso, extremamente disciplinado e reconhecidamente uma pessoa de muita coragem, sempre pronto para resolver qualquer ocorrência em defesa da sociedade. A Polícia Militar perdeu um de seus melhores quadros e Canindé principalmente, já que era aqui que desempenhava suas funções. Sua morte covarde é sinal de quem ninguém está seguro, vivemos um autêntico salve-se quem puder...
    Cesar Magalhães

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