terça-feira, 2 de agosto de 2011


MEU ENCONTRO COM LUIZ GONZAGA

Pedro Paulo Paulino



Sempre fui ouvinte de rádio, de preferência AM. O rádio sempre esteve presente no meu dia a dia. Mesmo com a profusão de músicas disponíveis hoje na internet, meu prazer é maior quando ouço no rádio uma música de minha preferência, principalmente Luiz Gonzaga. Parece exagero, mas devia ser obrigatório toda emissora do Nordeste tocar pelo menos uma vez ao dia qualquer coisa do Gonzagão. Embora sem essa obrigatoriedade, felizmente ainda se escuta muito o Rei do Baião no rádio.
Este comentário vem a propósito da data de hoje, quando completa 22 anos da morte de Luiz Gonzaga. Naquele dois de agosto de 1989, a música popular brasileira vestia-se de um luto profundo pela perca do maior talento representativo do Nordeste. E já se passaram 22 anos! Arievaldo, que, pelo menos pessoalmente, é o maior discófilo e pesquisador de Luiz Gonzaga que eu conheço, lembra que 22 anos também foi uma etapa importante na vida de Luiz Gonzaga. Com essa idade, ele estava em São João Del Rey, no Exércico Brasileiro. E por esse período também recebia aulas de acordeon.
Tudo já se disse de Luiz Gonzaga. O repertório de metáforas e comparações em torno do seu nome parece ter-se exaurido até a última gota. Não estou aqui para criar nenhum novo epíteto para designá-lo, até porque estou certo que seu título mais justo é mesmo o de “Rei do Baião”. Entretanto, aliada ao talento, sempre vi na coragem outro dos dons natos do velho “Lua”. Imagine um sanfoneiro nordestino no Rio de Janeiro dos anos 40, onde a música predominante tinha toda uma influência europeia. As vozes que se ouviam eram as dos já consagrados Orlando Silva, Carlos Galhardo, Vicente Celestino, Francisco Alves e outros. Gonzagão cavou seu espaço e, corajosamente, impôs seu ritmo e, aos poucos, a sua voz. Dos cabarés da lapa, migrou para os salões requintados e tornou-se astro na RCA, a maior gravadora daquela época. Em nada ele negou sua origem nordestina, dos sertões de Pernambuco: no modo de falar, notadamente. O detalhe, porém, mais fantástico de Luiz Gonzaga foi o seu característico chapéu de couro, complementado pelo gibão, à moda de um vaqueiro bravio nos meios mais chiques do Sudeste, ou mesmo um cangaceiro que trocara o rifle pela sanfona.
Luiz Gonzaga foi um monstro, um mestre no rastro do qual uma legião de artistas conseguiu brilhar e galgar fama. Eu guardo na memória uma imagem da minha meninice, como se guarda um joia preciosa a quatro chaves. Esta cena está gravada na minha mente, como um quadro adorado fixadado na parede do cômodo mais nobre e íntimo da casa. Foi num dia qualquer do começo dos anos 80. Eu estava na bodeguinha do meu pai, à beira da estrada na Vila Campos, quando em frente estacionou um automóvel e dele desceram dois homens. O primeiro adentrou o pequeno salão e, ao dar bom dia, logo um cidadão que estava sentado indagou:
- Que mal pergunte, o sr. é o Luiz Gonzaga? Ele respondeu:
- Seu criado.
Pronto, ali estava, em carne e osso, o “Rei do Baião”, na sua suprema simplicidade, tomando café e comendo bolo junto ao balcão do meu pai. Num átimo, uma vistosa roda de pessoas achegou-se para vê-lo. A meninada de um colégio próximo abandonou a sala de aula e correu para ver de perto o Gonzagão, descaracterizado sem a sua indumentária de vaqueiro. Ele abraçou a todos, conversou com roceiros, indagou do inverno, perguntou sobre o lugar e qual o santo do nosso povo… Meu pai, com quem aprendi a gostar mais do Gonzagão, parecia não acretidar que ali, no seu estabelecimento, estava o dono daquela voz que ele tanto escutava no rádio. De mim, parecia que sonhava. Luiz Gonzaga admirou um velho banco de aroeira que havia no salão, já polido pelo uso. E, ao pedir um palito de dente, meu pai, para provocá-lo, partiu o palito em dois e deu uma ponta ao motorista e a outra ao Luiz Gonzaga. Ele pegou o pedaço de palito e exclamou, com riso irônico: “Cearense, sempre fazendo economia…” Em compensação, meu pai não aceitou o pagamento da despesa. A parte detrás do seu carro estava pendurada de peso: era o porta-malas cheio de LPs. Depois de uma meia-hora de prosa, Gonzagão despediu-se e partiu rumo aos Inhamuns.
Foi assim, por obra do acaso, que vi na minha frente o grande astro que sempre adorei desde criança. E por conta disso, passei a me sentir um dos cristãos mais privilegiados deste mundo. E com razão. 

