PRIVATIZAÇÃO E APAGÃO
Por Heitor Scalambrini Costa*
No âmbito do que se denominou Reforma do Estado, FHC privatizou muitas estatais. Administradas por políticos, sem dúvida em muitos casos, eram sugadoras de dinheiro público, com crônicos e eternos prejuízos causados justamente pelo uso político. Usinas siderúrgicas, ferrovias, telefônicas, bancos estaduais e distribuidoras elétricas, passaram para a iniciativa privada com argumentos de que o Estado não tinha condições de investir, e que haveria melhoria na eficiência da gestão destas empresas.
A justificativa era de que o mundo havia mudado, e era necessário redefinir o papel do Estado, e se desfazer assim de estatais ineficientes e eliminar a corrupção, pelo menos onde o estatal virou privado. No caso particular do setor elétrico, os defensores do processo de privatização acenavam a população com promessas de melhoria dos serviços prestados e com o barateamento das tarifas. Lembram disso?
Hoje, passados 20 anos, os apagões têm se tornado rotina em algumas regiões do país, não por falta de produção de energia, desabastecimento como ocorreu há 10 anos, mas por deficiências, tanto no sistema de transmissão quanto de distribuição, principalmente devido a falta de investimentos. Com relação aos reajustes tarifários estes não param de aumentar, sempre acima dos índices de inflação que reajustam os salários, mesmo com os serviços prestados deficientes e em crescente deterioração, não cumprindo com as obrigações contratuais com os consumidores.
Por outro lado, os governos estaduais e federal também têm responsabilidades. As agências reguladoras, de ambas as esferas, são coniventes com as empresas não atuando mais efetivamente e fazendo cumprir a lei. A falta de fiscalização das agências reguladoras é o grande problema, tendo uma relação direta com os constantes apagões. Quanto à questão das multas eventualmente aplicadas, ocorre que as concessionárias recorrem à justiça da punição, arrastando a decisão por anos, e continuam a operar sem nenhuma restrição.
Logo, se a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e as agências estaduais não fiscalizam direito as concessionárias, e o serviço entregue ao consumidor é ineficiente, por lógica os apagões que ocorrem são de responsabilidades também da agência reguladora. Afinal, se o serviço é ruim a tarifa não pode ser alta.
O cidadão constata que o fornecimento de energia está sendo interrompido com uma freqüência cada vez maior, e as empresas privadas não conseguem estancar o processo de deterioração dos serviços. As razões dadas pelas concessionárias para os blecautes não conseguem convencer ninguém. Muitas vezes, as simplicidades das explicações nos deixam atônitos. E a pergunta que não quer calar é se são tão simples assim, por que as empresas não têm mecanismos de prevenção para tais acidentes?
Nos últimos três anos, o índice de interrupções do Brasil subiu de 16 horas para cerca de 20 horas. A região Nordeste está entre as mais prejudicadas, tendo a média se elevado de 18 para 27 horas. Situação de descaso foi verificada em Sergipe, onde o volume de apagões dobrou, de 22 para 44 horas. A Bahia também teve uma piora significativa: subiu de 14 para 20 horas. No Maranhão e no Piauí os indicadores são altos, respectivamente 22 e 52 horas.
De fato, o setor privado não está fazendo os investimentos necessários e adequados nas redes existentes de distribuição e transmissão, desrespeitando as metas comprometidas com a ANEEL. A qualidade dos serviços de energia elétrica entregue ao consumidor brasileiro entrou num processo de deterioração crescente resultando que o número de apagões só tem aumentado.
Baseiam-se em fatos auto evidentes, que as reformas do setor elétrico com as privatizações das distribuidoras frustraram as expectativas, e as esperanças dos que acreditaram na propaganda governamental de um serviço mais eficiente e mais barato.
O poder público precisa agir, pois não tem cumprido seu papel, e a população cobrar. Do lado do consumidor nos últimos meses as reclamações junto aos órgãos de defesa têm aumentado muito. O que se espera é outra postura dos gestores do setor elétrico, e não a relação promíscua que tem se aprofundado com as empresas privadas.
*Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco. Artigo extraído da revista Caros Amigos.
"A justificativa era de que o mundo havia mudado, e era necessário redefinir o papel do Estado, e se desfazer assim de estatais ineficientes e eliminar a corrupção, pelo menos onde o estatal virou privado."
ResponderExcluirESTA É A MAIOR FALÁCIA DA HISTÓRIA MODERNA DO PAÍS, EM QUE UMA SÚCIA DE DIREITISTAS, APROVEITANDO UMA MOMENTÂNEA melhora numa economia maquiada, aplicou no povo um crime de lesa-pátria do qual muito dificilmente haverá redenção. Na verdade, o papel do Estado mudou, sim, de distribuidor de serviços acessíveis à população, para o de financiador da venda das estatais e agente financeiro (BNDES) dos investimentos das empresas privatizadas, cujos "investimentos" são adquirIdos com juros baixos e prazo longo, do próprio ESTADO! Tendo a tarifa que ser subsidiada pelo governo federal com dinheiro do Estado, mais uma vez, para a população de baixa renda ter acesso aos serviços. Com dinheiro público também são construídas as novas linhas de distribuição, ESTADO, de novo. O nível de tributação é alto, não se discute, mas o envio de divisas para a sede das empresas, todas estrangeiras, condição sine qua non da privatização, é muito maior. O resultado dessa grande obra, que país nenhum no mundo teve coragem de repetir o tiro no pé, são serviços caríssimos, fiscalizados com aparente prevaricação, conforme dispõe o artigo do professor Heitor Costa.
Minha análise não é tecnica, mas de cidadão comum usuário (ou vítima) das concessionárias.
ResponderExcluirLembro que há menos de duas décadas, ter telefone em casa era símbolo de status e que as ligações eram caríssimas, ao passo que hoje todo mundo tem um celular e liga para todo país, quase de graça. Tudo isso EU NÃO DIRIA QUE GRAÇAS A PRIVATIZAÇÃO, MAS GRAÇAS A CONCORRÊNCIA. Se, mesmo gerenciada por empresa privada não houvesse concorrência, os preços de ligações celulares seriam estratosféricos.
Vejamos o caso de privatização da Coelce: a empresa foi privatizada, mas o usuário não tem a opção de usar o serviço de outra concessionária, razão pela qual o serviço é de péssima qualidade e muito caro, tendo o governo de quebra aumentado seus impostos e em Canindé a iluminação pública ser uma verdadeira extorsão, que, reconheça-se, vem de administrações passadas. Quando falta energia e o usuário liga, responde um enorme questionário e ao final tem que aguardar várias horas. Um simples pedido de ligação demora um semana. Justiça seja feita: a Coelce quando pertencia ao Governo era muito mais eficiente, seus funcionários eram concursados e o que melava era nomeção de diretores por apadrihamento político.
Veja um caso interessante: A energia consumida por uma indústria, ou comercio ou qualquer outra que não seja residêncial é muita mais cara, embora o custo para operadora seja o mesmo. Isso poderia, repito, poderia ser até "admissível" quando a Empresa pertencia ao Governo, pois aumentando o lucro seria em benefício da "sociedade", que pelo menos em tese seria usado para ampliação do sistema. Sendo uma empresa particular, tal majoração perde todo o sentido pois só seve para encher os bolsos de particulares. Que diferença faz o tipo de consumidor se o custo da empresa é o mesmo? Isso é tão ridículo quanto um cidadão sentar num restaurante para almoçar e ao pedir o cardápio onde conste o preço dos pratos, o garçom indagar qual a profissão do cliente para entregar o cardápio com o preço diferenciado: médico paga R$ 50,00, professor R$ 40,00, estudante R$ 20,00, bancário R$ 30,00, deputado R$ 80,00...
E tem mais, se alguém reclamar para as agências reguladoras eles morrem de rir.
Cesar Magalhães
Fiquei profundamente envaidecida com seu comentário. Felizmente ainda existem pessoas como nós que amamos nossa terra e nossa cultura.
ResponderExcluirObrigada e visite sempre. Grande abraço.
A manutenção de empresas no setor de infraestrutura requer grandes investimentos, cujo retorno não se dá no curto prazo. O setor de infraestrutura - explique-se bem - é o relacionado aos grandes bens de capital, vale dizer, a geração de energia elétrica, mineração, transportes (grandes ferrovias e rodovias e navegação de cabotagem), portos, aeroportos e telecomunicações.
ResponderExcluirNa época da febre do neoliberalismo, achava-se que os estados falidos não tinham mais como investir nesses setores, de modo que se pensava que a saída seria transferir esses empreendimentos de grande porte para a esfera privada, que supostamente teria a competência para administrá-los e fazer face à crescente demanda motivada pelo aumento da população.
Ocorre que, tal como aconteceu quando o governo administrava esses setores, a corrupção e a incompetência continuou, somada agora à falta de ética no relacionamento com o público consumidor, que caracteriza as operadoras de telecomunicações e energia elétrica. A falta de consideração com os usuáros chega ao cinismo insensível quando se coloca uma voz gravada de computador para atender às reclamações dos clientes; e se chegamos a ser atendidos pessoalmente, o funcionário diz que não pode resolver o problema porque "o sistema está no momento fora do ar"; ou pior ainda, a ligação subitamente cai, deixando-nos impacientes para ligar outra vez.
Vejo como problema maior a corrupção, que por sinal é uma característica do capitalismo selvagem, em que predominam a competição, o individualismo, a ganância por lucros exorbitantes. Ou melhor, quem sabe não seja uma peculiaidade natural do ser humano, pois no chamado socialismo real da URSS a coisa não era muito diferente: incompetência, corrupção, clientelismo etc. Na verdade, entendo que há uma necessidade de o ser humano se humanizar, se sensibilizar, tornar-se ético, compassivo e menos egoísta. Se a maior parte das pessoas precisa ainda disso, que dirá levar a cabo um
projeto maior: espiritualizar-se.
Agora a corrupção é no relacionamento entre as empresas do setor de serviços públicos e o próprio governo, visto que ministros são indicados, não por competência técnica, mas em troca de votos e apoio político. E esses ministérios são os responsáveis pela regulação dos grandes setores da infraestrutura do País. Por outro lado, um setor muito mais importante do que todos esses (os países desenvolvidos não ignoraram isto no seu modelo de crescimento), que é a educação, é desprezado, nos reduzindo a exportadores de produtos primários predominantemente, no lugar de produtos de alta tecnologia, embora devamos reconhecer a crescente competência da nossa agropecuária, estimulada pelas pesquisas da EMBRAPA, o que aponta para o grande papel do Brasil num futuro próximo, como fornecedor de alimentos para todo o planeta.
Flávio Henrique