5 comentários:

  1. Eu não tive a mesma sorte do poeta Pedro Paulo de ver Gonzagão pessoalmente, mesmo que forma casual, o que certamente tornou o encontro ainda mais encantador. Num show há uma certa distância, mesmo quando o artista de se trata de Luiz Gonzaga, que cantava em circos, carrocerias de caminhão, coretos de praça, sem pompa, sem requintes, sem seguranças, acompanhado somente pela sua sanfona maravilhosa formando trio com a zabumba e o triângulo, a bendita trilogia do verdadeiro forró nordestino, copiada também por muitos outros artistas que viriam a seguir, com destaque para seus "afilhados" do Trio Nordestino - Coroné, Cobrinha e Lindu.
    Também não tive a honra de ver Raul Seixas, artista que partiu naquele mesmo ano e no mesmo mês, agosto de 1989.
    Eu trabalhava na Rádio São Francisco de Canindé e dediquei um programa especial para cada artista desaparecido. Posteriormente, apresentamos com muito brilho e entusiasmo um programa chamado "LUIZ GONZAGA CONVIDA", co-apresentado por Pedro Paulo e produzido por Nelzinho Lourenço. Dentre os convidados estavam Hidelbrando do Acordeón, Pedrinho Araújo (Meu Pedro), Passarim do Norte e Adão Moreira. Foram tempos inesquecíveis, vitais para marcar meu reencontro com a cultura popular, pois já morava e trabalhava na capital e estava me distanciando gradativamente deste belo universo.
    Parabéns, Pedro, pelo ótimo artigo.

    ARIEVALDO VIANA

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  2. PPP.
    Comigo acontece o mesmo, ao escutar as músicas do Luiz Gonzaga. O retorno à infância e adolescência na chã da serra do coité, lá na minha querida Nova Floresta-PB.
    Parabéns pelo artigo-recordação e ... Viva Gonzagão!
    Kydelmir Dantas
    Mossoró-RN

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  3. Cheguei a apresentar junto com Nelzinho uma edição desse saudoso programa, da qual guardo uma obsoleta fita cassete, rodar agora onde, no dedo? Não respondam...

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  4. Companheiro SILVIO ROBERTO, as coisas evoluiram mas nem tanto assim. Existem aparelhos da SONY e de outras marcas consagradas que ainda trazem deck duplo para reprodução e gravação de fitas k-7 (cassete). Continuo ouvindo as minhas, sobretudo as raridades.

    ARIEVALDO

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  5. Prezado colega do Alto Guaramiranga, vc é uma sumidade em termos dé música, estou para conhecer alguém que seja tão amante dessa arte, e ao mesmo tempo use a despretenciosa vertente social de sua pesquisa pessoal como apreciação das tradições do amado Nordeste. Mas cumprimento sobretudo o amigo pela ausência do melindre acadêmico, que nunca persistiu talvez em nós antigos moleques da poeira da periferia e da dieta de pão com Q-suco (de uva). Perista nesse tom, companheiro. A propósito a fita é daquelas de gravador de mão.

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